9. A Verdade

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Esperei 2 horas para poder sair. Desci pela escada de emergência. Estava muito frio, mas o parque não ficava longe.
Caminhei apressada — eu estava ansiosa — para chegar logo ao parque. Quando cheguei — fiquei confusa — eu não sabia para que lado ir. Sentei na parte mais escura — tive a intuição de que seria lá — onde tem mais árvores.
Não haviam pessoas lá. Pude ouvir as crianças brincando no lago congelado, elas estavam felizes e aproveitando a neve.
Tentei me distrair com várias coisas. Eu queria saber — o mais rápido possível — o que tudo isso significava; ouvi um barulho em meio às árvores, atrás de mim. Levantei-me para ver o que era.
Era um lobo — um grande lobo — preto; ele se aproximou. Fechei os olhos com força, por certo tempo. Eu era uma medrosa, mas eu sabia que precisava ter coragem. Quando voltai a abrir os olhos, havia uma mulher sentada no banco. Eu não achei possível, aquilo não era humano. Ela era ruiva e familiar — eu a conhecia —, não era alta, tinha o cabelo curto e repicado nas pontas onduladas, olhos escuros — ofuscados por um mistério intrigante.
Eu não consegui lembrar, onde eu a havia visto, antes. Mas era ela, quem estava no hospital e na escuridão.
— Por favor, pode se sentar! — Exclamou, animada.
Sentei-me — novamente — no banco.
— Olá! — Disse ela.
— O que você quer? — Hesitei.
— Calma. Vamos mais devagar. Eu não vou te fazer mal. — Ela sorriu sombriamente.
Ignorei meu medo.
— Como você... — Parei.
— É complicado, mas eu era aquele lobo. Acredite. — Disse ela, como se fosse algo normal.
Talvez eu estive tendo algum tipo de frenesi no momento. As coisas só me deixaram mais confusa sobre tudo.
— Isso é impossível. Você não pode...
— Eu também pensava assim, 565 anos atrás. — Indagou. — Mas é o que somos, o que conseguimos fazer.
— 565 anos atrás? Somos? Conseguimos fazer? — As perguntas tomaram meus pensamentos. — Você só pode estar brincando comigo.
— Eu sei que você não está acreditando em mim. — Sibilou entredentes.
— Lógico. Isso tudo é humanamente impossível. — Confirmei.
— Olha Kathy, eu fiz você ter todos aqueles sonhos. Eu estava atrás de você há muito tempo. — Admitiu.
— Como você sabe meu nome? — Arfei.
— Eu sempre soube, é difícil de explicar. E me desculpe, o meu é Libby Sean. — Sua voz parecia um sussurro.
Eu estava suando, estava nervosa e confusa.
— Por favor, me diga a verdade. — Pedi, quase suplicando.
Ela colocou a mão no colar que eu havia comprado em Los Angeles.
— Peça única, né!? — Grunhiu.
Tudo ficou claro. Ela me vendeu os cordões, mas seus cabelos não eram ruivos. Como? — Eu estava assustada. — Como isso era possível?
— Você? — Lembrei claramente do rosto da vendedora.
— Sim. — Confirmou minha impressão. — Esse cordão tem uma história, assim como o que está com seu namorado, também tem. Mas é uma história para outro momento. — Contou.
— Diga-me o que está acontecendo? — Implorei.
— Tudo bem. Eu já senti tudo que você está sentindo, 565 anos atrás, e eu vi você em meu futuro. Somos como esse cordão, peças únicas. Poucas de nós restaram e precisamos nos unir.
— Como assim? — Insisti.
Eu queria uma resposta mais clara.
— Seus sonhos, com a garota tentando salvar a mãe. Pessoas te perseguindo e te chamando de Bruxa. Sem falar na voz.
— Que voz? — Perguntei.
— A que fica repetindo, "Você está pronta!". Eu odiava aquela voz.
— Mas não era você?
— Não! — Exaltou a voz. — Só era a minha quando você podia me ver.
