Wes Bittermore, um inglês filho da puta que gastava todo o dinheiro que ganhava na empresa do meu pai em charutos e prostitutas de luxo, ou pelo menos foi isso que meu pai contou à polícia seis anos atrás.
A verdade é que ele foi um maníaco sócio da AGB Financial Group, um psicopata que abusava da confiança dada pelo meu pai, porque Wes era seu amigo da faculdade e, nas palavras do próprio Alfred: “Não acreditei que ele faria qualquer mal a mim, a minha família ou a minha empresa.” Entretanto, o inglês cometeu o desatino de convidar meu pai para seu plano sórdido de “dominação mundial”. Alfred não sabia que Bittermore era um homem calculista, frio, rancoroso, então simplesmente negou sua proposta, não levando em conta que Wes era um mago, nem que ele levava uma pistola escondida por baixo do paletó elegante, risca-giz.
Bittermore não contava que eu apareceria por de trás do sofá e interromperia seu momento de diversão enquanto observava minha mãe cair no chão, já sem vida, devido a um tiro queima roupa na cabeça.
— Você se lembra de mim, Frederick? — perguntou o homem.
Ele continuava em sua mesma forma de seis anos antes, entretanto, as bochechas estavam mais cavadas e sua pele marcava melhor os ossos de seu seio nasal. Seus cabelos estavam em um tom apagado de ruivo, sem vida, diferente de como era a primeira vez que vi: com as pontas vermelhas como se fossem fogo de verdade. Seus olhos guardavam íris de uma cor azul leitosa, bem claro, como uma bola de cristal rachada em vários pedacinhos. Aquele Wes parecia cansado.
— Como não lembrar do homem que matou a minha mãe. — falei, com um sorriso irônico nos lábios. — O que você quer comigo?
— Você tem algo que eu quero. — respondeu o psicopata, simplesmente, com um sorriso grande e maníaco nos lábios.
Ergui uma sobrancelha. Eu era um ômega de dezesseis anos, perto de fazer dezessete, que não tinha nada além de um apartamento minúsculo e uma bicicleta enferrujada em meu nome.
— Juventude, Fred. — ele respondeu sem que eu precisasse perguntar. Isso que eu chamo de proatividade. — Você tem poder e juventude. — continuei com a sobrancelha erguida, observando-o enquanto via as olheiras escura sob seus olhos e manchas em suas peles. Como alguém pode envelhecer tanto em seis anos? — Sabe, Fred, a cada cinquenta anos, mais ou menos, com uma margem de erro entre dez e... Trinta anos, nasce um ser dotado de magia.
— A faísca? — perguntei, sem entender exatamente o que aquele cara estava falando.
— Não, meu querido. Estou falando da verdadeira magia, não esse poder fraco de dominar energia. Não. A verdadeira magia é muito mais poderosa do que qualquer dominação de energia de qualquer ser dotado com o que vocês chamam de faísca. — ele sorriu brevemente e seus dedos passaram pelo meu braço, suavemente, como se fossem plumas — Então, continuando, a cada cinquenta a oitenta anos nasce um ser dotado de magia, que normalmente são betas porque... Ah, sabe porque somente Betas podem ser dotados de faísca? — franzi o cenho, sem entender exatamente o que ele quis dizer — Os seres humanos criaram os híbridos como um tipo de experiência, muito tempo atrás, e nós, os híbridos, acabamos nos tornando maioria por causa de uma doença que... Exterminou os humanos. Então sobraram nós, metade humanos, metade lobos, alguns com instintos mais fortes, como os alfas e os ômegas, e outros com instintos quase inexistentes: os betas. — ele falou, enquanto pegava algo em uma mesa limpa e metálica.
Eu tomei um tempo para observar o lugar em que estava confinado enquanto ele preparava algo ao meu lado. Era um lugar com paredes rústicas, de madeira de reflorestamento. Havia um carro com o capô aberto e algumas peças espalhadas no chão de cimento. O cheiro de graxa e gasolina eram ainda tão fortes que me fazia ter tonturas.
Olhei para Jackson, que estava a um canto, quieto, sem falar nada até o momento, somente observando os próprios pés. Que bom que se sente culpado, idiota. Ele não olhou para mim enquanto eu o observava, enquanto Wes preparava qualquer coisa em uma mesa esterilizada. Qualquer coisa que fosse, não tinha um cheiro bom, mas tinha um odor forte o suficiente para mascarar o cheiro da graxa e da gasolina.
— Então, os betas não são fracos, como os ômegas e alfas. — continuou o homem — Nós, betas não dependemos tanto dos instintos, não temos isso, nós não agimos por impulso. — ele riu, irônico e pressionou um algodão em meu braço, na dobra do meu cotovelo — Bom, vamos continuar. Imagine minha surpresa quando vi você, um garotinho de dez anos, desbancando a minha magia... Ah, garoto, você se tornou o meu sonho de consumo porque... Sua magia? Você não consegue ver, ainda, mas vai ver. Enfim, você é o único em, o quê? Cem anos? Algo assim. — ele pressionou uma agulha de uma seringa no lugar em que, poucos segundos antes, havia um algodão embebido em álcool — Você é o único mago, se preferir, mas eu prefiro o termo feiticeiro, que nasceu nesses cem anos. — fiz uma careta e ele começou a sugar meu sangue para a seringa — Mas, bem, ser um ômega poderia ter sido um problema, sabe? Porque... Ai, vocês ômegas são tão levados por seus instintos como os alfas, sabe? Tão submissos, tão... Argh... Frágeis. Enfim. — Wes deu de ombros e tirou a seringa do meu braço, passando o indicador no lugar em que furara, colhendo a gota de sangue rubro e chupando o dedo em seguida. — Hm... Delicioso. — suspirou, saboreando meu sangue. — Então, como você não serve pra nada, já que é um maldito ômega e que vai dar pra qualquer um e procriar seus genes mutantes, mágicos, quando estiver em um daqueles... dias. — ele olhou para mim, um sorriso maníaco e sombrio surgindo em seus lábios. — Eu vou arrancá-lo de você. Quero dizer... Vou tirar o seu sangue e... Consequentemente... mata-lo... Em algum momento, claro.
Arregalei os olhos, ao mesmo tempo que Jackson se voltou para nós, igualmente assustado.
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Derek corria pelas ruas asfaltadas sem parar para descansar, sem se importar com os carros que paravam ou com os motoristas que buzinavam em seus ouvidos sensíveis. Em pouco mais do que quarenta minutos — pode ter sido uma hora e meia, ele não sabia, quando estava na forma de lobo não conseguia calcular o tempo com tanta certeza — estava em sua casa, batendo na porta do quarto de seu irmão com uma enorme pata de lobo. Maldito fosse Geoffrey que não atendia a porra da porta quando se precisava.
— Quem é que... — ouviu o irmão reclamar enquanto abria a porta. Ao vê-lo na situação em que encontrava arregalou os olhos, com um riso debochado em seus lábios — Derek, querido, quantas vezes já te disse para controlar suas emoções? — o lobo rosnou, com urgência e puxou a barra da blusa do seu irmão, para que ele o seguisse — O que você quer, Derek? Calma aí, lobinho. Calma, sem pressa.
Derek bufou e mexeu a cabeça, desistindo e entrando no quarto do irmão, mesmo sem sua permissão. Fuçou as roupas de Geoffrey, procurando seu celular e, quando o derrubou no chão, bateu com a pata no mesmo, olhando solicito para o irmão mais velho.
— Que foi? Quer ligar para alguém? — perguntou o irmão e Derek balançou a cabeça lentamente — Quem? — o lobo uivou, dolorido. Não temos tempo. — Tá, calma, calma. Sei lá, bate o número no chão, sei lá. Eu preciso que me diga o número que preciso ligar. — assentiu uma vez com a cabeça e começou a bater com a pata no chão, enquanto o irmão discava o número para o qual deveria ligar.
Quando o mago colocou o telefone no ouvido, o lobo andou de um lado a outro, atormentado, como um lobo enjaulado. Vez ou outra soltava um ganido, porque não conseguia se acalmar enquanto seu Fred estava com aquele maníaco obsessivo.
Geoffrey olhou para o irmão, preocupado, enquanto falava com Fabriciano. Ele finalmente entendeu porque Derek estava em sua forma lupina, entendeu porque ele estava tão atormentado e... Triste. O lobo uivou mais uma vez, sentindo falta do cheiro de seu ômega.
— Certo, vou pegar uma mochila com uma roupa pra você e... — o irmão suspirou, olhando para Derek com uma expressão que parecia pena. Fechou os olhos, com o polegar e o indicador na ponte de seu nariz. — E vamos procurar Frederick.
Derek assentiu uma vez, olhando para o irmão, em quem confiava cegamente, o único que o conhecia de verdade e o único para quem poderia mostrar sua vulnerabilidade. Uma lágrima brilhante surgiu em um de seus olhos violetas e Geoffrey alisou sua cabeça, fazendo carinho entre suas orelhas felpudas de pelo cinzento, acalmando um pouco os ânimos aflorados do lobo.
— Nós vamos encontra-lo, Derek. — assegurou o mais velho antes do lobo uivar novamente.
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— Você não falou nada sobre matá-lo! — gritou Jackson no outro canto do quarto.
— Detalhes, Jackson, detalhes. — falou Wes, abanando a mão enquanto preparava mais uma seringa para tirar meu sangue. — Claro que, a princípio, a minha ideia era deixar você se divertir com o alfa ali, apesar de que eu soube que um alfa lúpus fode muito melhor, mas enfim. — ele enfiou a seringa na dobra do meu cotovelo, dando de ombros — Mas ele fez um enorme estardalhaço pra pegar você.
Respirei fundo, sentindo a leve tontura pelo sangue que estava sendo tirado de mim. Suspirei e fechei os olhos. Ah, como eu queria me mexer. Ah, como eu queria sair dali.
— Felizmente o cheiro de graxa e gasolina vai disfarçar o cheiro dele. — murmurou Wes. — Até eu que sou um beta estou atraído por esse cheiro. Talvez eu brinque com você um pouco, sabe? Quando estiver naqueles dias. — senti seus olhos passarem por meu corpo, passando os dedos desde os meus ombros nus até o cós da minha bermuda. — Ah, esses dias de glória virão e eu vou te mostrar o que é uma foda de verdade.
Eu abri os olhos e ergui uma sobrancelha sarcasticamente, o sorriso acompanhando meu olhar.
— Isso se você conseguir ficar duro, né, Wes? — meu sarcasmo saiu ácido pela minha garganta. — Soube que pessoas mais... Velhas... — olhei para as manchas em seu rosto e as rugas que apareciam em volta de seus lábios — Têm problema em fazer seus... Brinquedinhos... Subirem.
Ele riu baixo e assentiu, como se eu tivesse dito uma piada que ele tivesse gostado. Então pegou o tubo onde tinha guardado o meu sangue, colocou-o em uma centrífuga e ativou, fazendo a máquina fazer alguns ruídos baixos enquanto girava o frasquinho com o sangue viscoso e vermelho.
— É exatamente por isso, meu anjo, que você está aqui. — ele continuava virado para sua máquina, em cima de outra mesa esterilizada. — Eu preciso do seu sangue para criar um elixir que vai me manter jovem.
Mordi a parte interna da minha bochecha e fiz um barulho de desagrado com a minha língua. Maldito.
— Isso não vai durar muito tempo, sabe? — falei. — Derek vai me encontrar, não importa se vai disfarçar o cheiro ou não. Ele vai me encontrar.
Wes sorria, sarcástico, quando se virou para mim apoiado com os braços esticados e as mãos sobre a mesa de metal.
— Olha, eu admito, vocês têm uma ligação, literalmente, visível. Mágica. — ele se afastou da mesa e seu rosto se aproximou do meu, seus dedos passando suavemente pelo meu corpo, novamente. — Mas não acredito que isso seja o suficiente para encontra-lo. — então pareceu pensativo — Eu acredito que não, pelo menos.
Respirei fundo e fechei os olhos. Será que ele estava certo? Eu acredito que não, eu tenho que acreditar que Derek iria aparecer, o meu Derek.
Então percebi o quanto estava sentindo falta do odor suave, amadeirado e almíscar, o quanto aquele cheiro me acalmava quando estava ansioso, confuso e atormentado. Sentia falta do seu abraço, da sua voz, de acariciar seus cabelos enquanto dormia em meu colo, depois de assistir um filme na televisão do meu quarto. Sentia falta de cair no sono em seu peito, sentindo a brisa da minha janela refrescar nossos corpos nus sobre a cama. Sentia falta até de suas crises de ciúmes e sua possessividade em relação a minha pessoa quando ia a praia toda manhã.
Ele estava quase se acostumando a acordar antes do sol, pouco falava quando eu me levantava, colocava minha sunga e uma toalha em volta do pescoço, e saía de casa, andando em direção a minha doce e amada praia. Poucos minutos depois ele aparecia na areia ou no mar gelado, reclamando da água gelada e falando que tinha que o esquentar já que o arrastara até ali contra a sua vontade.
Como seria nunca mais vê-lo? Nunca mais tocá-lo? Nunca mais... Uma lágrima surgiu em meu olho e escorreu pela minha têmpora enquanto eu virava o rosto para ninguém vê-la.
Não. Eu precisava acreditar que Derek me acharia, e tudo ficaria bem. Tudo vai ficar bem. Fechei os olhos, respirando fundo.
— Tudo bem, tudo bem, Fredinho — o tom que ele usou ao pronunciar o apelido criado por Jackson me deixou enjoado — vou deixa-lo descansar um pouco. Eu sei que um ômega não tem muita força mesmo.
Travei o maxilar para não responder, pois sabia que ele teria uma resposta mais engraçadinha para me responder e isso me deixaria ainda mais irritado. Fechei os olhos e deixei-me cair em minha doce e escura inconsciência.
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Derek olhou para Geoffrey, e, apesar de seus olhos violetas e inexpressivos, uma pergunta estava clara dentro deles. Se o Frenshwick mais velho se concentrasse poderia, inclusive, ouvi-la em sua mente de tão solicito era aquele olhar.
Você tem certeza de que esse é o lugar certo?
— Sim. — sussurrou Geoffrey, sabendo que o irmão, em sua forma lupina, o escutaria, mesmo que estivesse a um metro e meio de distância. — Esse é o lugar certo.
Como ele sabia disso? Era difícil explicar.
Ao contrário de seu irmão, Geoffrey não tinha sentidos aguçados para sentir o cheiro de Frederick e seguir seu rastro, mas conhecia sua energia, podia senti-la, e era esse o rastro que estava seguindo em sua moto, já que o cheiro de gasolina e graxa que assolava aquele bairro de periferia deixava os sentidos de Derek meio loucos.
Ali, perto daquela casa de pedras mal colocadas, como se tivesse sido empilhadas por uma criança, seus ouvidos zuniam como nunca, seus dedos quase doíam por causa do formigamento que sentia: a energia de Fred ali era quase palpável, mas não era a única. Havia uma energia parecida com a do adolescente naquela casa, outra energia conhecida, que, até hoje, faziam suas pernas tremerem somente em pensar na pessoa a quem ela pertencia. Outro maníaco. Pensou, enquanto colocava os dedos nus nas pedras sujas pela graxa.
Para entender melhor, seria preciso explicar que Frederick tinha uma energia muito diferente do que a das outras pessoas. Os alfas eram fortes, possessivos, muitas vezes persuasivos e pouco gentis, então tinham uma energia mais forte, semipalpável, Geoffrey sabia diferencia-los porque seus dedos formigavam com a simples possibilidade de controla-los — algo que aprendeu quando conseguiu dominar melhor seu dom de dominação. Os betas eram seres quase normais, não eram movidos por seus instintos, então não eram impulsivos e propensos a situações em que não se tivesse planejado muito para que não acontecesse. Sua energia fazia sua pele se arrepiar de uma forma agradável, mas só quando o tocavam. Os ômegas... Ah, os ômegas... Tão submissos e delicados, mas com instintos tão fortes que os faziam saber quando era hora de se esconder e correr, eram os mais fáceis de controlar porque sua energia vivia em deriva. Geoffrey quase podia tocá-la, e conseguia, se quisesse, mas nunca foi de sua vontade controlar outro ser vivo.
Entretanto, Fred? Um ômega que deveria ter sua energia nas palmas de suas mãos, guardava-a a sete chaves em seu subconsciente. Era um garoto calculista, com um olho clínico para situações de alto risco, altruísta e corajoso, tão corajoso que enfrentava seus medos para que seus amigos ficassem bem.
Geoffrey entendia porque aquele garoto, em específico, poderia ter desenvolvido a faísca. Ômegas nunca têm uma descoberta tão tardia quanto a de Fred, o garoto tinha tudo para ser um beta, mas o cheiro o traia — como Derek relatara — o mago tinha um cheiro cítrico e adocicado e seu irmão mais novo lhe garantiu que não vinha de nenhuma loção que o adolescente usava. Não. Fred tinha um cheiro de laranja desde que nascera. Então como ele conseguia conter tanto sua energia?
Havia outra explicação, mas isso o levava para outras áreas de conhecimento que o assustavam, pois se suas suspeitas se confirmassem e seu antigo e querido tutor estivesse naquele apartamento, confabulando com Jackson para ter o ômega de seu irmão... Derek não teria a menor chance de recuperar seu amado.
Por favor, que eu esteja errado e que esse homem não esteja usando Fred para uma de suas experiências malucas.
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Eu acordei não muito tempo depois, sentindo uma fisgada em meu cotovelo.
Wes havia partido para o outro cotovelo, uma vez o primeiro estava quase sem veias para serem achadas. Eu gemi baixinho, sentindo minha cabeça doer, mas o homem não deu a mínima, somente continuou concentrado o que estava fazendo deixando-me somente a opção de olhar para Jackson que estava com uma blusa cinza e de cueca boxer, andando pelo cômodo. Ele estava tirando a atadura ensanguentada de sua coxa, onde tio Fabriciando havia lhe acertado um tiro. O buraco ainda estava aberto e não mais sangrava, mas, pela expressão abatida e pálida do alfa, eu podia ver que ele havia perdido muito sangue.
— Não vai cuidar do seu cão de caça? — perguntei, dirigindo-me a Wes, que tirava mais sangue das minhas veias. — Ele está com um buraco de bala na perna.
— Não foi culpa minha ele ter levado um tiro. — murmurou o homem, rouco.
— Como está o elixir da juventude? Já deu em alguma coisa? — ergui uma sobrancelha, curioso por não mais ouvir o ruído baixo da centrífuga.
— Não está pronto ainda. — Wes não estava mais com o bom humor sarcástico de antes.
Observei-o dar a volta na mesa em que estava deitado e preso, ele mancava e suas costas estavam encurvadas, seus cabelos estavam opacos e com alguns muitos fios grisalhos, seus olhos estavam leitosos, apesar do castanho escuro de suas íris. O homem cada vez mais parecia um velho, com pele enrugada ao redor dos dedos e manchas nas mãos.
— Você está envelhecendo rápido, meu bom senhor. — falei, meu tom esbanjando falsa gentileza. — Por que não pede seu mascote para fazer uma sopinha para lhe dar forças?
— Pare com as brincadeirinhas, Grenny. — resmungou Wes e eu sorri. — Não estou com humor para isso.
— Há quanto tempo você faz esse lance do sangue e do elixir e tudo o mais? — perguntei, agora realmente curioso.
— Muitos e muitos anos, agora cale a porra da sua boca e me deixe trabalhar. — murmurou o homem, já se virando para sua mesa esterilizada de trabalhos.
Ri baixo e olhei para o teto, o telhado era feito de calhas vermelhas, rústicas, um tanto espalhadas, de forma errada. Imaginava quantas goteiras tinham naquela casa por causa disso quando chovia. Respirei fundo, fechando os olhos e imaginando as gotas caindo em minha pele, escorrendo pelo meu rosto, pelas minhas bochechas. Suspirei. Quase podia senti-las.
— Pare com isso! — gritou Wes, tirando-me dos meus devaneios.
Ele me encarava, irritado, seus olhos leitosos me encaravam, sua expressão lívida. Em uma mão segurava uma espátula com força e, com a outra, segurava um frasco cheio com um líquido róseo, amarelado. Será que aquilo era seu precioso elixir?
— Parar com o quê? — perguntei, olhando-o sem entender. Eu não estava fazendo nada! Estava completamente atado com cintos de couro numa cama de metal. Preso. Surpreendia-me que não tivesse me amordaçado ainda.
— Poucos momentos atrás estava começando a chover aqui dentro. — disse Jackson, com gotículas de água nos cabelos castanhos.
Arregalei os olhos, sentindo as gotículas escorrerem por minha pele. Então aquilo que eu estava quase sentindo, não era somente minha imaginação. Eu podia fazer chover e não me sentia cansado por causa disso.
Era uma sensação diferente da que eu sentia quando dominava energia, não sentia meus dedos formigarem ou uma pressão em minha barriga, na boca do meu estômago, não. Na verdade, a sensação era próxima a que eu sentia quando estava perto de Derek, ou na praia, ou fazendo qualquer coisa que eu amasse. Será que isso é magia? Suspirei e fechei os olhos, sorrindo para mim mesmo, meus pensamentos se voltaram para meu lobinho e o quanto queria que estivesse ali. Será que conseguiria materializa-lo ali? Se eu desejasse com todas as minhas forças...
Ri em minha mente e meneei a cabeça. Um dia havia se passado nesse cativeiro e eu já queria materializar Derek aqui comigo, na minha frente. Eu estava ficando louco depois de um dia com aqueles maníacos. Ri baixo e abri os olhos, virando-me para a parede, observando como as pedras rústicas se encaixavam, procurando padrões de desenho E contando as pedras antigas.
— Tem algo errado. — ouvi Wes murmurar e eu me virei para olhar seu perfil, enquanto mexia lentamente seu elixir.
Ouvi um estrondo e olhei para a porta precária de madeira que não estava mais nas dobradiças, muito pelo contrário, a porta jazia quebrada perto da mesa onde eu estava preso. Geoffrey tossiu com a poeira que subiu e entrou na casa. O elixir de Wes estava no chão, espalhado sobre o vidro quebrado em que estava contido. O próprio olhava para seus próprios pés, atônito e uma leve fumaça saía de suas mãos.
— Nossa, Wes, você não mudou nada. — disse Geoffrey, depois de se recuperar de sua crise de tosse. — E você deve ser o... — ele se virou para o alfa que estava de cueca e blusa, a atadura caindo de sua perna machucada. — Jackson. Você é mais bonito do que eu pensava, garoto.
— Geoffrey! — rosnou o velho Wes, olhando para o homem parado na porta, ao lado de um lobo de pelo cinzento e olhos...
Derek estava ali. Meus olhos marejaram ao vê-lo e seus olhos encontraram os meus e ele uivou, acordando Jackson de seu transe o fazendo ficar atento a movimentação no aposento, apesar de não fazer nada para impedir.
— Jackson, faça alguma coisa! — gritou o velho Wes, mas o alfa nem se mexeu. — Jackson!
— Que se foda, Bittermore. Eu não vou fazer nada pra você. — disse o garoto, surpreendendo-me. — Você disse que não iria machucá-lo! Depois você queria matá-lo! — Jackson deu de ombros — Agora que se foda aí, não vou fazer nada.
Derek rosnou, impaciente, e atacou o homem que estava perto da mesa metálica com os instrumentos que precisava para fazer o tal elixir. Wes gritou, mas logo se livrou do lobo grande, fazendo-o voar para o outro lado do quarto, ganindo em dor e eu arregalei os olhos, meus dedos começando a formigarem. Geoffrey não fez nada, analisando toda a situação, observando Wes enquanto este se levantava, com dificuldade.
— Ai. — reclamou — Eu estou ficando velho pra essas coisas.
— Você está velho pra qualquer coisa, Bittermore. — Geoffrey falou, fazendo pequenas chamas dançarem entre seus dedos. — Você deve estar com quantos anos? 300? 500?
— 459. — respondeu um rouco Wes. — Soube que de pupilo, foi a mestre. Como está sendo a experiência, querido?
— Muito melhor do que ter um maníaco sádico e pedófilo como mentor. — respondeu Frenshwick, prontamente.
Enquanto eles falavam, eu dei uma olhada no meu lobinho que já parecia recuperado de sua queda e mostrava as presas para atacar. Derek dirigiu um olhar a Geoffrey, que já estava no meio da sala, e eu mordi o lábio vendo o olhar que o mais velho lançava a Wes. Nesse olhar consegui ver remorso, dor, medo... Ele não teria forças para atacar Bittermore. E o velho sabia disso.
Olhei para Derek, mordendo o lábio, esperando internamente que ele entendesse a mensagem que eu queria passar: Não ataque ainda. Ele precisaria de reforços porque Wes sabia os pontos fortes e fracos de Geoffrey, ele o havia treinado, então... Será que teria chances? Eu achava que não.
Respirei fundo e dei mais uma olhada ao redor, contando as opções: eu estava preso em uma mesa metálica com cintos de couro; Jackson estava em um canto, atento a cena de latrocínio que poderia se desenvolver ali, mas calmamente enfaixando sua ferida a bala novamente; Derek estava transformado em lobo, olhando-me, esperando... O quê? Uma permissão? Deveria ser. Geoffrey estava parado na entrada, com os punhos cerrados, olhando tenso para o velho Wes, que começara a sorrir percebendo a hesitação do Frenshwick mais velho.
Fechei os olhos e, em uma fração de segundos, lembrei de algo que vi em um filme, muito tempo atrás, no cinema, com meu pai e minha irmã, e mais tarde insistira para ver de novo, de novo e de novo — bom, eu tinha dez anos na época, podem me julgar se quiserem — mas o filme falava sobre magia. Na época, meu pai falou que era uma clara referência aos magos, domadores de energia, porque era o mais próximo que tínhamos de magia, mas naquele mesmo dia, poucos minutos antes de aquela explosão acontecer e a porta sair das dobradiças, eu havia feito chover dentro daquele quarto.
Feiticeiros manipulam a matéria porque nascem com a capacidade de usar todo o poder do cérebro. Mordi o lábio. Manipular matéria, moléculas, por isso eu conseguia fazer fogo, por isso eu conseguia controlar energia. Energia são moléculas em constante agitação, energia também é a vibração das moléculas, então... Eu não tinha a faísca. Eu só...
— Você não vai fazer com o Fred a mesma coisa que você fez comigo. — ouvi Geoffrey rosnar e eu abri os olhos, voltando a observar a cena.
Frenshwick continuava com os punhos cerrados, algumas faíscas caindo no chão de cimento e se apagando instantaneamente. Ele claramente não estava em controle completo da energia. Eu precisava ajudá-lo.
— Não, meu anjo, eu não ia fazer com o Fred o que eu fiz com você. — respondeu Wes e eu mordi o lábio, fechando os olhos novamente. Como eu consegui fazer chover? — Eu não quero ensiná-lo, e, apesar do cheiro dele ser mais do que maravilhoso — ouvi o rosnado audível de Derek, mas o velho pareceu ignorar — eu não vou tocá-lo... Se ele não pedir, é claro. Apesar de que... Não seria uma má ideia. — abri os olhos, em alarme — Você acabou de ter seu primeiro cio, e eu sei que você não usa supressores, nem anticoncepcional, nem... Nada... Fazê-lo ter um filho... Dois genes de feiticeiros... — ele me olhava com cobiça, um sorriso faminto e malicioso surgiu em seus lábios — Ah, com certeza é uma ideia.
— O quê?! — a pergunta saiu da minha garganta ao mesmo tempo que Derek rosnou mais alto.
Em um salto, o lobo estava sobre o homem velho, atacando seu braço que estava sobre o rosto. Wes jogou o alfa para o outro lado novamente, fazendo-o bater contra a parede e ganir. Jackson se levantou, ainda de cueca e com a atadura na perna, alarmado enquanto inalava o odor pungente e metálico de sangue. As presas de Derek estavam sujas de sangue e eu podia ouvir a respiração ofegante de Bittermore.
Geoffrey se aproveitou do momento de distração e atacou o velho: raios saíram de suas mãos e iriam atingi-lo no peito, mas Wes era safo, experiente, desviou o ataque com destreza e simplicidade, apesar de ainda estar cansado por ter jogado Derek, e, também, do braço ensanguentado.
Eu precisava sair daquela mesa, precisava ajuda-los, estava sendo um completo inútil até ali.
Derek uivou, não por muito tempo, quando atacou Wes novamente, sendo jogado para o lado, dessa vez com menos força. Eu podia ver cortes que se formaram em sua pele sangrando, mas que logo coagulavam e paravam de sangrar. Ele mancava, evitando tocar a pata esquerda no chão, e seus dentes estavam ensanguentados por perfurar a carne de Wes várias e várias vezes. Como diabos aquele velho não havia morrido ainda?
Comecei a observar seu estilo de luta. O braço direito, o que fora atacado no primeiro ataque de Derek, estava com um rasgo do cotovelo ao meio do antebraço, o sangue vermelho escorrendo e pingando por sua pele, o outro tinha alguns arranhões, mas nada tão profundo. Mesmo com o braço debilitado, ele lutava como se nada tivesse acontecido, desviando as investidas intempestivas de Geoffrey, fazendo os raios saltarem para lugares aleatórios, até que, em um determinado momento, desviou um raio que saiu em direção a Derek, acertando-o em cheio.
O lobo grande voou novamente para o canto da sala, desacordado e, por milésimos de segundos, eu o olhei abobado. Lágrimas surgiram em meus olhos e meus dedos ficaram dormentes, ao mesmo tempo que um puxão em minha barriga tornou-se insuportavelmente dolorido. Eu gritei, aquele grito sobrenatural, como se estivesse sendo seguido por um coro desafinado de mais três vozes junto com a minha.
Todos os vidros do quarto explodiram, poeira caiu do teto e saiu das paredes. Ouvi o estalo e os cintos de couro desataram-se sozinhos, soltando-me da mesa.
Quando abri os olhos, eu via imagens em borrões. Um véu branco tornando impossível enxergar com clareza o estrago que eu tinha feito, entretanto, naquele momento, estava pouco me lixando. Derek estava caído no chão, desacordado em algum lugar, e estava desacordado porque Wes havia desviado o ataque de Geoffrey. Se Wes não tivesse me sequestrado para tirar meu sangue, ele não estaria ali. Se Wes não tivesse influenciado Jackson, ele não teria me perseguido, ameaçado e sequestrado. Se Wes não tivesse encontrado a minha família, seis anos atrás, minha mãe não teria morrido.
E Wes Bittermore estava bem ali, na minha frente, caído e indefeso no chão, tonto, com o braço sangrando e a pele empalidecendo pela falta de sangue em suas veias.
Ele era o único ser que minha visão focou, sem sombra branca, ou blur.
Ainda podia ouvir o som do tiro a queima-roupa que matou minha mãe. Podia sentir o cheiro do sangue dela, podia sentir a viscosidade de seu sangue sujando minhas mãos, sujando minha roupa, sujando o chão de mármore. Podia ouvir o choro do meu pai, o grito atormentado que ele deu quando viu minha mãe morta em meu colo, com os olhos azuis sem vida e uma assadeira prateada de biscoitos na barriga.
Podia sentir o sangue de Diego sujando as minhas mãos. A visão da ferida aberta em suas costas atormentou meus sonhos durante horas, em um looping infinito. Podia ver os olhos de Jackson focados em mim, mas seus olhos estavam quase vidrados, como se estivesse hipnotizado, enfeitiçado.
— Você matou a minha mãe. — minha voz não soou humana, na verdade soou como um rosnado quase animalesco. — Você enfeitiçou Jackson para me perseguir. — dei um passo em direção e vi seu olhar leitoso focar em mim.
Pela primeira vez vi medo em sua expressão, seus olhos se arregalaram e sua boca tremeu.
— Fred. Fredinho, meu amor... — ele tentou dizer, com a voz rouca. De repente sua imagem tremeluziu, meu tio, então, estava ali, a minha frente, com os cabelos grisalhos e a barba por fazer, mas ao mesmo tempo... — Você não quer ferir seu tio Geferson, quer? Seu querido tio Gefer...
— Você não é meu tio. — murmurei, após um espanto inicial. Aquele homem poderia parecer meu tio, ter a imagem do meu tio, mas seus olhos... Seus olhos castanhos estavam leitosos, como se houvesse um véu a frente de sua íris. — Você é um monstro.
Tio Geferson sorriu para mim, mas ele não era meu tio. Seu sorriso era um sorriso maníaco, fingido, psicopata.
Dei mais um passo em sua direção, meus punhos cerrados enquanto o encarava. Ele deve ter percebido que eu não ia hesitar, pois seu sorriso vacilou e ele voltou a me olhar com medo.
Eu queria matá-lo. Queria destroça-lo. Queria...
Estiquei meu braço e abri minha mão em sua direção, com os dedos espalmados, não percebendo uma camada de luz branca e energia que minha pele irradiava. Os olhos de Wes se arregalaram tanto, que quase os vi saindo de seu crânio — o que não seria uma má ideia, afinal — e sua imagem tremeluziu novamente, tomando a forma do homem velho, magricela, com cabelos ruivos apagados e sem vida, que ele era.
Um sorriso surgiu em meus lábios quando senti uma fonte de energia completamente nova surgir na palma da minha mão, um calor que nunca senti antes, tão forte que achei que ia queimar minha pele, mas, por algum motivo, era como se eu estivesse segurando uma assadeira recém-saída do forno: era muito quente, mas não queimava.
Então um som me distraiu.
Um sussurro, longínquo, que atravessou o zunido que eu ouvia nos ouvidos.
— Fred... — era a voz de Derek.
Toda a minha fúria foi varrida do meu corpo ao ouvir aquela única palavra, fraca, na voz rouca do meu lobo. Eu me virei e olhei em sua direção, vendo-o nu no canto onde havia sido jogado. Seus cabelos estavam bagunçados, sua pele estava suja e empoeirada, mas seus olhos azuis escuro estavam abertos, olhando-me como se pedisse alguma coisa. A mensagem clara quase soava em minha mente: Pare.
No entanto, no momento seguinte, seus olhos se arregalaram, olhando para algo atrás de mim e eu vi Wes já levantado, surpreendendo-me com a rapidez com que podia se mexer, apesar de sua aparência idosa. Ele me olhava com um sorriso vitorioso e uma mão esticada para frente. Cordas prenderam-se a mim, apertando meus braços com força contra o meu corpo, mas, como se por algum milagre, consegui fazê-las se romperem com um corte limpo e rápido. Então me virei completamente para o homem, pondo-me em posição de luta.
— E é por isso que ômegas e alfas não têm magia. — falou Wes, com desdém. — Tanto poder sendo irradiado de você, eu quase pude me sentir orgulhoso por ser morto por alguém tão poderoso, entretanto... — ele suspirou e eu me concentrei, sentindo o familiar formigar em meus dedos. — Nunca presenciei tamanho desperdício. Você é fraco. Como o seu pai.
— Meu pai é um dos homens mais fortes que eu conheço. — disse, em voz baixa, sem me deixar afetar por aquele homem absurdo.
— Claro, continue acreditando nisso, garoto. — ele falou e olhou para mim com olhos afiados. — Agora vamos logo acabar com isso, vai me atacar, não vai me atacar... O que você vai fazer?
— Eu vou te fazer pagar. — rosnei, meus braços tensionando-se instantaneamente. — Eu vou te colocar na cadeia por matar minha mãe. Por aliciamento de menores. Por sequestro.
— Uma prisão não me segura garoto, se quiser me ver pagar, vai ter que me matar. — respondeu Wes, cada vez mais pálido. — Vamos, me ataque, quero ver se tem culhões. — falou e seus olhos brilharam, um olhar afiado e sombrio, acompanhado de um sorriso de escárnio — Ou será que o idiota do meu pupilo não te ensinou como atacar um oponente?
— Geoffrey não é um idiota. — rosnei novamente, sentindo minhas mãos formigarem e o som de faíscas tocarem o piso de cimento.
— Então me ataque! — gritou, sua voz soando tremida, seu sorriso vacilando em seu corpo e seus braços abertos, tornando-o um alvo humano.
Por algum motivo que não entendi muito bem, aquilo me fez explodir. Um puxão um pouco mais forte surgiu na boca do meu estômago e, das minhas mãos, saltaram raios que foram em direção ao velho Wes, que sorriu, um sorriso psicótico e maníaco, e com um movimento rápido de mão desviou os raios.
Um veio em minha direção e eu só consegui ouvir meu pai gritar meu, ao mesmo tempo que entrava pela porta quebrada, antes de voar para a parede oposta, sentindo minhas costas colidirem com a pedra e me tirar todo o ar. Minha visão ficou embaçada e eu consegui ver Geoffrey se levantar com a ajuda de um policial antes de perder completamente a consciência.
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Magic Idol (ABO)
Teen FictionEle não queria ser aquilo que ele é. Queria continuar sendo ele mesmo, com suas forças, fraquezas e amizades. No entanto, o destino pregou-lhe uma peça, Frederick descobriu-se um ômega e, não tão somente isso, apaixonou-se por um alfa... E, como em...