Capítulo dez - Incertezas

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A noite pareceu mais lenta do que o comum para Mael, aliás, ele mal pregou os olhos.

Seu coração pulava impiedosamente e sem parar, e em sua mente os pensamentos iam e vinham, um forte sentimento de certeza os cobrindo de uma vez só, o mesmo lhe afirmava que algo o esperava fora dali.

Tudo passara rápido demais; Acordara em um deserto, sem nome, sem origem, sem nada. Porém não desarmado, e afinal, de onde conseguira tal arma? Quem era antes de acordar como um alguém totalmente estranho para si mesmo? Suas únicas lembranças eram escassas; sendo essas as primitivas e seu próprio nome. E parecia que tudo em si lhe privava de respostas, sendo a única esperança restante o mundo além dos perdidos.

Foi por isso que, sem pensar mais, concluiu que pediria para participar das expedições para a cidade, não havia nada a ganhar ficando parados em um só lugar, e alguns dos perdidos pensavam assim. Faziam-se quase um ano desde que Ben e seu grupo de sobreviventes tomaram a base militar, já dos desastres, estava prestes a completar dois anos e meio. Sabia disso pois ouvira de um dos encarregados enquanto trabalhava na oficina de Trevor, e não porquê sua mente havia trabalhado e lembrava-se parcialmente de algo. Tanto tempo se passou e a humanidade estava parada em um só lugar; cercada, com medo de reagir às ameaças do mundo atual, e isso não traria muito além de seu fim.

Ele havia levantado em um salto aquele dia, todas as suas forças colaborando e torcendo para que aqueles pensamentos não se dissipassem com o tempo. Sequer ele sabia o que a cidade com seus mortos vivos queriam com ele, mas sabia que o esperavam. Desejava ele que, suas ruas mórbidas sussurrassem quem ele era, o que ele fazia ali, por que foi parar no deserto. Sua ausência de consciência e memória no momento que despertou era incômodo, o atormentavam, como um ser humano poderia esquecer até mesmo seu nome sem algum motivo em específico? Mael certamente, queria saber porquê não se lembrou do seu tão cedo.

Percorrer os gigantescos metros da base sobre um sol escaldante fora a parte mais difícil, Benny não estava em lugar nenhum, e por um momento, temeu que já tivessem partido, se sim, seu plano seria arruinado. Ele certificou-se nos dois depósitos, na cozinha, cuidadores e nas plantações, e nada do bendito cujo. Pensou até que já teriam partido, e por dado momento, aquilo o decepcionou, até localizar dentro dos limites da base militar a elevação retangular, onde a porta de ferro encontrava-se parcialmente acima do solo. Trevor costumava deixa-la totalmente aberta naquela hora do dia, e aquilo lhe trouxe novamente esperanças. Avançou com o coração palpitante até a oficina ao qual trabalhava diariamente, evitou de infiltrar-se no local logo pela frente, e usou a entrada dos fundos, onde um matagal protegia a porta sem tranca quase como um forte. Esgueirando-se, ele a empurrou, e um rangido metálico anunciou a sua entrada.

Estava vazio e escuro, a unica iluminação vinda das perfurações no teto lapidavam as poeiras dançando no ar, apenas com o rosto para dentro ele analisou o local, e mais uma vez, nada. Suspirou desapontado, se conformando que ficaria preso ali e apenas sobreviveria, deixando para trás qualquer bobagem que sua mente nada sã lhe proporcionava. Prestes a retirar-se, algo lhe fez protestar.

-- Viu? Não era nada. Deve ter sido o vento. -- Aguçou bem os ouvidos para certificar-se que ouviu a voz feminina sussurrar.

-- Vá checar então!

Em seguida, botas esmagando o solo poeirento da oficina, exatamente em sua direção. Mael encolheu os ombros.

-- Mael? -- Os poucos respingos do sol iluminaram o rosto de Benny. -- O que faz aqui? Trevor não te chamou hoje.

-- Hã... -- Ele relutou. -- Eu sei, é que..

Ben ficou em silêncio, esperando que o garoto prosseguisse.

-- Ben?? Está tudo bem? -- Ouviu a voz forte de Trevor ficar cada vez mais próxima, até que seu corpo robusto fosse revelado através do arco na parede destruída. -- Mais um dos fedelhos? Pensam que isso é o que? uma excursão para um museu de artes?

Mael coçou a garganta, ouvindo os ecos da voz robusta do ogro.

-- O que veio fazer aqui, garoto?

Ele pôs-se rigidamente a frente dos dois homens, praticamente expulsando as palavras de si;

-- Eu quero ir também.. para a cidade.

Eles o encararam bem, incrédulos, como se zombassem do corpo esguio que o garoto aparentava. Ele sentiu-se como um mero roedor logo a frente de dois leões, e ainda assim, torceu para que ambos conscentissem com seu desejo.

-- E você quer agir como? vai ser a isca dos murgos? -- Os labios de Trevor se inclinavam conforme zombava do garoto. -- Sinto em te informar, mas eles preferem aqueles que tem mais carne. Você não duraria um segundo na mão deles, serviria mais como palito de dentes.

Enquanto Trevor desdenhava, Benny lhe encarava com uma entonação nada agradável, relutando contra sua vontade. Mael torceu nariz, aquela tensão toda lhe dando borboletas no estômago, mas ainda assim, sua intuição prevalecia, e ele sabia que deveria confiar nela a todo custo.

-- A cidade é um lugar horrível, Mael. Os murgos dominam aquele lugar, estão em toda parte. E eles estão sempre com fome. Estão sempre atrás de presas, e não vão descansar até ver o último de nós rastejando no chão. -- Seu olhar era pesado, sofrego, como um alguém que viu seus companheiros morrerem um por um, e aquilo quase o fez recuar. -- Já que você tem a opção de ficar aqui, fique. E eu não estou ordenando, estou recomendando.

A mandibula do garoto enrijeceu, e todos os seus músculos colaboraram para que ele teimasse perante ao líder dos perdidos. Ele tinha que ir, a todo custo, sabia que tinha.

-- Já que isso não é uma ordem, eu escolho não ficar. -- Ambos se surpreenderam. -- Eu posso ser útil, vai ser melhor e mais rápido se mais gente ajudar. Eu.. só quero fazer algo para os perdidos também...

Uma onda silenciosa se propagou pelo ar, deixando perceptível a tensão que pairava sobre eles. Trevor recuou aos poucos, como se o que acontecia ali não fosse mais da conta dele, já Benny anuiu como resposta, assentindo.

-- Certo, tudo bem. -- O garoto levantou os olhos e soltou a respiração que ao menos sabia que segurava com ardor, e em dado momento, esvaíram-se todas as súplicas.

Trevor levou as mãos para os céus.

-- Não me responsabilizo por mais mortes. -- E após pronunciar, retirou-se.

Mael levou os olhos para Ben que o encarava com o mesmo pesar de um líder que preocupava-se com sua família, em um mundo onde o caos reinava, a única coisa que poderia fazer era proteger aqueles que amava, e Benny sentia-se impotente ao falhar nisso.

-- Venha, estamos discutindo as estratégias. -- Chamou-o com o braço, e de prontidão o garoto o seguiu para onde quer que fosse.

E mal havia certeza do que o esperava a partir daquele cômodo.

O caçador de mentes ( REESCREVENDO )Onde histórias criam vida. Descubra agora