Sentado no chão, observo, inerte, as manchas escuras espalhadas pelo teto, as marcas características do excesso de umidade assolam aos poucos esse lugar, ano após ano elas crescem e se multiplicam e de alguma forma isso se torna um passa tempo para as ocasiões em que sou obrigado a estar aqui. A tinta descascada e embolorada é o que adorna de maneira rudimentar as paredes. O gotejar de um cano quebrado no canto é como música, embalando meus pensamentos, alimentando meus anseios, cobiças e desejos mais obscuros.
Busco inspirar o ar profundamente, no entanto, desisto, tossindo em seguida. Ele entra queimando não só as minhas narinas, como meus pulmões, o ar é denso, fétido, contaminado.
Não só o ar, todo esse lugar é.
Entretanto, talvez seja melhor dividir esse espaço com os ratos que descobriram aqui um abrigo para se ocultarem durante o dia, do que estar lá em cima no meio daqueles homens tão contaminados quanto esse lugar. Deito no chão, gelado, sujo e molhado, cruzando os braços sob minha cabeça, sem me incomodar com os ratos que passeiam sem alarme ao meu redor. Fecho os olhos e penso em como minha vida seria se eu pudesse matar Nolasco.
Como seria se eu pudesse livrar esse planeta de sua presença? O mundo me agradeceria, sem dúvida o faria.
Porém, de nada adianta ter pensamentos como esse, já que sou tão preso quanto esses ratos, experienciando a vida como um fantasma, desempenhando ordens que eu não quero executar, destruindo vidas que na verdade quero amparar.
Quem sabe o mais fácil seria eu não existir? Assim não poderia mais ser usado como barganha, não haveria mais chantagem, não existiria mais razão para essa tortura.
Um dos ratos sobe em minha perna e eu o afasto para longe, sentando-me outra vez, não consigo mais pensar com clareza, estou com tanta fome.
Para amenizar o vazio em meu estômago, arrasto-me até o canto do porão e alinho minha boca com o gotejar do cano, a água com paladar de terra é o que me manterá vivo por pelo menos quinze dias, ao menos, esse é o tempo que ele costumava me deixar a míngua.
Faz tempo em que isso não acontece, pelo menos uns cinco anos não sou encarcerado nesse lugar ascoso ou engaiolado como um selvático em sua sala. Decerto eu deveria agradecê-lo por me trancar aqui, esse porão é uma punição muito menor que a gaiola. Eu prefiro estar em meio aos roedores, matando minha sede com as gotas imundas dos canos quebrados, a ser trancafiado na gaiola.
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PÁSSARO LIBERTO (Amazon e Físico no www.daniassis.com.br)
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