eleven

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O resto da manhã se foi e durante a tarde a neve diminuiu o seu fluxo, mas não deixou de cair completamente. Eu já tinha me amontoado no chão, me encolhi o máximo que pude, enfiando os joelhos dentro do agasalho e escondendo as mãos nos bolsos. A freira já tinha vindo duas vezes checar se eu já tinha desistido da minha rebeldia, e quando eu escutava o barulho da porta se abrindo, tratava logo de sair de dentro do agasalho e estirar as pernas, mostrando-lhe a melhor expressão de tédio que eu podia oferecer, fingindo que eu não me importava com o frio e nem com a situação que tinha me submetido. Ela me olhava enojada, citava alguma passagem em-nome-de-Jesus e saía.

Determinado momento percebi a luz natural incidindo de maneira diferente contra o dormitório pelas frestas da parede de cerca. A noite estava chegando e eu não movera um único saco.

— Eu não acredito. Teve um dia inteiro. — A freira gritou comigo mais uma vez ao entrar. Eu grunhi e me soltei no chão, sentindo meus músculos relaxarem ao me deitar no chão gelado em uma mistura de neve, grama seca e feno. — Você vai passar a noite aqui, vai ficar até cumprir a sua tarefa, sua insolente.

Ela estava puxando a porta quando eu levantei e gritei com punhos cerrados:

— Tanto faz, sua louca! Eu não movo merda nenhuma. — Seus olhos se esbugalharam em minha direção, o rosto tremeu. — Não estamos mais em uma ditadura, esqueceram da liberdade de expressão!? Não pode me punir por dar a minha opinião!

Por um momento eu tive a impressão de que ninguém, em toda a minha vida, tinha me olhado tão mortalmente como aquela freira me encarou após me escutar. Seus olhos se tornaram profundos e a sua voz tremeu ao falar:

— Yokoyama estará aqui pela manhã. — Do jeito que aquilo saiu, soou como uma sentença de morte e eu não sei explicar exatamente o porquê.

E então fechou, batendo a porta com força. Revirei os olhos e sentei novamente no chão, batendo na calça folgada para retirar o resquício de neve. Deitei e puxei o gorro, aproximando das minhas narinas, ainda tinha o cheiro do sabão de lavagem de Sandara e o perfume de Jackson, que geralmente o pegava emprestado. Fiquei feliz por ninguém ter notado que eu usava uma peça de roupa não autorizada, sentir aquilo na cabeça me lembrava de casa. Consigo imaginar como deve estar o estado dos cedros e dos pinheiros, há uma clara lembrança disso em minha mente, mas não se compara com ver pessoalmente, de fato com os pés lá em Hokkaido.

Eu não conseguia esquecer de jeito nenhum a fome que sentia, meu estômago reclamava a todo o momento. E enquanto observava as partes desfiadas do gorro, meus olhos pesaram e eu os fechei exausta. Porém mais pareceu um frenesi, pois minha cabeça girou e eu abri novamente os olhos no mesmo instante, sentindo que tinha acabado de ter o pior cochilo da vida. Estava escuro, mas ainda conseguia enxergar alguém correndo em minha direção do lado de fora.

Eu sabia que já passava das sete da noite porque as janelas dos alojamentos estavam todas apagadas. Com o tempo eu percebi que era Jennie, quando parou do lado de fora da parede de cerca e se agachou, ofegante até demais. Eu me arrepiei e não sabia se era por causa do frio ou da raiva que senti ao vê-la.

— Lisa.

— Não, — Eu comecei de modo ríspido. — você não tem o direito de me dirigir a palavra.

— Espera, você..-

— Tudo sobre você me enoja... — Cuspi. Girei o corpo para o lado, ficando deitada de costas para Jennie. Minha voz estava tão fraca que eu precisava forçar o abdômen para ela sair em uma altura que Jennie pudesse escutar, o que fazia o meu estômago doer e minha garganta arder. — Vaza daqui.

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