10. O Susto

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O dia foi bom, mas à noite... as coisas mudaram.
Primeiro a luz — penetrante — do Sol me acordou. Já passava das 10h e eu ainda estava dormindo.
Levantei-me da cama, cambaleando. Tomei um banho e me vesti. Ao me olhar no espelho — depois de tudo que a Libby havia me dito — eu não consegui me reconhecer. Aquela não era eu. Não a garota fraca e assustada de antes, eu havia mudado.
Impulsionei-me ao olhar no espelho — mais uma vez — e percebi que estava, realmente, diferente. Meus olhos brilhavam, minha pele estava mais firme. Eu me senti mais bonita, o que era raro. Sem contar que eu estava bem disposta.
Fui até a cozinha, e todos estavam lá.
Fiquei feliz em sentir que todos estavam bem e animados. O Bill, a Simone, a Anna e o Tom; minha linda família. Finalmente, o Tom estava começando a dar valor à Anna.
— Bom dia! — Gritei, com animação.
O Bill olhou para mim e sorriu. Todos me responderam e a Anna me abraçou com força.
O Bill se levantou e pegou minha mão.
— Você está linda! — Afirmou ele.
— Exagero seu. — Retruquei.
Ele me abraçou.
— Que bom te ver sorrindo, eu estava sentindo falta do seu sorriso. — Disse ele.
— Agradeço muito, por todo carinho. — Olhei para todos ao mesmo tempo. — E, principalmente, à Senhora, Simone. A Senhora mal me conhece e cuidou de mim como se fosse minha mãe. Obrigada!
— Por favor, me chame só de Simone. Chamando-me de Senhora, você me faz sentir uma velha. — Brincou. — E tudo que eu fiz, foi de coração. Não precisa agradecer, só de você fazer meu filho feliz eu já sou grata. — Disse ela, segurando minha mão, junto com a do Bill.
— Imagina. Eu é que devo agradecer por ele me amar. — Afirmei convicta.
O Tom e a Anna saíram.
— Não tem não. — Disse ele, me puxando para tomar café.
O dia foi calmo, aproveitei a presença da Simone. Conversamos sobre muita coisa — foi incrível — mas ela tinha que voltar para a Alemanha.
O Bill foi para o aeroporto levar a Simone e o Tom. A Anna ficou comigo.
Eu senti arrepios o dia todo. Parecia que alguém estava por perto, mas não havia ninguém.
Já era noite, e nada havia acontecido; depois do jantar eu fui me deitar, a Anna saiu para fazer uma pesquisa. E o Bill achou melhor ficar comigo mais uma noite. Ficamos juntos, até o sono chegar. Ele foi para o quarto ao lado.
Eu fechei meus olhos e dormi.
Senti uma brisa sob meus braços. Um vento sufocante.
"Acorde!" — alguém disse.
Senti falta da cama, tentei ficar imóvel. Abri os olhos e percebi que o teto estava mais próximo. Tudo se passou pela minha cabeça, qualquer coisa que não fosse real, servia. Fiquei com medo de me virar. Movimentei meus braços para trás — lembrei-me do que a Libby disse — mas eu não senti nada. Virei-me e vi que estava flutuando.
Meu coração disparou em uma adrenalina de muitos ataques cardíacos. Nunca pensei que pudesse ser verdade, mas depois disso, com certeza era real. Era algo sobrenatural, uma coisa que só acontecia em filmes. A ficha caiu, eu era uma Bruxa.
Eu gritei, sem saber como agir ou o que fazer. Então, ouvi os passos desesperados pelo corredor. Eu não queria que ele me visse daquele jeito — aquela não era eu — mas eu não podia controlar.
Ele empurrou a porta com força; o olhei sem reação. Meu coração se acalmou, quando ele acendeu a luz e eu vi seu rosto. Minhas pernas tremiam, as lágrimas caíam de meus olhos. Eu vi sua expressão, e ele estava tão assustado e surpreso quanto eu.
— Kathy? — Ele estava assustado e pálido.