— Voltando à que você ouvia. E agora, ela parou?
— Sim, tem muito tempo. Quando eu fiz meu primeiro feitiço, eu acho.
— Feitiço? — Essa história estava saindo do real. Na verdade, ela já não era real há muito tempo.
— Sim. E você vai aprender. — Continuou.
— Você está falando sério? — Conjecturei.
— Estou. E pelo que previ você vai começar a sentir os sintomas... amanhã.
— Que sintomas?
— Vai ser uma sensação incrível e assustadora. Não vou estragar a surpresa.
— Tá. Vamos fazer de conta que eu estou acreditando. — Sugeri. — E o Bill?
— Seu namorado? — Grunhiu sem dar importância. — Se você quiser contar para ele, conte. Mas, talvez, não possam ficar juntos.
— O que você quer dizer? — Aquilo me irritou.
— Que é, logicamente, impossível você ficar com alguém que não seja como você.
— Nunca. Se tudo isso é verdade, porque você não vai atrás de outros? — Gritei, olhando para o anel em meu dedo.
— Somos apenas 3. Eu, você e o Lion Monsen. — Ela revirou os olhos.
— Então vá atrás desse Lion. Eu amo o Bill mais do que tudo e quero ficar com ele por mais uns 70 anos, se puder.
— Eu já encontrei o Lion. — Indagou. — Mas precisamos de você.
— Não precisa. Eu só quero continuar a viver como estou. — Eu já estava deixando de ter medo, o que estava me deixando com os nervos enlouquecidos.
Ela me olhou decidida.
— Ok. Eu não ia te contar isso, ainda, mas estou sendo obrigada. — Afirmou. — Você é imortal. Bem, na verdade, ainda não. Mas será, quando completar 23 anos.
— O quê? — Ela só podia estar brincando.
— Não tenho tempo para explicar. — Gemeu.
— Só vou acreditar em você, quando me contar tudo. — Deixei bem claro minha decisão.
— Ok. Eu vou contar. — Disse ela. — Somos Bruxas, Bruxas extremamente fortes. Nossa espécie existe há muito tempo. Bem antes de Cristo, já existiam Bruxas no mundo. — Oscilou. — Mas as Bruxas viviam em paz, sem contato com humanos. Elas gostavam de poder usar seus poderes em liberdade. Então viviam juntas e, em um lugar onde os humanos jamais as encontrariam.
Ela parou, tentando lembrar-se de mais coisas. Sua face era preocupante.
— Elas viviam felizes. — Continuou. — Até que uma Bruxa se revoltou, porque ela queria governar as outras. Mas não havia governo, todas eram livres e tomavam suas próprias decisões. — Explicou, fitando meu rosto. — Diziam que se uma Bruxa tomasse o sangue de outra, ela iria possuir um poder maior ainda. Então ela matou sua própria irmã e bebeu de seu sangue.
Libby olhou ao nosso redor, como se estivesse procurando por algo.
— Ela fugiu, desaparecendo — sua voz ficou mais aguda — por 150 anos. Quando voltou, ela trouxe os humanos. Eles chegaram e se misturaram como se fossem Bruxas ou Warlocks. — Se não me engano, Warlocks são os bruxos. — Eles se reproduziam e tinham filhos, a quantidade de pessoas aumentou e com isso, as Bruxas tiveram que se esconder e, esconder seus poderes. Mas nunca houve intriga entre as espécies, até que os humanos começaram a caçar — tentei me concentrar em cada detalhe — e matar as Bruxas. As religiões começaram a criar um tipo de "caça às Bruxas", e isso fez com que muitas fossem mortas e entre elas, até mesmo humanas. A Bruxa que se revoltou se chamava Meitnéria Slin. Ela não havia sido aceita como uma Bruxa, depois do que fez com sua irmã. Foi aí que as Bruxas saíram da Inglaterra e se espalharam pelo mundo, tentando fugir da morte. Mas tudo só piorou. Uma das Bruxas, a Héliony Bruckner, acabou se apaixonando por um humano. — Ela pegou no cordão em meu pescoço. — Esse cordão pertenceu a ela, e o do seu namorado, pertenceu ao Brom. Brom Jonvick era o humano que conquistou Héliony. — Ela soltou meu cordão. — Ela criou esses cordões para proteger o Brom, porque assim ela sempre sentiria tudo o que ele estivesse sentindo.
