thirteen

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Cole

Está frio mesmo que a neve já esteja derretendo. E eu sou um idiota por estar aqui fora com um clima como este.

Eu poderia estar na casa de Gilbert, com uma xícara de  chá  quente que certamente Mary prepararia porque ela ama fazer chá e me fazer sentir em casa; mas a casa dos Blythe, definitivamente, não era como a minha.

Também poderia estar na casa de tia Josephine que, mesmo não tendo nenhum parentesco comigo, se ofereceu para cuidar de mim. Seria bom, viver como ela, ter liberdade para ser eu mesmo.

Mas não poderia fazer isso com meus pais. Mesmo me tratando do jeito que tratam, eles ainda são meus pais.

E eu não era um filho tão bom assim, afinal. Vivia desenhando pelos cantos enquanto deveria estar trabalhando e ajudando com as despesas da casa, isso não me daria futuro. Mas o que eu poderia fazer? A arte é parte de mim, ficar sem desenhar ou esculpir seria como ficar sem respirar, eu explodiria.

O som de um galho se partindo chama a minha atenção, balanço a cabeça e me viro para a fonte do barulho. Christopher está parado na minha frente, a ponta de seu nariz está levemente vermelha pela friagem.

"D-desculpa eu não queria incomodar" seus olhos não estão em mim, como costumavam estar.
"Você está bem?" pergunto, preocupado. se pudesse, estaria em um lugar quente, como na frente de uma lareira. Chris faz um gesto com a cabeça, afirmando "Tem certeza? Está frio. O que faz aqui?"
"E-eu, hm, guerra de bolas de neve?" seus olhos finalmente estão me fitando e, pela primeira vez, não sinto aquele frio na barriga estranhamente prazeroso, tudo o que sinto é preocupação.
"Sozinho?" ele abaixa a cabeça "Não precisa me contar, se não quiser. Só estou preocupado..."
"Meus pais estão brigando" murmura e quase não consigo ouvir.
"Por que?" é a única coisa que consigo dizer, nunca fui bom nessas coisas.
"Longa história"
"Quer se sentar?" ofereço e me sentando um pouco mais para o lado no banquinho improvisado que fizemos na frente da cabana, Christopher se senta ao meu lado, ficamos em silêncio por alguns minutos.
"Eles não acham que aqui é um bom lugar para mim" fala baixo, encarando suas mãos e brincando com seus dedos distraidamente.
"Por que?" é a segunda vez que faço essa pergunta em menos de trinta minutos, não consigo pensar em nada melhor para dizer. Chris suspira.
"Você sabe porquê eu me mudei?" sussurrou.
"Não"
"E-eu..." ele respira fundo, seu lábio inferior treme levemente "E-eu gosto de, hm..." uma voz nos interrompe, uma voz que eu reconheceria em qualquer lugar. Christopher se cala.

Ela parece não ter percebido nossa presença pois continuou tagarelando, só nos percebeu ao se aproximar mais um pouco.

"Cole? Chris?" a ruiva perguntou, estava de casaco e segurava uma cesta que, se eu estiver certo, estava cheia de pães e bolos de Marilla.
"Anne, o que faz aqui?" pergunto, me levantando "Aparentemente todos resolvemos sair de casa hoje"
"Marilla me pediu para levar alguns pães que ela fez para os Blythe" explicou.
"Você fez o negócio da moeda, não foi?" Anne mordisca o lábio.
"Fiz" admite "Você estava certo, isso já foi longe demais, vou falar com Gilbert hoje e resolver isso de uma vez por todas" declara e sai correndo, é possível ouvir gritos dela se despedindo de nós.

Me sento novamente ao lado de Chris, nossos ombros se encostam e começo a ficar nervoso.

"Que negócio da moeda é esse?" ele pergunta, seus olhos brilham de curiosidade e decido falar sobre isso e fazê-lo esquecer sobre o problema com seus pais.
"Você tem alguma moeda aí?" ele dá que 'sim' com a cabeça e tira uma do bolso "Ótimo. Agora pense em uma coisa que você queira ou não fazer, algo que te deixe na dúvida"
"Pronto" murmura.
"Agora jogue a moeda e vê qual lado cai, se for cara você faz, se for coroa você não faz" ele joga a moeda "E então?"
"Deu coroa" responde tristemente.
"Ai está sua resposta" ele me encarando, franzindo as sobrancelhas, adorável "Você respondeu com um tom de voz triste, isso significa que você quer fazer aquilo e ficou decepcionado"
"Então quer dizer que a moeda é só um método para ver o que eu realmente quero?" perguntou sorrindo, surpreso.
"Basicamente" dei de ombros "Você quer entrar? Está frio aqui fora"
"Claro"

Nos levantamos e entramos na cabana de madeira. Nos sentamos um ao lado do outro nas almofadas que estavam ali.

Christopher observava todo o local com atenção, nunca havia entrado aqui.

"Essa cabana é sua?" perguntou.
"Minha e das meninas"
"Ela é legal" elogiou "Ei, aquele ali sou eu?" Chris apontou para a escultura que eu havia feito há algum tempo, uma semana, talvez.
"É..." senti minhas bochechas esquentarem, isso era vergonhoso. havia me esquecido completamente que havia o esculpido "Fiquei horas trabalhando nela, espero que esteja boa"
"Está brincando?" se virou para mim, seu sorriso era contagiante "Está incrível! Por que nunca me disse que era um artista?"
"Não ando fazendo essas coisas, ultimamente. Não me daria um futuro, de qualquer maneira" suspiro.
"Você tem um dom. Precisa usá-lo! São tão bonitos" diz observando o local inteiro, cada desenho e escultura, detalhe por detalhe.

Era encantador. O sol batia em seus cabelos castanhos o deixando em um tom mais claro, assim como sua pele e olhos, que observava tudo atentamente. Christopher Lahey definitivamente é a definição de beleza.

E o melhor nele nem era isso, era sua personalidade. Tão curioso quanto uma criança e extremamente bondoso.

O sorriso foi sumindo de seus lábios aos poucos e ele foi ficando sério.

"Eu me mudei porque lá todos me julgavam por ser diferente" o encaro com a sobrancelha arqueada, ele parecia bem comum para mim "Eu..." ele respira fundo "Gosto de garotos, com deveria gostar de garotas. Me desculpe, e-eu..."
"Não tem problema"
"Sério?"
"Sério" sorrio "Fico feliz que tenha me contado, afinal, somos amigos e eu sempre, sempre irei te apoiar. E eu sei que difícil de acreditar mas aqui em Avonlea você ficará bem. Sempre terá alguém para falar algo de você mas, quem liga?" o abraço "O que importa é que você tem amigos que te amam" ele sorri, mais aliviado.
"Obrigada. Obrigada mesmo"
"Está tudo bem. Além disso, sou como você" o garoto me olha surpreso e eu apenas sorrio.

Nos sentamos novamente, lado a lado.

"Já que estamos fazendo tantas revelações..." começo, fazendo o moreno rir "O que você perguntou à moeda?" suas bochechas ficam vermelhas e ele abaixa a cabeça, envergonhado.
"Perguntei se era certo beijá-lo"

Christopher me encara sorrindo, suas bochechas ainda estão rosadas e tenho certeza de que as minhas estão assim também e, após ouvir o que o garoto disse, me pergunto como ainda estou respirando e como faço para essas borboletas pararem de dançar em meu estômago.

Back to Avonlea • ShirbertOnde histórias criam vida. Descubra agora