— Bill... — as lágrimas caíam de meus olhos — me ajude, por favor.
Ele correu até mim, me segurando pela cintura e me puxando até a cama. Eu não imaginei que sentiria tanto medo.
Ele me abraçou com força. Nesse momento, os nossos cordões brilharam. Era uma luz azul e forte. Seus olhos fitavam meu rosto. O brilho sumiu.
— Está tudo bem, já passou. — Disse ele, tentando me acalmar.
— Bill eu preciso te contar uma coisa. — Eu disse, enxugando minhas lágrimas.
Ele me ignorou. Seus lábios pressionaram os meus com muita força. Meu coração se acalmou, mais ainda.
— O quê? — Perguntou depois de um tempo.
— Eu não sou como você. — Hesitei.
— Não é como eu? — Eu não sabia como dizer o que estava acontecendo e ver a expressão que estava em seu rosto, me dava medo. Medo de perdê-lo.
— Não sei como te contar isso, mas... — parei por um segundo — eu sou uma Bruxa.
— Bruxa? — Sua voz se exaltou. — Está brincando?
— Não! — Eu pensei na Libby, ela deveria estar ali. — Essa é a única explicação para o que está acontecendo. Eu sei que parece loucura, mas é a verdade.
— Por favor... isso não é possível.
Eu não sabia o que dizer para provar.
— Noite passada, eu falei com uma mulher. Ela me contou uma longa história e disse que algo ia me acontecer, hoje. Ela estava certa. — Contei.
— E quem é ela? — Hesitou sem ligar.
O ar ficou frio.
— Eu — Ela veio, mas estava diferente. Agora, seu cabelo era loiro e longo.
— Libby, aconteceu. — O espanto em minha voz era imenso.
— Eu sei. — Disse ela, com simplicidade.
— Você pode explicar para ele? — Minha voz foi tão agonizante que implorei.
— Sim. — Ela agiu rapidamente.
O Bill estava em choque.
— Como você chegou aqui? — Perguntou o Bill.
— Bruxaria!
A Libby tocava no assunto como se fosse normal.
— O que está acontecendo com ela? — Continuou o Bill. Suas mãos me seguravam com força.
— Está em processo de transição, para se tornar uma Bruxa, como eu. — Explicou ela.
Tentei ficar em silêncio enquanto ela explicava tudo a ele.
— O quê? — Arfou o Bill, ainda sem acreditar.
No fundo, nem eu acreditava naquilo. Eu sabia que algo horrível estava acontecendo, mas queria ignorar; o medo de ficar sem ele era tão grande que chegava a doer em meu peito.
— Ela está se transformando em uma Bruxa, na verdade, ela sempre foi. Mas só aos 23 anos uma Bruxa tem todos os seus dons. E pode ser considerada uma "verdadeira Bruxa". Poderosa e imortal. — Explicou a Libby.
Ela não precisava ter sido tão direta.
— Imortal? — Gritou o Bill. — Como assim imortal?
— Ela sempre terá 23 anos. — Respondeu a Libby.
— Eu sei disso, estou me referindo à como isso pode acontecer...
— Todas as Bruxas são imortais. — Continuou.
— Então, ela não poderá ter uma vida normal? — Murmurou ele.
Eu me aproximei dele e beijei seu rosto; e ele saiu de perto de mim.
— Para. — Ele parecia irritado. — Parem de mentir. Se vocês estão achando engraçado, saibam que não é.
— Bill. Não estamos brincando. — Eu disse.
Nunca pensei que ele pudesse ser tão frio, comigo.
— Ela pode ter uma vida normal. — A Libby nos interrompeu. — Ela só precisa vir comigo. Vamos conseguir torná-la mortal, só precisamos do feitiço. E é claro, vamos encontrá-lo, depois de conseguir trazer à paz de volta.
— Ir com você para onde? — Sua voz saiu como em um sussurro nervoso.
— Na antiga vila de Blackmoor, Inglaterra.
Eu nunca havia ouvido sobre esta vila.
— E se ela não for? — Objetou o Bill.
— Ela será imortal, como eu. E você terá de esquecê-la. — Novamente senti uma dor em meu peito.
Aquelas palavras perfuraram meu coração, como lâminas amoladas; eu queria estar — mais do que tudo — sonhando.
— Você diz "esquecê-la", como se fosse fácil. — Rosnou. — Eu a amo.
— Então a deixe vir comigo. — Sugeriu a Libby.
— Eu vou! — As palavras fugiram de minha boca.
Eu estava tremula. O Bill me olhou com desespero, ele sentiu que eu não mudaria de decisão, e que seria aquela. Uma decisão inesperada.
— Kathy? — Disse ele, me matando com seu olhar corrompido. — Não.
— Amor... — respirei bem fundo — é isso, ou perder você. E eu não posso ficar sem você.
— E se acontecer alguma coisa? — Hesitou. — Estou ficando louco, porque estou acreditando em tudo isso. Mas é porque eu acredito em você. Tudo isso é loucura, é impossível e não pode ser real, mas estou confiando em você.
— Eu sei. Desculpe-me. — Tentei escapar de sua pergunta.
— Vamos me diz, e se algo te acontecer? — Insistiu.
— Se algo acontecer, quero que você tenha a certeza de que sempre te amarei. Não importa onde eu esteja, eu sempre vou te amar. Nada pode mudar isso. — Eu tive que pensar nas hipóteses. — E se eu não voltar...
— Você vai voltar. — A Libby me interrompeu.
Ela se sentou na cama, enquanto conversávamos.
— Eu vou, mas é no caso de "eu não voltar". — Olhei para ela. — Eu quero que você me esqueça. — Eu disse ao Bill.
— O quê? — Ele parecia muito irritado.
— Seja feliz, siga sua vida com uma garota que te mereça. Ame como você nunca amou. — Pedi.
— Mas eu já amo. Amo você! — Indagou.
— Eu sei, e eu também te amo. Só não quero que você viva o resto de sua vida sofrendo, caso eu não volte. — Conjecturei assombrada.
Ele me olhou fixamente; colocou a mão em meu pescoço, seguindo os pequenos traços da minha pele.
— Eu te amo muito. — Soltou em um suspiro.
Seus braços me prenderam em um nó. Seus lábios se uniram aos meus, em um toque perfeito. Eu não podia — nem queria — ficar sem seu carinho.
A Libby deve ter rido, ou ficado encabulada. Será que nesses 588 anos ela chegou a se apaixonar? — Preguntei a mim mesma.
— Tudo bem... — ele ignorou tudo ao nosso redor — mas se você não voltar até setembro, eu vou atrás de você.
— Claro, mas não vai precisar porque eu vou voltar. — Afirmei insegura.
Ele sorriu, curtamente, para mim. Mas sua expressão mudou quando ele foi falar com a Libby. Ele era tão fraco e ao mesmo tempo tão protetor, mas eu morreria por ele.
— Cuide dela com toda sua força. — Disse o Bill, apertando as próprias mãos.
— Eu vou. Mas ela é bem mais forte do que eu. — Garantiu a Libby, sorrindo.
— Não importa. Você vai cuidar dela, acima de tudo. — Ordenou ele.
Eu ri, por fim.
Ele me encarou.
— O que foi? — Ele estava irritado, novamente.
— Eu vou ficar bem! — Tentei dar certeza ao dizer essa frase.
Ele deu de ombros.
— No dia em que você vier buscá-la, eu vou repetir tudo, de novo. — Ele foi tão sombrio e possessivo.
— OK! OK! — Ela riu. — Agora eu preciso ir. Boa Noite!
Ela desapareceu.
O Bill me olhou e balançou a cabeça. Eu entendi como um "eu não acredito".
Peguei em sua mão — ela estava suando — e beijei seu rosto.
— Vamos dar uma volta? — Sugeri.
— São 3h da manhã.
— Por isso! — Arfei. — Não tem pessoas na rua.
— Então vamos. — Concordou por fim.