Sua voz, agora quase um sussurro, falhou. Mas logo, ela continuou:
— Mas por causa desse amor, as coisas pioraram. — Afirmou. — Ela sabia que podia conseguir ser mortal e lutava por isso. Mas um feiticeiro é mais forte do que qualquer Bruxa ou Warlock. Eles eram os soberanos, mas nunca tiveram nada contra as Bruxas. Até que o Mandante deles, o Darms Kingles, se apaixonou pela Héliony. — Seus olhos ofuscados e sem brilho, fitavam o chão. — O problema é que se um feiticeiro dormir com uma Bruxa, ele perde os poderes. Mas com isso, a criança que nascesse desse relacionamento, daria início a geração mais poderosa de Bruxas, do mundo. Darms queria Héliony, e quando soube que ela estava buscando pela mortalidade, ele decidiu que a teria. Porque se uma Bruxa deixar de ser mortal, ela pode se unir com um feiticeiro sem causar tantos problemas.
— Continue. — Eu disse.
— Eu vou. — Ela deu de ombros. — Mas aí, ele soube que ela só faria isso para viver com o humano. Furioso, Darms procurou Meitnéria, e assim deu início a uma geração de dor e sofrimento. — Seus olhos se encheram de lágrimas. — Uns 10 anos depois, Héliony conseguiu ser mortal e se casou com Brom. Eles tiveram uma filha, que era totalmente humana. Porque se tornando mortal, Héliony mudou as suas gerações, e daí em diante seria uma mãe Bruxa e uma filha humana, uma mãe humana e uma filha Bruxa. Darms não queria aceitar. Ele matou o Brom e colocou a culpa em Héliony.
Ela parou, mas logo voltou a contar a história.
— Os humanos ficaram com medo e decidiram matá-la, pelo que ela havia sido culpada. Héliony não resistiu, ela queria morrer. Viver sem seu amor era impossível. Ela entregou os cordões a Shadow Jonvick, sua filha, e pediu para que ela fugisse. Meitnéria encontrou a pequena Shadow e a fez ver a mãe ser queimada viva — o sonho que eu tive — sem poder fazer nada. Ela jamais esqueceu aquilo, e jurou que haveria uma vingança. — Ela levantou a cabeça. — Meitnéria criou a Shadow, e a menina não negou, porque ela queria vingança. Darms teve um filho com uma humana, um jovem que tomaria o seu lugar, dali um tempo. Done Kingles era o seu nome. Shadow usou todo seu poder de sedução para conquistar o Done, apesar de ela ser uma humana, ela tinha o sangue de Bruxa em suas veias e isso prejudicaria o Done. Ele se apaixonou, pois acreditava que Shadow era, puramente, humana. Done perdeu seus poderes, ao dormir com Shadow. Ela engravidou da criatura mais poderosa do mundo.
A Libby apertou suas próprias mãos, com força.
— Shadow fugiu com Johane Jonvick, sua filha, e a ensinou tudo que devia saber. Meitnéria foi atrás da Shadow, porque ela queria o seu sangue. Mas Shadow já havia se matado, sem deixar sinais da existência de Johane. 483 anos, depois. Uma jovem misteriosa apareceu na vila. Era Johane, que estava, extremamente, forte. — Toda essa história não parecia real. — Ela matou todos os feiticeiros que Darms mandou para matá-la. Mas o que ela realmente queria, era matar o Darms e a Meitnéria. Os anos se passaram, houve uma guerra e as duas espécies se extinguiram. Sobraram poucos. Johane deu sucessão a sua geração, mas ela se matou a pouco tempo, uns 300 anos atrás.
Ela suspirou com o fim da história.
— Você é a sucessão de Héliony, Shadow e Johane. Sua vó devia ter te treinado e ensinado tudo, mas ela foi morta por um feiticeiro, junto com a minha. — Mas eu conheci minha avó. — E, hoje, só restam poucos de nós. E um monte de feiticeiros querendo vingança. Eu menti para você, porque existem outras Bruxas, mas elas não são como nós, elas são diferentes. São mais violentas e não são boas. E eu menti, porque preciso de você. Seu poder é o único capaz de acabar com tudo isso.
— Libby, eu conheci minha avó. — Afirmei.
— Sua mãe foi adotada. — Disse ela, como se fosse fácil, como se não machucasse.
— Mas eu nunca soube disso...
— Nem sua mãe sabe! — Garantiu ela.
Tentei mudar de assunto.
— E o que aconteceu com a Meitnéria? — Perguntei.
Ela demonstrou que não sabia, ao certo.
— Dizem que ela morreu. — Ela me olhou preocupada. — Mas eu acredito que ela está esperando por você.
— Por mim? — Hesitei.
— Você é poderosa, tem sangue de Bruxa, feiticeiro e humano nas veias. Ela daria tudo pelo seu sangue. E é por isso que precisamos de você, seu poder é essencial. E podemos achar um modo de te tornar mortal, depois de tudo. Assim você poderá ficar com seu namorado.
— Então estou encrencada!? — Engoli em seco.
— Sim. E não é só a Meitnéria que quer te ver morta. Darms também, para vingar seu filho. — Tornou tudo ainda pior.
— Então se eu contar ao Bill, ele será um ponto fraco? — Supus.
— Depende. Se você já dormiu com ele, sim, porque os feiticeiros entendem que um humano só pode ser morto ou ser usado como isca, se tiver essa ligação com um ser mágico. Ou seja, as Bruxas, mas se vocês já tiveram esse tipo de relacionamento, é melhor você o mandar sumir.
— Não. Eu nunca... — fiquei envergonhada — eu sou virgem.
— Ótimo. Então, sua castidade vai nos deixar mais tranquilas. Porque eu pensei que teríamos que protegê-lo. — Disse ela, rindo.
— Vou entender isso como um elogio. — Arfei. — Eu topo.
— Você vai vir comigo? — Perguntou, sorrindo.
— Sim. Mas eu preciso de sua ajuda, não posso esconder isso dele. — Minha voz estava apavorada.
— Tem certeza que quer contar? — Insistiu em um "não".
— Tenho.
Eu estava decidida. Se tudo isso era verdade, era o único jeito de ficar com ele. Só vou voltar quando ele estiver seguro e eu for mortal.
— Libby... — comecei.
— O quê?
— Eu estou confiando em você. — Conjecturei. — E se for verdade, que vai começar amanhã. Quero que você vá até mim de imediato.
— Eu irei. Agora, vá para casa e tente dormir. — Mandou.
— Tudo bem. Até amanhã, ou melhor, até daqui algumas horas? — Suspirei.
— Sim. Até mais.
Eu sai; um pouco à frente eu me virei e olhei para trás, vi o lobo que sumia na escuridão.
Eu queria que fosse um sonho, mas desta vez não era. O medo que disparava meu coração, fazendo meu sangue pulsar, era muito real.
Cheguei no meu apartamento, subi à escada de emergência — por onde eu havia descido — e entrei no meu quarto. Eu estava com sede, fui até a cozinha, tomar água.
Ao passar pela sala, me assustei ao ver o Bill deitado no sofá. Eu suspeitei de algum modo ele não iria embora. Depois de tomar água, me ajoelhei ao lado dele, que dormia como um anjo.
Eu toquei seu rosto — quente e macio — com meus dedos, levemente para não acordá-lo. Eu o amava mais do que tudo, não saberia viver sem ele.
Levantei-me e fui para o meu quarto, dormir.

Leb' Die Sekunde & Escreva Você Mesmo Seu DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora