Capítulo 5

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Os dias passam rápidos, vejo kamilla saindo do consultório médico quase todos os dias, mas passo por ela sem dá a chance dela tentar falar comigo. Tudo que desejo é manter distância dela e deixar meus dias voltarem a ser o que eram antes da sua chegada.

Estou no meu horário de almoço e sem fome nenhuma, vou até a lanchonete que tem dentro do hospital e peço um suco de laranja. Me sento enquanto aguardo e pego meu celular para responder às inúmeras mensagens da minha mãe .

– Posso? – Vinícius pergunta me assustando.

– Claro, fique a vontade – falo apontando para a cadeira à minha frente. 

– Muito trabalho? – pergunta puxando assunto e guardo meu celular para lhe dar atenção.

– Para uma sexta feira, isso aqui está o céu de tão tranquilo – falo e ele sorri.

– Pena que não posso dizer o mesmo.

– Problemas? – pergunto enquanto um atendente serve meu suco e um café para Vinícius.

– Eu faço isso a anos Gabriela, e não me acostumei a olhar dentro dos olhos de um paciente e dizer que ele está morrendo. Que eu, que passei anos da minha vida estudando, que me dedico dia e noite em pesquisas, não sou capaz de salvar sua vida. É frustrante. – fala com o semblante cansado.

– Nem sempre está em nossas mãos, as vezes devemos apenas ter fé e esperar por um milagre – falo e ele sorri.

– Acho que ela desistiu desse milagre – fala e meu estômago se embrulha. Ele está falando de Kamilla.

– Quanto tempo ela tem? – pergunto e ele me encara por alguns segundos antes de responder.

– Você não conversou com ela ? – pergunta curioso.

–Não. É complicado. – falo e ele assente.

Seu celular toca e ele pede licença para atender sem sair da mesa. O vejo falando com alguém do outro da linha com carinho e não consigo deixar de notar sua beleza. 

Vinícius tem os olhos castanhos combinando com a cor de seus cabelos, tem a pele bronzeada, e uma barba cerrada. Seu sorriso é lindo e misterioso.

– Mas o papai disse que vamos amanhã meu anjo – fala com carinho – Eu sei, mas agora não podemos ir. Papai precisa trabalhar, mas quando chegar em casa vou te dar uma beijo de boa noite. Prometo. Amo você Malu.

Ele desliga o telefone e o encara enquanto suspira alto.

– Minha filha – fala mostrando o celular antes de guardar no jaleco.

– Quantos anos? – pergunto e ele sorri orgulhoso.

– Quatro. Mas é muito esperta para sua idade – fala orgulhoso.

– Imagino. Deve estar na fase de querer saber sobre tudo.

– Queria ser mais presente, poder explicar a ela sobre todas suas curiosidades, mas a rotina aqui do hospital é de enlouquecer – fala com pesar.

– Eu que o diga, as vezes saio daqui e só consigo tomar um banho de dormir.

– Mas e nas suas folgas, não aproveita? – pergunta curioso.

– Há muito tempo não sei o que é aproveitar minhas folgas – falo e ele me olha de testa franzida.

– Sério isso? Mas não pode. O que acha da gente marcar alguma coisa qualquer dia desses? – me engasgo com sua proposta.

– Sair?

– Sim, eu e você, podemos chamar alguns médicos amigos meus, vai ser divertido.

– Não, eu gosto de ficar em casa no meu canto. Mas se mudar de ideia eu te aviso. – falo desviando do assunto, não quero sair com ninguém muito menos um homem casado.

– Você é sempre tão hostil assim? – pergunta divertido.

– Quando recebo convites de homens casados sim – falo dando de ombros.

– Desculpa? Casado? 

– Sim, você falou da sua filha então...

– Já fui casado, minha mulher morreu no parto da Maria Luiza. Sou viúvo – fala e sinto minhas bochechas queimarem.

– Meu Deus. Sinto muito Vinícius. Não queria ser inconveniente. – falo envergonhada.

– Eu deveria ter explicado antes de fazer o convite. Não se preocupe. Mas caso mude de ideia, me avise. Podemos marcar algo legal. – fala se levantando e minha vergonha é tanta que só consigo assentir para ele que pisca um olho e sai sorrindo.

Faz tanto tempo que não saio com ninguém que a simples ideia me deixa apreensiva, não que iria rolar alguma coisa com Vinícius, mas sinto que meu coração não está disposto a se entregar para ninguém, e para falar a verdade aprendi a conviver com a minha solidão e gosto dela. Ela se tornou uma boa amiga.

Volto ao meu consultório para terminar meu expediente, amanhã é minha folga e antes de ir para casa vou ir ao shopping comprar alguns filmes para passar o dia todo na frente da tv.

Finalmente o dia acaba e faço exatamente o que planejei, comprei vários filmes e uma temporada de uma série que minha secretária me indicou, passo em uma loja de doces e compro chocolate e batatas. Não resisto quando passo em frente a uma livraria e vejo o livro que a muito tempo queria comprar. Com as sacolas nas mãos sigo para o estacionamento.
Antes de ligar o carro para ir embora, meu celular toca. Não reconheço o número mas atendo mesmo assim.


– Dra. Gabriela? – a voz do outro lado parece aflita.

– Sim, quem é? – pergunto preocupada.

– Sônia, a babá de Gabriel, a senhora pode vir aqui? – suas palavras me assustam.

– O menino... ele está bem? – pergunto e um nó se forma em minha garganta.

– Está, ele está ótimo. É a mãe dele, Kamilla. Ela... a senhora pode vim? – fecho os olhos com força e encosto a cabeça no banco do carro.

A melhor decisão que posso tomar nesse momento é me negar a ir, eu não tenho nada haver com a vida dela muito menos com o que acontece com ela.

Mas porque sinto essa necessidade de ir até lá e saber se está tudo bem? 

Essa mulher foi a minha maldição, porque não posso seguir a odiando com todas as minhas forças? Porque a vida a coloca novamente em meu caminho de um jeito perturbador?
Que jogo é esse que estão jogando comigo? Eu sou humana, tenho sentimentos que foram feridos por causa dela, e sou eu que tenho que ir ao seu socorro quando ela precisa?
Porque eu?

Quando eu precisei ela não estava, quantas noites chorei sentindo falta do seu abraço, quantas vezes abafei o grito no travesseiro por sentir saudades da pessoa que eu mais desprezava na vida?

Quantas vezes senti culpa por tê-la conhecido e por tê-la amado tanto? Ela me fez tão mal, porque tem que ser eu a ir até lá sendo que quando eu sofri estava sozinha?

A culpa se mistura com a raiva dentro de mim, mas é a compaixão que vence.

–Me passe o endereço senhora.

– Graças a Deus – fala antes de ditar o endereço para mim.

Eu vou até lá, vê o que está acontecendo e ir embora. Pouco me importa se ela está em estágio terminal, já vi várias pessoas que receberam diagnóstico de câncer viver por muitos anos com ela não será diferente.

Vou apenas me assegurar que está tudo bem e fazer o que planejei para a minha folga.
Não vou deixar que ela continue interferindo na minha vida desse jeito.
Ela é meu passado, e é lá que vaí ficar.

Mas porque tenho a sensação que a vida vai virar esse jogo? Tenho medo do que vou encontrar, eu perdi minha amiga anos atrás, estou indo ver uma estranha mas tenho a sensação que a minha vida nunca mais será a mesma depois de hoje.


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