Meu passado obscuro

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  Algumas horas se passaram e eu estava me preparando para ver Richter cometer o maior erro de sua vida. Tinha o procurado novamente para tentar fazer com que ele mudasse de ideia, mas não tive sucesso com o meu pedido. Sinceramente, não sabia o motivo de sua decisão imaginava que seria por causa de Jack e sua obsessão em querer ser melhor do que ele. Eu pensava bastante se manteria Richter em meus planos, pois agora ele teria se mostrado um completo desobediente e tolo. Não o castigaria se a luta desse errado, pois a humilhação seria o bastante para que ele aprendesse uma lição.
A luta aconteceria no jardim, e eu tinha chegado no local. Nele, estariam presentes os filhos de Karl. Todos eles tinham aquele mesmo olhar de desprezo por mim, com exceção dos trigêmeos, que tinham um olhar de ódio. Era um pouco constrangedor ser a única mulher no meio deles, por sorte, algumas empregadas apareceram para acompanhar a luta também.
Após um tempo, Richter e Karl chegaram no local. Os dois estavam bem confiantes e calmos aparentemente, e andaram até o centro ficando um de frente para o outro, separados por uma pequena distância.
-- Admito que não estou com vontade de sujar minhas mãos. Ainda tem tempo de desistir, Richter. -- falava Karl com uma expressão séria em seu rosto.
-- Ah, está com medo, Karl?
-- Não, mas queria estar fazendo algo melhor do que olhar para a sua cara de derrotado.
Richter ficou enfurecido com as últimas palavras de seu irmão, e sem pensar duas vezes, pegou sua espada e apontou para seu oponente. Assim iniciou-se uma luta em que Karl parecia estar bem preparado. Seus golpes acertavam Richter com muita facilidade, lhe causando danos graves. Mesmo assim, Richter não queria desistir e tentava desviar o máximo possível dos ataques. Eu estava começando a pegar no sono, pois aquilo não era o meu tipo de entretenimento favorito, e a luta parecia não ter fim. De qualquer forma, eu tinha que ver qual seria o resultado. Richter estava bem debilitado, mas mesmo sem forças, queria continuar lutando.
Karl bocejava mostrando estar entediado com a luta e esperava impaciente para que seu irmão se levantasse e voltasse a se recompor. Sem nenhum sucesso, Richter, muito chateado com seu próprio fracasso, desistiu de continuar a luta. Karl ria debochando dele, como se tivesse ouvido uma piada hilária. Sua risada me incomodava bastante e ele fazia isso para me provocar, me fazer rangir os dentes, querendo tirar aquele maldito sorriso de seu rosto.
Os outros vampiros teriam ido embora calados, sem fazer comentários. Karl também teria ido embora, se sentindo satisfeito por ter derrubado uma de minhas "peças".
Só sobraram Richter e eu no local, e quando eu já estava me retirando, o escutei me chamar:
-- N-não vai me ajudar? -- Richter perguntava, com a voz fraca e com dificuldade em falar.
-- Claro que não. Eu disse que isso iria dar errado. Agora você precisa sofrer com as consequências sozinho.
-- Mas o que custa me ajudar? Por que está com tanta raiva de mim?
-- Você estragou com os meus planos. Isso já é o suficiente para que eu esteja com raiva.
Uma das empregadas ainda estava por perto, então pedi para ela que Richter ficasse sobre seus cuidados. Não me importava se ele estaria com raiva de mim, pois já tinham pessoas demais me odiando naquela mansão, ter mais uma não faria diferença para mim. Com o tempo, ele entenderá que eu estava certa em alertá-lo sobre sua ideia estúpida.
Richter era do tipo de cachorrinho que não largava o osso por nada, o que me dava bastante vantagem, pois, dependendo de qualquer coisa, ele continuaria a seguir minhas ordens; e como eu estaria frustrada com ele, sua obediência apenas iria aumentar.
Os anos passaram e novamente não teria nada de novo pela mansão. Todos permaneciam em seus devidos lugares, e Richter parecia ainda não ter superado a humilhação que sofreu do irmão.
Eu havia notado que os trigêmeos estavam um pouco estranhos, no sentido de estarem unidos. Eu sabia que eles não eram próximos, mas agora teriam mudado isso e pareciam estar planejando alguma coisa... Não teria ideia do que podia ser, mesmo assim, estava de olho neles.
A melhor parte era sobre minha adorável filha Charlene, ela tinha seis anos e parecia estar desabrochando aos poucos como uma bela rosa em um jardim.
Em um de meus dias comuns pela mansão, notei que a horta estava com todos os legumes comidos.
-- Hum... O que aconteceu aqui?
-- Talvez tenha algum intruso na horta. -- Falava Jack, aparecendo do nada e sorrindo para mim.
-- Acho que sim. Você gostaria de me ajudar a procurar?
-- Sim, mas quero algo em troca.
Chegava perto dele e o beijava por alguns minutos. Parava o beijo e sorria por um tempo.
-- Isso está bom pra você?
