Como ela sabe meu nome?
Observo-a de uma distância em que não posso ser visto, faz dias em que ela vem a essa praça e se senta no mesmo lugar, passa horas olhando para todos os lados e só se levanta para ir embora quando começa a anoitecer.
Quem é essa mulher? Alguém que Nolasco colocou para me vigiar? Alguma agente da polícia? Mas, como? Há anos eu uso uma nova identidade, só o pessoal de Nolasco ainda me chama de Egan, como ela poderia olhar em meus olhos e dizer meu nome de maneira tão exposta?
Eu vou ficar louco se não descobrir, penso cerrando os dentes.
Olho para o céu e vejo as nuvens passarem de alvas para cinzentas e pesadas, logo irá chover. Entretanto, ela não dá ares de quem vai se levantar para ir embora. Parece que tivemos a mesma ideia, mas diferente dela que se senta descuidada e tranquila em meio a praça pública, eu não posso fazê-lo. Não antes de descobrir quem ela é e como sabe o meu nome.
Baixo a cabeça e começo a fazer pela centésima vez um rastreamento mental de todas as pessoas que ainda sabem meu nome e mais uma vez ela não faz parte da lista.
Merda! Nolasco está armando para mim? Por isso, me mandou sozinho para Volar? Ou algum dos seus capangas não conseguiu conter a inveja e me armou uma emboscada? Aqueles malditos, acham que minha vida é muito melhor que a deles por acaso? Pensam que sou o preferido por eu ter um quarto naquela casa nojenta ou porque aquele miserável do Nolasco me obrigou a estudar e ter um diploma? Se soubessem a vontade que tenho de rasgar aquele diploma medíocre. Como alguém pode se orgulhar de um título onde não sequer consta seu nome verdadeiro?
Aperto minha cabeça sem saber o que fazer ou pensar, até que sinto a primeira gota de chuva molhar minha testa. Elevo o rosto para o céu mais uma vez e a chuva começa a cair. Volto a atenção para a mulher e a vejo levantar apressada do banco, erguendo a bolsa acima da cabeça para se proteger da chuva.
Tiro um boné que estava preso no bolso da calça e o coloco na cabeça, acima dele visto o capuz do meu moletom e começo a segui-la. Ela está preocupada com a água que cai impiedosa do céu, andando distraída sem olhar para trás, o que me traz alguma vantagem. Quando estou a uns dez passos de distância, ouço-a murmurar algumas palavras, irritada por estar toda molhada. Ela ainda caminha mais alguns passos e para debaixo de um toldo.
Paro também, abrigando-me a uns vinte metros de distância. Ela bate as mãos pelos cachos de seu cabelo curto, eles mal tocam seus ombros e balançam com suavidade à medida que ela tenta eliminar a água deles.
Noto que meu carro está estacionado duas ruas adiante, olho ao redor e não há ninguém pelas ruas, a praça esvaziou como num passe de mágica. Estreito os olhos e analiso que essa é uma chance boa demais para perder. Subo a gola da malha que uso por baixo do moletom e cubro meu rosto até acima do nariz, baixo mais a aba do boné e mal deixo meus olhos a vista, e, então, volto a andar.
Ela está distraída e não prevê minha aproximação, quando estou a apenas um passo de distância, ela gira o rosto em me vê dando um passo para o lado. Levo um dedo até meus lábios cobertos, gesticulando que ela faça silêncio.
A mulher arregala os dois olhos e começa a dar mais um passo para o lado, mas antes que possa começar a correr, adianto-me e seguro-a, abraçando sua cintura.
— Shh! — faço para silenciá-la.
— Pode levar minha bolsa — diz, empurrando a bolsa para o meu lado.
— Shh! — repito, apertando-a com mais força.
A chuva começa a cair mais forte e ninguém se importa com que está correndo pela rua, o que me dá a conveniência de arrastá-la até meu carro sem nenhuma suspeita, mesmo que ela continue a tagarelar que não tem dinheiro e que eu a deixe ir embora.
Assim que me aproximo do automóvel, destravo suas portas e abro a do passageiro, empurrando-a para dentro. Ela consegue colocar uma perna para fora e se levantar. Ainda assim, não me dá nenhum trabalho empurrá-la para dentro outra vez.
— Ahhh! — começa a gritar e bater na janela do carro.
Dou a volta e entro no carro e assim que me sento ela arremessa sua bolsa com força contra meu rosto e tenta abrir as portas.
— ME DEIXA SAIR! PELO AMOR DE DEUS! EU NÃO TENHO NADA!
Pelo pânico está notável que ela não é uma agente da polícia, uma agente não teria fugido e já teria sacado qualquer arma para me conter.
— Silêncio — ordeno pela última vez.
No entanto, ela para de gritar, mas não para de suplicar para que eu abra as portas. Respiro fundo e ergo a tampa do console entre nossos bancos e tiro de lá um tranquilizante que sempre carrego no carro, já o deixo armado na seringa caso eu precise colocar alguém para dormir durante as entregas que faço para Nolasco.
E antes que ela demande mais uma vez, cravo a seringa em seu pescoço e começo a injetar metade do líquido, pelo seu tamanho meia seringa é suficiente para adormecê-la por algum tempo.
Antes mesmo de eu tirar a seringa de seu pescoço ela fecha os olhos. Ajeito sua cabeça no banco e ligo o carro, seguindo para minha casa. Estaciono o carro no subsolo e abrigado de olhos interesseiros posso agora analisá-la com mais cuidado. Retiro meu capuz e boné e fico à vontade outra vez.
Inclino sua cabeça em minha direção e a observo, sua pele é clara, mas dourada pelo sol, o cabelo esparrama-se pela face e por instinto eu levo minha mão até seu rosto e o removo colocando atrás de sua orelha.
Ela está completamente apagada e nem ao menos percebe minha aproximação. Ofego pensando que ela não se parece com as mulheres que já vi circular pela casa de Nolasco e muito menos com as que estou acostumado a entregar as porcarias dele.
Então quem é ela e como sabe quem eu sou?
Sua respiração se torna mais leve e temo que a dose que eu tenha dado esteja chegando ao fim. Saio do carro e dou a volta, tirando-a e colocando de pé, passo um de seus braços em torno do meu pescoço e o meu ao redor de sua cintura e simulando o melhor que posso, finjo que ela anda escorada em mim.
Digito minha senha no elevador e espero que ele chegue para me levar direto ao meu andar. Na subida ela movimenta de leve uma das mãos e eu aperto meus lábios, o efeito está quase no fim e eu preciso colocá-la no quarto vazio antes que acorde, ela não pode saber onde estou.
Assim que saio do elevador, junto suas pernas e a carrego no colo para ser mais rápido. Em meus braços ela começa a gemer e eu tenho dois ou três minutos até que ela abra por completo os olhos.
Com os pés empurro a porta do quarto vazio e a coloco no chão, corro até a sala e rasgo um pedaço da cortina para amarrar seus braços atrás das costas. Ela volta a gemer conforme sente a amarração. Levanto-me, deixando-a no chão, antes de fechar a porta e trancá-la, olho mais uma vez para seu rosto que em segundos terá os olhos abertos.
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