Capítulo um - Dia um

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Ano 101
Após a Grande Revolução

Diante de seus olhos assomava-se um céu alaranjado e vazio. Teve de acostuma-los ao ar poeirento; quanto aos ouvidos, ao silêncio, apenas coberto pelo assovio surdo do vento. Um temor súbito e avassalador tomou conta de si, e fê-lo crispar os olhos diante do brilho opaco daquele sol frio, que não podia acalentar sua pele coberta de roupas grossas.

O chão fofo abaixo de si indicava finos grãos de areia, estranhamente quentes, adentrando as vestes e grudando no couro cabeludo. A cabeça continuava a latejar, talvez por ter passado muito tempo ali, sob densas lufadas de areia. Por fim levantou-se, sentindo a vertigem quase a puxá-lo de volta, e olhou adiante; uma vastidão composta apenas por dunas de areia, das quais não conseguia ver além de nuances, provocadas pela sua mente entorpecida. Um forte gosto amargo fazia-se sentir na sua garganta, semelhante a algum medicamento do qual não se recordava. Já de pé, sofria de uma acachapante tortura, como se o mundo girasse cada vez mais rápido e, implacável, não o permitisse retomar o pleno exercício da sua consciência.

A frente ele pode identificar grandes construções, uma semelhante a outra, apenas variando em seus tamanhos quase intermináveis, e de longe, pareciam meros retângulos.

— Hey!! — Sua voz ecoou pelo vazio, e a mesma saira assustadoramente estranha para ele. Quase rasgara-lhe a garganta quando gritou novamente; — Tem alguém ai?!

Somente o silêncio o respondeu, lhe dizendo que estava sozinho naquela vastidão. Definitivamente não sabia como fora parar ali, ou ao menos quem ele era.

"O meu nome." pensou. "Eu não sei meu nome."

Não saber quem era, ou porquê estava ali lhe parecia mais assustador do que o normal. Por um momento se desesperou, olhando para todos os lados a procura de qualquer sinal de algo ou alguém. E nada, nada além da extensa civilização logo a frente. Talvez não fosse tão longe quanto parecia, talvez poderia chegar a tempo; antes que a noite caísse de vez e ficasse escuro demais para os olhos se acostumarem.

Quase tropeçou em seu primeiro passo, até parecia que esquecera como se anda, o que soava ridículo. Tinha suas memórias primitivas, apenas flashes quase sem sentido, e estes lhe ajudaram a confirmar para si mesmo que estava em um deserto. Mais um passo e ele cambaleou, batendo as mãos contra a areia para evitar de ir totalmente ao chão, e em apenas um impulso já estava em pé novamente. Batera uma palma na outra, livrando-se dos grãos que grudaram na pele e encarou seus pés enfiados em duas botas de couro. Até agora não notara sua roupa; usava calças pretas e justas, uma camisa escura de mangas compridas e algo como um capuz negro sobre os ombros. Um coldre atravessava-lhe o peitoral, e nele uma arma estava presa. Ele puxou-a, e surpreso demais para pensar por que diabos carregava uma arma o garoto avaliou-a. Seu peso era maior do que imaginava, constatando que estava carregada.

Afinal, porque ele estaria no meio de um deserto, carregando uma arma e sozinho? Definitivamente havia algo de estranho acontecendo, e ele tinha um forte sentimento de certeza quanto aquilo. Mais uma vez os olhos alcançaram os prédios a frente, e com a arma em mãos, tentando equilibrar-se sobre pernas bambas, o garoto caminhou vagarosamente até seu objetivo.

Dez minutos e a garganta seca lhe implorava por água. Mais dez e as pernas quase falhavam. Mais cinco e já notava o quão grande aqueles prédios eram; olhando dali mal podia ver seu fim. Quando pisou no concreto sentiu uma tensão palpável no ar e o lugar parecia assustadoramente vazio. A areia invadia parte do pavimento, esbranquiçando vagarosamente aquele concreto mórbido. Sobre as calçadas haviam carros vazios e empoeirados, já nos postes poucas luzes oscilavam, ao contrário das janelas dos poucos prédios, das quais nenhum sinal de iluminação ou vida eram visíveis.

O caçador de mentes ( REESCREVENDO )Onde histórias criam vida. Descubra agora