Ele foi para o quarto vestir uma roupa mais quente; eu fiz o mesmo e saímos em silêncio, a Anna ainda não estava em casa.
A única coisa que circulava por NY — àquela hora — eram os carros.
Andamos em silêncio, pelas calçadas da cidade mais linda do mundo.
O Bill parou.
— Por que você vai fazer isso? — Ele estava nervoso.
— Por você! — Afirmei entredentes.
Ele me olhou com desprezo em seus olhos — eu vi — e se afastou de mim.
— Como você pode arriscar sua vida para ficar com alguém como eu? — Exaltou a voz. — Isso não está certo. Você não deve mudar por mim — ele franziu a testa e seus olhos me afogaram naquela imensidão. — Eu não mereço isso, e só de pensar que posso te perder para sempre, me sinto inútil. — Ironia pesada. Ele estava sendo cruel e sarcástico. — Eu sou um crápula egoísta, que só quer te ter ao lado. E você é gentil, inteligente e doce. Eu não suporto ouvir você dizendo que é por mim.
— Cala a boca! — Gritei incomodada.
Eu não queria ter dito aquilo.
— Desculpe. — Implorei.
— Só me diga o porquê? — Ele estava com um brilho perverso e dominador nos olhos.
— Amor. Todos vivemos milhares de vidas em uma só. — Eu disse, mas, ridiculamente, minha voz falhou. — Mentimos, roubamos, ignoramos e amamos. Não quero fazer parte desse mundo cheio de ódio, inveja e mentiras, eu quero ser diferente por meus atos e conceitos. — Arfei. Eu não tinha certeza do que dizia. — Não quero ser como "Furacões e Sois", eu quero ser como a brisa do mar. — Comparei. — Eu preciso apenas de você, do seu amor. Não tente tirar isso de mim, porque eu não vou permitir. Não quero te deixar ou te magoar, só quero encontrar uma saída. — À medida que eu falava, um tom sério se esgueirava por minha voz.
— Mas...
— Eu vou, para poder ficar em paz com você. — Eu o interrompi. — Eu tenho sonhos, e tudo que eu quero é me casar, morar em um lugar confortável e construir minha família. — Deixei explícito. — Eu só quero ser feliz. Amor, eu tenho que fazer isso e não quero ser obrigada a lutar contra você. Não temos que brigar. — Meu coração acelerou. — Eu não sei muito sobre essas coisas, só queria sair correndo com você, conhecer o mundo. Ninguém pode me dizer como sentir o que só sinto por você.
Fechei os olhos, segurando as lágrimas.
— Por favor — continuei — não tenha medo, eu vou sair desta confusão. Você nunca estará sozinho, eu te amo, e isso é tudo o que eu sei. — Eu estava frustrada. — Você está em mim, eu sinto você — coloquei a mão em meu cordão — e acredito que sempre vou sentir. Vivemos em um mundo corrompido pela dor, mas não quero acreditar que possa ser real. Tudo que vier será o certo, e você sabe como agir, o que fazer. Apenas, deixe acontecer... — suspirei — espere por mim.
Ele me abraçou — desesperadamente — encostando-me à parede de um dos prédios.
— Amor, desculpe por ter gritado com você, por ter sido idiota e masoquista. — Sua voz implorava. — Desculpe por eu ter sido tão rude, eu juro que não queria, mas eu não consegui aceitar a ideia de te perder.
— Tudo bem — sorri de leve — eu teria sido mais rude se fosse com você, no meu lugar.
— Eu te amo! — Disse ele, e me beijou.
Seu beijo falava mais do que qualquer palavra. Ele soltou meus lábios e beijou minha nuca, descendo até meu ombro.
— Kathy, olhe para mim. — Indagou, segurando meu rosto com as duas mãos. — Deixe-me dizer ao mundo que é você quem eu amo. Você quer ter certeza do nosso amor? — Sua voz era tão convincente, era impossível resistir a ela. — Então me deixe te dar essa certeza.
Eu não sabia se estava pronta para enfrentar tudo aquilo, mas eu queria deixar claro que eu o amava. E dizer "não" a ele, não era a coisa certa.
— Tudo bem! — Sussurrei depois de alguns minutos
— Você está falando sério? — Ele pareceu satisfeito.
— Sim. Eu não vejo mais motivos para esconder o nosso amor, não tenho mais medo das pessoas me odiarem. — Não consegui dizer a coisa certa. — Eu só me importo com você. Mas tem um problema...
— Qual? — Hesitou.
— E quando eu sumir, o que você dirá as pessoas? — Perguntei alto demais.
— Podemos pensar em algo. Ainda temos tempo. — Garantiu-me ele.
Ele parecia tão certo. Seus braços me prendiam na parede, me dando segurança.
— Sim. Podemos! — Foi só o que consegui dizer.
Ele me beijou — novamente — e apertou meu braço.
— Vem comigo! — Sugeriu, pegando-me nos braços.
— Para onde? — Perguntei, tocando a gola de sua camisa.
— Vamos viver o momento. — Disse ele, rindo.
Ele tirou a toca da cabeça — seu cabelo estava um pouco bagunçado — e a jogou no chão.
— O que você está fazendo? — Ralhei.
— Cansei de te esconder. — Afirmou.
Ele segurou minha mão e me puxou até um táxi.
— Diga-me, para onde vamos? — Perguntei.
— Você ainda quer aprender a patinar?
— Sim! — Respondi.
— Então, vamos ao parque! — Disse ele, entusiasmado.
O taxista ligou o carro e acelerou.
— Bill, você é maluco. — Eu disse.
Ele nem se importava, mas talvez ele pudesse fazer parte do jornal, de manhã.
— Eu sei. Mas você concordou! — Ele falava sobre, não, esconder nosso namoro.
— Eu concordei, mas não pensei que seria agora. Isso é loucura. — Conjecturei.
— Não é loucura, é amor. — Ele sorriu.
Desisti de ir contra ele. Aconcheguei-me em seu abraço.
Chegando ao parque, senti um frio na barriga. Desci do táxi — minhas pernas tremiam — tentei ser cautelosa.
Estávamos sem patins, isso seria um ótimo motivo para não nos arriscarmos.
— Bill. Infelizmente, não trouxemos patins. — Ele me olhou e riu. — O que foi?
— Você, sempre tentando arrumar uma maneira de fugir. Mas desta vez não funcionou. — Ele deu de ombros.
— E como vamos patinar? — Insisti que não poderíamos.
— Amor, tem uma loja de patins bem ali — ele apontou para o outro lado da rua — do outro lado.
— Verdade. — Eu devo ter feito uma cara de decepção.
— Vamos lá? — Sugeriu.
— Claro! — Murmurei.
Haviam mais pessoas do que o normal, no parque. Era estranho, pois ainda era madrugada. Acho que era culpa do — tão esperado — fim de ano.
Entramos na loja e eu fui para o corredor de patins femininos; encontrei com algumas garotas. Elas não eram americanas, pareciam garotas da Ásia. Torci para que elas não fossem fãs da banda do Bill, ou que — pelo menos — não o conhecessem.
Olhei no relógio — na parede da loja — e vi que já era 4h da manhã. Sem ânimo, fiz aquela busca por um patim, demorar o máximo possível.
Escolhi um par de patins — branco — e fui até o caixa, pagar. Ao me aproximar, vi as garotas. Elas estavam tirando fotos com o Bill, eu me assustei. Tentei me esconder atrás de uma das prateleiras, mas o Bill me viu; ele sorriu, sarcasticamente.
— Ela está ali! — Apontou para mim.
Seu sorriu me dava medo.
Eles vieram em minha direção. Foi tão rápido, eu estava paralisada. — Como sempre.
O Bill me abraçou e beijou meu rosto, em segundos as garotas se aproximaram e tiraram uma foto. Senti-me estranha e idiota.
— Obrigada! — Disse uma das garotas.
O Bill continuou abraçado comigo — eu queria brigar com ele — mas eu estava gostando. Sentir-se especial, saber que as pessoas estão olhando para você, perceber que você pode ser mais do que já é. A sensação de estar com alguém importante é essa, e principalmente quando essa pessoa é mais importante ainda para você.
As garotas saíram. Olhei para o Bill.
— Você sabe onde essas fotos vão estar amanhã? — Hesitei.
— Sei. — Ele não estava nem um pouco preocupado.
— Foi de propósito, né!? — Acusei-o.
— Sim. — Afirmou sem hesitar.
Eu o ignorei e fui pagar os patins. Ele passou na minha frente e pagou.
— Eu ia pagar! — Murmurei.
Ele deu de ombros.
Fomos em direção à pista de patinação. Haviam umas 30 pessoas ali; eu fiquei tonta — sem sintomas — e cai na neve. O Bill estendeu a mão para me ajudar.
— Está tudo bem, atrapalhada? — Indagou rindo.
— Muito engraçado. Eu queria que você fosse atrapalhado com eu. — Desejei. — A gravidade me odeia.
— É porcentual à sua altura! — Disse ele, ainda rindo.
— Só porque você é alto, não significa que possa rir de mim. — Defendi-me.
— Não estou rindo. — Argumentou.
— Não... — hesitei — imagina se estivesse.
Sentei-me em um banco e ignorei o fato de estar prestes a cometer o maior mico do século.
— Está pronta? — Perguntou.
— Sinceramente? — Rosnei. — Não!
— Vamos amor, vai ser legal. — Insistiu.
— Você sempre consegue o que quer, incrível. — Concordei.
Ele pegou em minha mão e me puxou até a pista de gelo. Calçamos os patins e fomos até o centro da pista. Ninguém se incomodou com nossa presença, nem ligaram para o Bill — isso me deixou mais tranquila — e todos estavam felizes. Eles caíam, mas se levantavam até aprender.
— Se segure em mim. — Ordenou.
— Com certeza! — Afirmei, ridiculamente.
Ele me guiou até o final da pista. Seus passos eram perfeitos, eu tive certeza de que ele não era um principiante.
Eu o soltei.
— O que foi? — Perguntou confuso.
— Você me enganou! — Ralhei.
— Te enganei? — Revirou os olhos, ainda confuso.
— Sim. É óbvio que você sabe patinar e você disse que não sabia. Por quê? — Eu estava irritada com ele.
— Amor, se eu te contasse que sabia, você não iria querer aprender. — Disse ele. — Ficaria envergonhada por não saber e com medo de que eu risse de você.
Afinal, ele estava certo.
— Você tem razão. — Admiti. — Mas não custava nada ter dito a verdade.
— Sinto muito. Eu não devia ter mentido. — Ele foi sincero e atrapalhado.
— Tudo bem. Eu te amo, mesmo assim. — Dei certeza.
Ele me abraçou e selou meus lábios.
— Quer tentar ir sozinha? — Sugeriu, pisando no meu pé.
— Só se você prometer que não vai rir. — Indaguei, manhosamente.
Ele já riu com o que eu disse.
— Eu prometo!
Sai — meio atrapalhada — cambaleando. Não foi tão ruim como imaginei, mas acabei caindo a poucos metros de distância.
Ele segurou o riso — vi pela cara que fez — apertou os lábios e virou o rosto.
Eu me levantei e tentei de novo. Perdi as contas de quantas vezes eu o fiz. Finalmente consegui fazer todo o percurso, sem cair; o Sol já estava nascendo, fraco e escondido atrás das nuvens. O tempo passou muito rápido.
Eu fui até o Bill — me orgulhei de conseguir chegar até ele sem cair — peguei em sua mão — ri ao ver seus dedos tatuados entre os meus dedos, brancos e compridos — e o levei até uma brecha de Sol, que clareava a pista.
— Obrigada! — Eu disse. — Obrigada por fazer parte da minha vida, por me amar, por sempre estar comigo e por me fazer sentir a pessoa mais feliz — apertei sua mão — do mundo. Nunca vou esquecer todos os momentos que passei ao seu lado.
