PRÓLOGO

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A casa está escura e o breu domina mais uma vez todos os ambientes, é difícil acertar meus passos para chegar até cozinha sem tatear pelas paredes. Pé ante pé, ando pelo escuro até me chocar contra a geladeira, abro-a e me sirvo direto da caixa e bebo o pouco de leite que ainda resta.

Enquanto sorvo o líquido, faço as contas de quantas vezes ficamos sem energia elétrica durante esse ano, deve ser a quinta ou sexta vez, da última, foi por mais de uma semana, pergunto-me por quanto tempo será dessa vez. Guardo a caixa vazia e continuo a me esgueirar até a pequena saleta na entrada da casa. Meus dedos vão deslizando pela parede adornada com um papel rasgado em grande parte de sua extensão e no trajeto esbarro na cadeira de madeira onde minha avó, antes de morrer, passava horas e horas sem fazer nada, apenas olhando para o teto com a pintura descascada, pensando na situação precária que durou por toda a sua vida.

Encontro o sofá, sento-me e com os pés tateio o chão até encontrar meus tênis no meio do tapete verde acabado e com cheiro ruim, a seguir visto meu casaco azul de touca que havia deixado sobre o sofá, e apesar de ele ser comprido e chegar até o meio das minhas coxas, as mangas estão curtas e deixam metade do meu antebraço à mostra, mas, de todos, ele é o que melhor se ajusta e esconde meu novo corpo.

No último ano, a maioria das minhas roupas deixaram de servir, restando-me poucas peças, nos dias em que vou à escola as garotas dizem que estou crescendo mais rápido que elas e sentem inveja de mim por isso. Eu, não.

Não encontrei vantagem em ter pernas, braços e seios maiores, se não tenho dinheiro suficiente para cobri-los. Por último, passo as mãos pelos meus cabelos de fios longos e escuros e puxo de maneira firme para prendê-los num rabo de cavalo.

Assim que abro a porta de casa, a noite me recebe e ressabiada observo a rua e as mesmas pessoas de sempre vagam por ela, os vizinhos que têm alguma cautela evitam andar por aí a essa hora, os que não têm, corajosamente se arriscam pelas ruas onde os tipos mais perigosos de pessoas circulam livremente.

Em qualquer família comum uma garota de quinze anos não estaria saindo de casa nesse horário, mas comigo as coisas nunca foram comuns, e aprendi desde muito antes a andar entre todo tipo de pessoa.

Coloco o capuz sobre a minha cabeça para me esconder o máximo e tentar passar despercebida. Aqui a lei da rua é a que vigora, nem polícia, nem governo se atrevem a entrar. Seria um caos, haveria muitas mortes, até mais do que as que já ocorrem pelo domínio das gangues. Então, num tratado silencioso entre o crime a lei, o lugar segue sendo gerenciado por apenas um homem: Benitez Nolasco.

Um arrepio atravessa meu corpo só por pensar em seu nome. Seguro meu casaco ainda mais apertado e recito como uma oração que não há outra saída, não há outro meio. E, dessa maneira, diminuo o caminho que me separa da enorme casa amarela no centro do bairro, a casa onde os jardins são verdes, floridos e muito bem cuidados, a casa onde cães robustos e violentos circulam por todas as horas do dia, a casa onde nenhum homem em sã consciência se aproxima.

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