Lucas acordou de seus devaneios assustado. Por pouco não havia perdido o ponto. Levantou-se do banco e tateou com seu bastão de Hoover o caminho até a porta do vagão. Seus devaneios sempre o levavam a aquele dia. O dia do acidente, há nove anos atrás. O acidente que levou sua mãe. E sua visão. Colocou os pés para fora do vagão, e começou a andar com cautela, tateando o chão a sua frente. A ONG onde estava indo não era muito longe. Ele ia regularmente lá, e tocava piano para as crianças.
Quando perdera sua visão, ele perdera completamente a vontade de tocar, afinal tudo que tocava lembrava sua mãe... e o acidente. Também havia o fato de nunca mais ter conseguido tocar tão bem quanto tocava, mais o fato de que quando começou a frequentar a ONG e tentava brincar com as crianças, elas corriam dele e choravam. A moça que coordenava as atividades de lá, vendo o desespero e tristeza de Lucas, o perguntou se ele havia alguma coisa que fosse bom, e ele respondeu que costumava tocar piano porém, quando iria dizer que não tocava há anos, a mesma o interrompeu dizendo que eles haviam um piano antigo, que estava dentro da sala de música da instituição.Quando ele se dirigiu a sala e abriu a porta, o cheiro inconfundível de úmido e mofo invadiram suas narinas. Logo, ele já começava a espirrar e tossir e chegou a inevitável conclusão que ninguém utilizava aquela sala havia anos. Caminhou um pouco pelo espaço, procurando pelo piano. Quando sentiu algo grande e pesado com seu bastão, o tocou com as mãos, reconhecendo o formato familiar do instrumento. Retirou com um movimento só o toldo que o encobria, tentando ignorar a quantidade de poeira que levantara ao fazer isso.
Começou a tatear em busca de um banco, e quando o achou, sentou-se percebendo que a sensação continuava a mesma. Ele ainda sentia a mesma sensação de calma e uma pontada de nervosismo, porém novos sentimentos também afloravam, como uma certa tristeza, felicidade e saudade. Por mais que não quisesse admitir, sentira saudade de tocar. Seus dedos deslizaram pelas teclas, começando imediatamente a tocar the moonlight sonata. Quando errava uma tecla, seu coração batia forte, angustiado e zangado com o que ele já não enxergava mais. E foi assim que voltou a tocar.
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Amor à primeiro toque
RomansaLucas era uma criança comum até sofrer um acidente que muda completamente seus dias. Seis anos depois, redescobre um motivo para continuar com sua paixão pelo piano, começando a trabalhar como voluntário em uma ONG, tocando para crianças . Dois ano...