Capítulo 13

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Ana olhou para o relógio em seu pulso, e deu um longo suspiro. As crianças já tinham se retirado para o jantar, então seu horário na ONG havia terminado. Ela passou os olhos pela sala de música, agora vazia. O piano continuava no mesmo lugar de sempre, porém ninguém tocava mais nele. Ana andou pela sala, passando as mãos pela madeira clara do instrumento. Sentou-se no banco, e levantou a tampa sobre as teclas. Sentiu-as em seus dedos, e perguntou-se no que Lucas pensava quando tocava. Nunca tinha perguntado para ele. Havia alguns dias que não tinha notícias de Lucas. Sentia muito sua falta. Sentia falta de sua voz, de seus sorrisos, de rir de suas trapalhadas. Ela sorriu, lembrando do dia em que dançaram na chuva, Lucas com os cabelos ensopados e bagunçados, o sorriso pelo qual se apaixonou estampado em seu rosto, os olhos verdes brilhando. Pela primeira vez em dias, se permitiu chorar, e o aperto em seu peito afrouxou um pouco. Sabia que se tivesse pedido a ele que ficasse, ele teria ficado. Mas como poderia tirar tão grande oportunidade dele? Ela tinha tomado a decisão correta. E sabia disso.

Haviam alguns dias que ele tinha partido, levando um pedaço dela com ele. Ana não tinha certeza se deveria ligar para ele, afinal, ele deveria estar muito ocupado. Por essa razão, esperava que ele ligasse. Mas ele não tinha ligado. Ainda. Ela levantou-se de súbito do piano, indo aos armários e pegando sua bolsa. Tinha de chegar rápido em casa. Ana despediu-se rapidamente de todos, abrindo a porta da ONG. O céu estava escuro, e grandes gotas já caíam, manchando o asfalto com pontos escuros. Ela correu, enquanto a chuva ficava cada vez mais forte, ensopando suas roupas, seus sapatos. Ana parou, o corpo tremendo. Precisava entrar em algum lugar para se secar. Ela avisou uma cafeteria, dirigindo-se apressadamente até a entrada.

O lugar estava cheio, e o que parecia ser um recital de poesia estava acontecendo no ambiente. Pessoas estavam de pé, e uma luz colorida iluminava o palco. Uma menina recitava seu poema, um caderno simples sobre o colo, as pernas cruzadas. Ela recitava as palavras suavemente, e descrevia um dia de verão, tomado por um sentimento de perda. Era um poema lindo,  e por alguns instantes Ana apenas ouviu o poema, esquecendo o por que estava ali. Ela estremeceu, caminhando entre a multidão , procurando um banheiro. Tentou secar-se como podia, apertando o cabelo molhado, torcendo as bordas das roupas desajeitadamente, os pensamentos desorganizados. Não poderia sair dali por um tempo. A chuva continuava forte,  e na verdade, só tinha piorado. Chegaria tarde em casa. Ela saiu do banheiro, voltando ao ambiente agitado da cafeteria. Apertou os olhos, reprimindo as lágrimas. Não podia simplesmente chorar ali. Ana abaixou a cabeça, concentrando-se em um ponto fixo no chão. Respirou profundamente, tentando se acalmar. Sentou em uma mesa próxima a porta, e esfregou os braços, tentando aquecer o corpo sem sucesso.

Observou o palco, e reparou que a menina estava saindo, e em seu lugar subia um menino de cabelos pretos, e olhos castanhos escuros, com uma expressão neutra  no rosto. Vestia uma camiseta cinza e um jeans desbotado, e seu olhar passou pela plateia, o semblante se suavizando. Ele se posicionou em frente ao microfone, e começou a recitar seu poema, a voz firme e determinada. Era um poema  sobre o mundo, com um crítica inserida de maneira inteligente, que fez Ana o encarar, os olhos levemente arregalados de surpresa, enquanto suas palavras se fixavam em imagens em sua mente. Ela conseguiu ver tudo, e se perdeu no tom de sua voz, devaneando. Só percebeu que continuava a o encarar quando os olhos dele se prenderam aos dela, e ele também arregalou os olhos de leve por alguns instantes, retribuindo o olhar. Ela enrubesceu, desviando os olhos rapidamente. Quanto tempo havia encarado ele? Ela corou mais ainda, como ele devia achá-la estranha, o encarando daquele jeito. Ana estremeceu, olhando para fora. A chuva começava a ficar leve, era sua chance de pegar o metrô. Ela levantou-se, indo em direção a saída, e estava caminhando em direção a estação, quando sentiu um toque em seu ombro. Ela virou o rosto em direção ao toque, e quase tropeçou quando viu o menino dos cabelos escuros, os olhos castanhos encarando seu rosto de maneira mais assustada do que a dela, como se não soubesse o que estava fazendo ali.

-Hã...- ele começou, e seus olhos ganharam o tom de confiança e seriedade mostrados no recital - Você está bem? Vi que estava tremendo muito, e que suas roupas estão ensopadas.- ele disse, fitando os olhos de Ana.

Ela o observou, confusa. Uns pingos de chuva ainda caiam, deixando gotas nas pontas de seu cabelo rebelde, e as bochechas estavam coradas pelo frio. Em suas mãos, estava um casaco azul.
Como se reparasse em seu olhar, o menino lhe estendeu o casaco, o semblante determinado, o rosto corando ainda mais.

- Ah, sou Henri, prazer.- ele disse, como se lembrasse que eles não se conheciam.

- Você não vai ficar com frio, se me entregar o casaco, Henri?- Ana perguntou com sinceridade,  o rosto queimando. Ela nem conhecia ele. Por quê ele estava tentando ajudá-la?

- Não, eu sempre acabo trazendo um a mais na mochila. - ele disse, dando de ombros.- Aqui.- ele colocou nas mãos dela, e seus dedos roçaram nos dela.

- Eu não posso aceitar...- Ana disse. - Você nem sabe se devolverei o casaco...- ela disse olhando para o lado, desviando os olhos dele.

- Eu sei que devolverá. Consigo sentir que você é uma pessoa boa. Todas as terças estou aqui na cafeteria. - ele respondeu, um sorriso surgindo em seus lábios.- Qual  é o seu nome?

- Ana.- ela respondeu.

- Estarei esperando pelo meu casaco então, Ana.- ele disse com uma expressão solene, que fez Ana rir.
Ele a  olhou, surpreso com sua risada, antes de voltar para a cafeteria, o coração disparado.

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⏰ Última atualização: Jun 04, 2020 ⏰

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