— Eu, apenas, te amo. Um amor incondicional. E é isso que me liga a você. — Afirmou, apertando seus lábios em minha testa.
— Eu sei. — O abracei o mais forte que consegui.
Ele tocou meus lábios com a ponta dos dedos e me beijou. Eu me sentia fraca diante do amor que sentíamos um pelo outro. Era como se fôssemos um só.
Meu coração — idiota — disparou.
Eu só tinha medo de que tudo pudesse acabar.
— Bill, você não tem medo? — Perguntei na retaguarda.
— Medo de quê? — Perguntou, em voz alta.
— Eu sou uma espécie de monstro, uma Bruxa. — Engoli em seco, aquilo pareceu cortar minha garganta.
— Você jamais será um monstro! — Afirmou.
Ele colocou a mão — gelada — em meu rosto.
— Você não se assusta com isso? — Insisti.
— Não. No começo, quando eu te vi daquele jeito eu me assustei. Mas foi medo de perder você. — Ele gostava de tornar tudo pior.
Eu o olhei nos olhos e abaixei minha cabeça.
— E se não for assim? — Continuei, com minha voz quase falhando.
— Vai dar tudo certo! — Disse ele, com uma certeza imensa, mas eu sabia que não era certo. O que viria era totalmente desconhecido para mim.
— Talvez você tenha razão. — Sorri. — Vamos embora?
— Vamos! — Concordou.
Durante nossa caminhada até meu apartamento, eu percebi que o Bill estava cansado. Eu me sentia bem — talvez fosse pelo que estava acontecendo — sem sono. Era estranha a ausência do sono, mas eu devia me acostumar. Afinal, eu não era mais tão "humana".
Eu queria falar com a Libby, então aproveitei que o Bill estava exausto e o deixei dormindo no apartamento; enquanto eu sai. Fui até o parque na esperança de encontrá-la. Eu não sabia como funcionava o lance de pensar nela e ela aparecer. Eu pensei nela e nada aconteceu.
Olhei para minha mão direita — ofuscada — e vi o anel que o Bill havia me dado. Ele brilhava com as pequenas flechas de Sol que se perdiam nos galhos — congelados — das árvores.
Senti um arrepio.
— Oi! — Era a Libby.
— Que bom que você veio. — Eu disse, entusiasmada.
— É... eu precisava te entregar algo. — Continuou.
— O quê? — Hesitei.
Ela pegou um cordão. Ele era de couro e tinha um pingente em forma de círculo, com alguns desenhos em volta. Com uma estrela — de 5 pontas — dentro do círculo, e bem no meio da estrela havia uma — pequena — pedra azul. O pingente era prata.
— É um pentáculo, usado como pingente. — Respondeu, seriamente. — Representa um pentagrama circunscrito, ele é muito usado como símbolo "Wicca". Mas esse não é como os dos Wiccanos, este é o verdadeiro cordão. Nasceu junto com as primeiras Bruxas — explicou — e é passado de geração em geração. Cada família adquire um que, diferente dos outros, possui uma cor única em seu centro. Veja — ela tirou o que tinha no pescoço, escondido na gola de seu casaco — o meu tem a pedra vermelha, e o seu a pedra azul. O Lion — ele parou — tem o cordão com a pedra roxa.
— O que é Wicca? — Hesitei confusa.
— É uma religião neopagã. — Senti o arranhar de sua voz.
— Mas eu sou Cristã. — Atropelei as palavras.
— Eu sei. Não se preocupe, não somos da Wicca. — Afirmou. — Só usamos o mesmo cordão, e na verdade nem são iguais. Pode até ser parecido, mas o deles não é como o nosso.
— Por que eu tenho que usá-lo? — Franzi a testa.
O cordão era bonito, mas era muito chamativo para mim.
— É como uma identidade. — Esclareceu. — Quando chegarmos à Inglaterra você precisa estar com ele. Porque as outras Bruxas vão te identificar através dele. Temos um pacto com as Bruxas de lá.
