forty

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 — Ei, Lisa? — A porta de madeira se esfarelando balançou com os socos contra sua superfície, era frouxa, madeira leve e gasta, um pequeno solavanco e ela se soltaria. Havia uma fornalha na cozinha lá em baixo, uma lareira na sala. Os quartos do térreo se tornavam aquecidos até certo ponto, confortáveis até onde um chalé caindo aos pedaços no meio de um subúrbio desconhecido poderia ser, mas não o de Lisa. Se a perguntassem o porquê de preferir o único cômodo em que não existia a mínima possibilidade de conforto, ela não responderia, porque não tem uma resposta. Se manteve naquela sacada fria, sentada no chão, sobre os pés, só saía de lá quando sentia o efeito congelante da temperatura negativa fazer seus dentes tremerem um contra o outro. Não sabia dizer, naquela madrugada após o incidente, quando todos aproveitaram a confusão para deixar o QG de Joy, Jongin os escoltaram até ali e eles se espalharam pela casa; Lisa subiu as escadas, empurrou uma porta e acabou por enxergar um local moribundo que inexplicavelmente desejava estar. Onde o teto era de telha e a neve escapava pelas brechas, vez ou outra caindo em sua pele, deixando seus cabelos em pé e a pele endurecida de tão frio.

Não conseguia tirar da própria mente a imagem de seu rosto com ossos quebrados e carne exposta, se acendia como relâmpagos na chuva em sua memória, durante a noite tinha colapsos nervosos por razões que fugiam de seu conhecimento. Desde que chegaram há dois dias não comia, não era vista e não falava. Pediu que a deixassem só e deixou um beijo em Jennie porque definitivamente algo aconteceria consigo e ela não estava pronta para deixar que sua protegida e amada pupila frágil testemunhasse, seria demais para ela finalmente se dar conta de que a garota corajosa e carinhosa por quem se apaixonara podia ser um verdadeiro monstro de quatro cabeças que cospe fogo sem conseguir medir a seriedade de um ato cruel. Algo grande crescia no peito de Lisa e pulsava como uma bomba relógio em seus últimos segundos antes de explodir. Agora aquilo estava ocorrendo constantemente e ela era incapaz de apontar o dedo para um motivo. Havia conseguido quebrar duas mesas e abrir a pele entre os ossos iniciais dos dedos no punho direito, por pura fúria cega. Lisa conseguia ser completamente diferente quando a raiva a tocava. Seria só uma questão de tempo até que aquilo explodisse e revelasse seus piores desejos, os que ainda conseguia manter escondido até de si mesma. Claro, porque se era ela capaz de causar aquele estrago no rosto de alguém, se conseguia torturar um ser vivo para obter uma resposta, ela era sim um perigo que precisava ser contido. E, mais do que isso, sentia que estava se esvaindo.

O quarto desarrumado, velho e mofado a oprimia, contribuindo com o ar de mistério raivoso e obsessivo que sentia. Lisa tinha que sair, devia levantar, abrir a porta e dizer que precisava de umas boas doses de bom humor e açúcar no sangue. É, ela podia correr dali, com o rabo entre as pernas e o orgulho dentro do ânus, é, Lisa, você não vai querer dar o braço a torcer agora. Estava começando até a achar o quarto bonito, o terror carregado que penetrava seu corpo era algo novo que nunca tinha sentido, era novidade a ser aproveitada. O jornal tinha anunciado na manhã anterior o que havia acontecido com a cidade de Wada, o local geográfico que não aparecia no mapa.   "Está tudo destruído, sem restos de resíduos úteis. De acordo com a equipe de rastros podemos estar diante de um templo histórico intelectualmente bem projetado, foram achadas placas digitalizadas de última geração que... bem... há máquinas semiavançadas por aqui que fariam o dobro do que essa câmera pode. Estamos em busca de novas informações. É... é isso."    A falta de jeito do jornalista era muito notável para Lisa mesmo que ela só pudesse ouvir sua voz, a situação ganhava mais e mais holofote a cada minuto e Jackson e Jisoo faziam questão de vir contar, se agachavam a porta para atualizá-la, respeitando sua decisão de reclusão.
 

Mas Jennie não, não aparecera diante a porta nenhuma vez, nem para tentar forçá-la a abrir, para dizer que a amava, ou para simplesmente perguntar o porquê. E Lisa esperou bastante que viesse, talvez Jennie fosse ser a única que conseguiria arrancá-la de onde não sabia ter entrado. Lisa tinha aguentado tudo isso desde que soubera que a vida não era sua, que não tinha tido muitas escolhas, segurou com força sua estabilidade mental por mais tempo que o necessário, achava ela, mas agora conseguia sentir bem o que realmente significava o "não saber". Podia ter resistido por mais tempo, porém uma hora ia cair, sabia disso, então que fosse agora, de uma só vez. Mas Jennie não, Jennie seria a única incapaz de respeitar seu espaço e confusos desejos. Esperta, sagaz e intensa do jeito que era, logo conseguiria uma chave mestra do proprietário Larry Kim, que gostava de ficar numa cadeira de balanço em frente ao chalé e se servia 24 horas por dia de chá de ervas doces. Lisa conseguia imaginar a hora em que Jennie entraria como um vulcão em erupção e a esmagaria com reclamações a respeito de sua ausência.

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