-- Sim. Vamos encontrar o intruso!
Em seguida, começamos nossa procura por toda a horta, até que Jack teria encontrado nosso invasor. Era apenas um filhote de coelho com pelagem branca e olhos vermelhos. Eu sabia de uma pessoa que iria adorar ter esse bichinho...
-- O que vai fazer com ele? -- Perguntava Jack com o coelho em suas mãos.
-- Eu vou dá-lo de presente para a minha irmã, ela adora animais.
-- Que bom, com certeza ela vai ficar feliz com o presente. Vai ser uma boa companhia pra ela.
Concordava com suas palavra e daria outro beijo nele. Meu relacionamento com Jack teria melhorado bastante e estávamos próximos novamente. Não negava mais que tinha sentimentos profundos por ele. Gostaria muito de ter o conhecido primeiro, ao invés de ter estragado todo o meu sonho de casamento com Karl.
No outro dia, viajaria para visitar minha filha e levaria o coelho para ela. Eu ainda não tinha encontrado coragem para contar ao Jack sobre a existência de Charlene, ainda achava melhor deixar as coisas como estavam e pensar em outra oportunidade para contar a ele.
Assim que tinha chegado na casa de minha irmã, teria sido recebida por minha filha. Ela sabia que todo o fim de mês eu iria visitá-la, e isso fazia com que ela ficasse a minha espera.
Charlene estava toda suja de tinta e dava pulinhos para que eu a pegasse no colo. Deixava minhas coisas no chão e a carregava, dando lhe um abraço com todo o meu carinho.
-- Mamãe, que bom que chegou! Estou ajudando a minha tia a pintar um quadro! -falava Charlene, toda alegre, ainda abraçada comigo.
--Ah, sim! Tenho alguns presentes pra você e com certeza vai adorar.
-- Só de você estar aqui, mãe, é um grande presente pra mim.
-- Te amo tanto, minha pequena rosa... Vamos falar com sua tia.
Chegava perto de minha irmã por trás, ela estava distraída pintando um de seus quadros. Colocava minhas mãos sobre os seus olhos, tapando-os enquanto dava um leve riso.
-- Adivinha quem chegou? -- perguntava, tentando fazer outra voz e segurando minha risada.
-- Não faço ideia, mas talvez seja minha irmãzinha que finalmente voltou! -- dizia Elizabeth, se virando em minha direção e passando um pouco de tinta em meu rosto.
Ficamos rindo por um tempo e daria um abraço nela. Adorava ir todo o fim de mês para lá e ser recebida com abraços e beijos. Era a melhor coisa do mundo...
Em seguida, minha irmã decidiu preparar um almoço especial, e Charlene estava ansiosa pra receber os presentes e passar um tempo comigo. Peguei o primeiro presente de uma caixa de papelão com alguns furos, era o coelho que logo tinha deixado minha filha muito alegre. Eu o entregava e ela o enchia de beijos na cabeça.
-- Adorei mamãe! É uma menina! Vou chamá-la de Rubi.
-- Ótimo, agora vou entregar o próximo presente.
Pegava de minha bolsa uma boneca de porcelana vestida com um vestido rosa, com algumas flores o detalhando; tinha um cabelo loiro todo cacheado e olhos de cor azul. O único defeito era que estava com algumas pequenas rachaduras pelo rosto, mostrando que várias partes teriam sido quebradas e coladas novamente na boneca. Charlene teria gostado da boneca, mas ela demonstrava um olhar confuso. Fiquei preocupada assim que percebi isso.
-- O que foi, filha? Não gostou da boneca?
-- Gostei, mas por que ela foi quebrada?
Quando escutei sua pergunta fiquei em silêncio por um tempo e respirei fundo. Sua pergunta me fez lembrar de algo que tinha a ver com o meu passado, na verdade, a boneca era algo atrelado a ele. Dessa forma acabei lembrando de minhas memórias mais obscuras.
Flashback on
No dia de meu nascimento, minha mãe acabou morrendo depois do parto, pois ela estava muito doente e só teve forças para que eu nascesse.
Meu pai não tinha se conformado com a morte dela e fazia questão de me culpar por isso. Ele nunca me deu carinho ou me transmitiu algum sentimento de amor. Quem cuidava de mim eram as empregadas, pois do meu pai, tudo o que recebi foi desprezo, tristeza, surras sem motivo e muito ódio. Ele não tinha se casado novamente, preferia ficar se queixando da morte de minha mãe, fazendo questão de colocar meu nome no meio.
Para piorar, eu não era permitida de chegar perto de minha irmã Elizabeth. Nunca podia brincar com ela ou conversar, pois meu pai chegava e logo nos separava.
Um dia, quando eu estava brincando de boneca com ela, ele chegou para atrapalhar como sempre. Dessa vez eu queria saber o motivo dele não permiter minha aproximação de Elizabeth:
-- Por que não posso ficar brincando com minha irmã? -- perguntei com uma expressão triste no rosto.
-- E ainda pergunta? Você é um demônio em forma de gente! Não merece o amor de ninguém! Agora vá embora daqui, peste! -- falava meu pai, em um tom rude de voz.
Tinha pegado minha boneca e saído correndo de lá, chorando muito. A boneca era muito especial pra mim, pois a encontrei dentro de uma caixa com algumas coisas de minha mãe. Estava embalada com um pequeno bilhete. Minha mãe sabia que iria morrer, por isso deixou esse presente para que eu me lembrasse dela.
Eu passava a maior parte do tempo em meio as rosas do jardim, conversando com minha única companhia, que era minha boneca de porcelana. Como eu tinha aulas particulares em casa, nunca tive amigos na escola ou contato com outras crianças.
Quando entrava em casa, podia ver meu pai enchendo Elizabeth de elogios, dando-lhe presentes caros, roupas e sapatos também. Ele fazia questão de fazer todas essas coisas na minha frente para que eu me sentisse inferior diante de minha irmã. Por causa disso, acabei sentindo ódio dela e me afastava cada vez mais, pois sempre tinha aquela pergunta em minha mente: "Por que ela seria melhor que eu?". Mesmo que eu notasse que ela ficava triste comigo por eu querer ficar longe dela, não me importava. Por causa disso, Elizabeth não era feliz mesmo sendo considerada a filha favorita de meu pai. Ela acabou se tornando um garota solitária.
-- Cordelia? Vamos brincar, por favor! -- falava Elizabeth, perto da porta de meu quarto.
-- Não quero, prefiro ficar sozinha. Vá embora.-- Falava isso estando muito triste e chorando baixinho.
A maioria dos dias era assim e nunca mudava, até que meu pai ficou me forçando nos estudos. Meu quarto ficava cheio de livros que ele queria que eu lesse e aprendesse tudo o que estava neles. Pra mim era torturante ficar gravando cada página daqueles livros idiotas e chatos. Algumas vezes, eu chegava a ficar com dor de cabeça, mas meu pai pouco se importava com minhas dores. Um dia não aguentei mais vê-lo jogar livros e mais livros em meu quarto, então o enfrentei, me queixando por não aguentar mais ser tratada assim:
-- Eu não aguento mais ler esses livros, eu quero ter um tratamento igual ao de Elizabeth! -- dizia com raiva, com minhas presas expostas.
--Você nunca vai ter um tratamento igual ao de Elizabeth, sua monstrinha.
Ele pegava minha boneca de cima de minha mesa de estudos e a jogava com força no chão, fazendo com que ela se quebrasse em vários pedaços. Meus olhos se encheram de lágrimas naquele momento, eu corria na direção dos cacos. Queria matar meu pai e fazê-lo se arrepender muito do que tinha acabado de fazer com o meu único brinquedo. Em seguida ele me puxava com força pelo braço, impedindo que eu ficasse perto dos cacos de minha boneca. Ele iria me levar para o armário pequeno e escuro que tinha na casa, um armário todo empoeirado e cheio de teias de aranha. Meu pai me jogava naquele local e me trancava. Eu batia várias vezes na porta e gritava por ajuda:
-- Alguém me ajuda, por favor!
Nenhum dos meus pedidos de ajuda eram atendidos. Só podia ficar encostada na porta, ainda chorando por tudo o que tinha acontecido.
Algumas horas depois, a porta tinha aberto sozinha, então eu corria de volta para o meu quarto. Olhava o estrago feito na minha boneca e com muito trabalho, colava os pedaços dela. Mesmo que ela não voltasse ao que era antes, sua companhia era tudo o que eu tinha.
Após algumas semanas outro acontecimento iria acabar com minha vida: teria dormindo entre os livros e meu pai ficou furioso olhando aquela cena. Me acordou aos sustos e puxava meu braço. Pensei que ele me levaria até o armário, mas dessa vez fez algo muito pior: ele tinha me levado até o jardim e me arremessado no lago. Fiquei me debatendo para não afundar e engolia um pouco de água por estar me afogando. Eu implorava pela ajuda de meu pai e ele apenas me olhava sem nenhuma preocupação com meu sofrimento.
-- P-por favor pai...
-- Por que eu deveria ajudá-la? Você é bem mais útil estando morta!
Minha irmã tinha visto o que aconteceu e implorou para que meu pai me tirasse de lá. Se não fosse por ela, eu já estaria morta a muito tempo.
Flashback off
-- Mamãe? A senhora está me ouvindo? Por que está chorando? Fiz algo errado? -- perguntava Charlene enquanto limpava minhas lágrimas.
-- Você não fez nada, é a melhor filha que eu poderia ter!
Sem pensar duas vezes, a abracei com força, e continuava chorando. Charlene representava a única parte boa que eu tinha, e quando olhava pra ela, era como se visse minha imagem na infância. No momento só queria esquecer aquelas lembranças ruins e voltar a ter meus momentos bons no presente. 

Cordelia Sakamaki, a história nunca contada.Onde histórias criam vida. Descubra agora