"Pacto?" — pensei.
— Que pacto? — Murmurei, sem entusiasmo.
Ela se fechou, me ignorando por alguns — longos — segundos. Achei que ela não queria me responder.
— Como eu já disse, existem Bruxas más. Elas fazem coisas horríveis, que você jamais poderia imaginar. — Contou. — Elas também têm um pentáculo como o nosso, mas o delas tem um bode no centro, que simboliza o "mal".
Ela colocou seu cordão de volta, no pescoço e continuou:
— Nós sentimos a presença umas das outras, e isso, nos leva a se encontrar. Elas matam qualquer Bruxa que não tenha um cordão, mesmo que seja de seu grupo ou família.
— Por quê? — Olhei para ela, tentando descobrir sua expressão.
— Consideram isso traição. E se elas sentirem seu poder e você estiver sem o pentáculo. Será fatal — ela parecia preocupada — porque elas odeiam Bruxas mais poderosas que o "normal".
— Ótimo. Cada dia que passa me vejo mais encrencada. — Arfei.
— E você está. — Disse ela, sem hesitar. — Mas o bom em ser uma Bruxa é ser imortal.
Ignorei a parte de imortalidade e fiquei curiosa sobre os poderes.
— E quais são os poderes?
— Telecinética e Psicocinética, que são poderes que causam movimentos em objetos físicos por meios diferentes, sendo mental ou oculto. Mas não é recomendado...
— Por quê? — Interrompi curiosa.
— Porque dizem que dá uma tremenda dor de cabeça, depois. — Riu. — E por último, talentos ocultos, onde cada um obtém diferentes e variados, dons.
— Tudo isso é estranho! — Afirmei.
— Eu sei.
Ela se levantou, colocou o pentáculo em meu pescoço e, tornou a sentar.
— Sabia que os Warlocks são mais fracos que as Bruxas!? — Continuou.
— Sério? — Fingi me interessar. — Nossa é muita coisa! Eu nunca imaginei que isso pudesse existir. É um mundo "surreal" dentro do nosso, nunca imaginei que essas coisas existissem. Então há outros tipos de criaturas, como nós?
— Existem, mas vou deixar você descobrir sozinha. Na Inglaterra, você vai saber muito mais. Inclusive — lembrou — nunca confie em uma pessoa com uma marca física, como uma garra, debaixo do olho esquerdo. São iniciantes, ou seja, eles trabalham para as Bruxas, em troca de vingança. Eles pedem favores às Bruxas e pagam com trabalho ou outros favores.
— Claro. E como você consegue se tornar um lobo? — Deveria ser um dos talentos ocultos.
— Metamorfose. Eu me esqueci de mencionar. — Indagou, ela estava pensativa.
— É um dos talentos ocultos? — Continuei.
— Não. Todas temos. — Afirmou, olhando para suas mãos.
Depois ela revirou os olhos para o céu.
— Então seu talento oculto deve ser, saber quando estão pensando em você. — Supus.
— Acertou. — Imaginei que seria aquilo. — E tem mais alguns que você vai descobrir quando for uma Bruxa, por completo.
— Já que você não quer me contar, não vou insistir. — Indaguei.
Voltei a olhar para o meu anel; eu via o Bill nele.
— Você o ama muito, né!? — Objetou.
— Mais do que tudo. — Confirmei.
— Eu já senti isso por alguém. — Contou ela, mesmo parecendo triste.
Ela olhou para as árvores, como se precisasse resgatar vagas lembranças do passado.
— E o que aconteceu? — Perguntei.
— Não vai dar para te contar agora. Tenho que ir. — Ela fugiu do assunto.
— Quando você pode voltar? — Perguntei esperançosa.
— Vai demorar, um pouco. — Garantiu-me.
— Tudo bem. — Murmurei.
— Até logo. — Ela estava muito triste.
— Até logo. — Hesitei.
Ela sumiu rapidamente.

Leb' Die Sekunde & Escreva Você Mesmo Seu DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora