Capítulo 1

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Acordo antes do despertador tocar, fecho os olhos com força para tentar dormir mais um pouco só para ter a sensação de paz de volta, porem enquanto mais tento mais uma angustia me consome. Sem forças para lutar contra a maldita dor que faz parte de mim levanto da cama e tiro o alarme do celular que irá tocar daqui algumas horas me fazendo lembrar o quão patética minha vida se tornou.

Sigo direto para o banheiro, faço minha higiene pessoal e saio para cozinha.

Abro os armários e mesmo com tantas coisas pego o de sempre, despejo o cereal numa tigela onde tem Iogurte, me sento na bancada e tomo meu café da manhã.

Mastigo e nada, engulo e como acontece a dois anos nada tem gosto, nada tem cor nem vida.

Termino de comer e lavo o que sujei, sigo para meu quarto e depois de arruma-lo exatamente como faço todos os dias, sigo para o banheiro, tomo um banho no automático e como se meu corpo fizesse o que foi programado para fazer ele segue sua rotina.

Saio do banheiro enrolada em um roupão, seco meus cabelos negros que estão na altura do ombro, pego uma roupa qualquer, já que quase todas são brancas, me arrumo em frente ao espelho e sem conseguir me deter aliso minha barriga. Um sorriso triste se molda em meu rosto, a dois anos atrás eu estava alisando uma protuberância que seria meu mundo, hoje tudo que tenho é um útero seco e morto, exatamente como minha vida.

Limpo uma única lágrima que escapa dos meus olhos, a dois anos perdi tudo, meu filho, minha amiga, meu noivo, meu mundo. Até as lágrimas secaram como meu ventre.

Meu celular toca me tirando dos meus devaneios, tento ignora-lo como faço todos os dia mas a insistência me faz ter certeza que minha mãe não desistirá tão fácil.

– Oi mãe – atendo sem ao menos ver o nome na tela.

– Filha porque demorou tanto para atender? Tudo bem? – Sua pergunta é a mesma de todos os dias.

– Estava me trocando mãe, está tudo ótimo. Como estão as coisas por aí? – pergunto tentando tirar sua atenção de mim.

– Estaria melhor se você estivesse aqui...

– Mãe não começa por favor – falo seguindo para sala e me jogando no sofá.

– Filha eu e seu pai sentimos sua falta, não entendo porque não volta para casa. Não tem nada aí que te prenda.

– Tem as minhas lembranças mãe – meu sussurro sai baixo e controlado.

– Malditas lembranças que quase te tiraram de mim.

– Foram apenas elas que me restaram, não vou deixar nada para trás. Pare de insistir mãe, por favor, ou paro de atender suas ligações – seu soluço do outro lado da linha me corta o coração.

– Eu só tenho medo de te perder – fala baixo com a voz embargada.

– Eu morri a dois anos atrás, não restou mais nada para perder – mesmo sabendo que minhas palavras destroem o coração da minha mãe não consigo controlar as palavras que saem da minha boca

Olho para meus braços e as cicatrizes me lembram até onde fui capaz de chegar quando a dor foi maior que minha fé. Eu desisti da vida quando a vida insistia em fazer parte de mim.

Hoje já não penso em fazer mais nada, mesmo porque até isso não tive capacidade suficiente. Eu aprendi que tenho que conviver com minha dor, e não fugir dela.

– Então o que acha?

– O que acho sobre o que? – pergunto confusa

– Você não estava prestando atenção em mim Gabriela? Eu disse que amanhã estarei aí, estou com saudades e vou te visitar.

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