Capítulo VII

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Eram 5 da manhã, eu andava da Lapa até a Central do Brasil.

No meio do caminho, eu me perguntava do que eram feitas as nuvens. Eu não sei se eu perguntava porque trocava as pernas ou se era por causa do sorriso, dos olhos, das mãos, da pele, do cheiro, do beijo dela.

Ela.

Peguei o ônibus sentido zona norte, e dormi.

As vezes o inferno começa quando o céu termina.

Acordei no ponto final de um bairro que nunca tinha ido. Estava morrendo de frio, pois o o motorista do ônibus achou que dirigia um caminhão frigorífico. A fome estava do tamanho da falta que eu sentia da minha cama. Acabei de lembrar que daqui a algumas horas iria trabalhar.

Veículo particular, no crédito.

Eu só podia rir disso tudo.

Sinceramente, recordo-me de acordar no trabalho. Como num filme de ficção científica, quando a personagem desperta em outro mundo, começa a olhar as mãos, os braços, procura um espelho pra saber se tem o mesmo rosto, se é a mesma pessoa.

Eu me olhei no espelho, eu não era a mesma, depois da madrugada.
Eu atravessei o rio, eu não era a mesma.

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Jéssica, que já conhecia meus estados de espírito, enchia minha garrafa de água e me vigiava para comer bem. Ela sabia, sem eu dizer nada, quando eu estava de ressaca.


No intervalo, fomos dar uma volta pela Uruguaina. O Club Café ficava em uma daquela vielas perto da Carioca.

As vezes eu e Jéssica nos perdíamos para nos encontrar, toda vez quase esquecíamos a hora de voltar do intervalo. Aquelas ruas de labirinto escondiam nossos segredos.

- As suas olheiras me sorriem... isso quer dizer que alguém transou ontem a noite!

Disse Jéssica, soltando sua risada junto com o trago do cigarro.

- Meu bem, eu não sei se você está com ciúmes ou com inveja. Mas para seu alívio eu não transei. Não Jess, peraí...

Jess me deu um soco no braço direito, daqueles de irmãos quando implicam um com o outro.

- Val, se manca! Sorte sua eu te conhecer pra saber que você não é tão convencida assim... E que mistério é esse que você não me conta quem é a garota? Não, espera. É aquela maravilhosa do chá de camomila? Eu não acredito que ela teve coragem de te ligar. Me conta tudo agora!

É claro que aquela conversa não acabou por ali. De novo, estava eu, depois do expediente, na Lapa. No meu quintal. E quintal enorme eu tinha.

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