eight

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Point Of View: Jennie Kim


Eu sumi por um dia inteiro. Eu dormi por um dia inteiro. Não é como se fosse a primeira vez, mas eu sempre acordo assustada.

Eu me lembro da última noite, Yokoyama passou dos limites novamente. Por quanto tempo agora ela vai baixar a guarda, uma ou duas semanas? Talvez duas, na última vez uma concussão foi o suficiente por uma semana. Uma hipotermia com certeza vale duas.

Eu detesto esse quarto. Não importa o que eu faça eu sempre venho parar nele no final das contas, no último quarto do sétimo andar, longe dos meus globos de neve brilhantes e com uma dor de cabeça infernal pós o uso de medicamentos entorpecentes por um dia inteiro.

Eu sempre achei que minha vida poderia ter um enredo diferente se eu não tivesse tantas vozes além da minha, e por isso pensei que poderia fazer diferente. Prometi que seria a última vez e eu pensei que era tudo na minha cabeça. Mas agora eu vejo que não é. Não é apenas a minha mente cheia opiniões contraditórias indesejáveis. Se o despertador toca as 07:00 horas, você diz agora eu preciso acordar, mas não, o despertador precisa que você acorde. Tudo ao meu redor me diz o que fazer, inclusive essas horríveis queimaduras por congelamento que diziam não, você não tem o ponto final nisso, não é você quem vai decidir. E como um complemento do mal, quando eu penso que não pode ficar pior do que isso, a minha mente concorda: apenas deixa, obedece, se retraia, não pode fazer mais nada, você sempre soube que nunca esteve no controle.

Eu ainda tentei ignorar a situação de ontem e cedi ao pedido de Cheng, nós fomos para a biblioteca, mas eu acabei dando de cara com sapos no corredor e como sempre que acontece algo ruim a situação tende a piorar, ainda quase virei um picolé durante a noite. É quase uma lei de Murphy, mas consegue ser ainda mais frustrante. Se está ruim, pode esperar piorar.

Em cinco parágrafos eu começo com o pronome pessoal "eu". Posso pensar muito sobre mim, mas estaria mentindo se dissesse que me conheço ou que sei o motivo de pelo menos metade das minhas decisões.

Depois de retornar ao meu quarto e vestir o uniforme de educação física, percebi a cama que costumava estar intacta totalmente desarrumada. Vi tênis vermelhos sujos que eu nunca havia visto antes aos pés da cama. Uma pena eu não estar presente para conhecer minha colega de quarto.

Ao chegar no saguão do dormitório, eu pisei na neve, flocos rodopiara ao meu redor, meu coração disparou ao lembrar da noite com Yokoyama. Recolhi meu pé e dei quatro largos passos para trás, respirei fundo. Cheng apareceu próxima a entrada, tinha vindo da sede principal com dois livros de matemática nos braços e quando me viu correu até mim desajeitada ao ter seus pés engolidos pela neve fofa.

Eu puxei o zíper do casaco até o pescoço e escondi meu queixo. Pedi para os órgãos superiores que controlam tudo ao meu redor — inclusive o fato de Cheng ter me encontrado justamente no momento em que eu precisei como uma história já planejada que contam sobre mim, mas não como um enredo que eu mesma escolho viver — que Cheng não notasse o uso de maquiagem ou caso notasse não tocasse no assunto. Apertei as mãos em punho, mas soltei na mesma hora que senti a ardência na ponta dos meus dedos também queimados pela frieza.

— Oi, como você está? — Perguntou com feições que demonstravam preocupação, a voz carregada de ar. — Senhor Wada perguntou por você dessa vez.

— Nada novo. Eu só precisava de um tempo.

Soei tranquila, mas não percebi o quanto fiz a imagem de Cheng ser completamente negligenciada. "Só precisava de um tempo", porque você é a minha melhor amiga e tudo o que faz é me ajudar com absolutamente tudo o que eu preciso, sempre faz tudo o que eu peço, nunca iniciou uma briga ou discussão em três anos de convivência e é a única que parece me entender sem eu dizer uma mera palavra sobre toda a minha paranoia. E agora eu preciso de um tempo disso tudo? Ela não significa nada para mim? Só é alguém que converso, enjoo e aí preciso de um tempo para adquirir vontade de dar atenção novamente? Você é uma idiota detestável, Jennie Kim. Cheng foi a única pessoa que sempre esteve ao seu lado e agora você a fez se sentir um pé no saco. Eu sou uma péssima amiga.

betting everything [Game Over]Onde histórias criam vida. Descubra agora