Capítulo 5 - Agora seja

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10 de janeiro de 1937...

∞ Violett Black

Desço as escadas ainda de pijama, logo após escovar os dentes... lembrei agora que esqueci de pentear os cabelos. Franzo o cenho chegando na cozinha clara e iluminada pelo Sol batendo diretamente na janela afrente à pia. Coço os olhos e jogo-me na cadeira. Já encaro a mesa farta para o café-da-manhã: torradas amanteigadas com ovo frito em cima. Há geleias também: framboesa, mirtilo e morango. Geralmente minha mãe fez suco de laranja, mas hoje ela quis quebrar a regra e fez de manga. Tem omelete de cogumelo e bacon também.

Eu vou engordar quilos desse jeito!

- Não tem nada mais light, mãe?

A repulsa na minha cara está mais nítida que cortina indiana.

- Ah, querida! Para quê? Você tem um corpo tão lindo!

Suspiro e reviro os olhos, garfando o omelete para até meu prato.

- Não vai continuar lindo assim se só tiver essas coisas calóricas para eu comer em todo café-da-manhã!

- Não seja boba! Você deve mesmo é comer! Passar fome não te dará forças para aturar o Sr. Bloomfield.

- Ele não é tão irritante quanto você acha que é.

O radio em cima do balcão, ao lado da geladeira cor de abóbora, falha em ruídos por uns segundos, me fazendo lembrar da existência dele. Ao menos a música desta época é boa. Digo, nada como as orquestras de antes, mas tem uma beleza tão lírica, chique e inovadora! Eu realmente gosto de como soa dançante! Ao mesmo tempo que há melodias tão depressivas, ainda tão galantes. Começa a tocar Boswell Sisters & Dorsey Brothers Orchestra – Stop the Sun, Stop the Moon na rádio, como um bom exemplo do que eu disse.

Meu pai dobra e pousa o jornal na mesa. Apanha o guardanapo e coloca na gola de sua camisa branca e engomada, erguendo o queixo para isso. Lançando um olhar duro e sem magia alguma nas comidas, bafora seu cigarro e apaga a bituca no cinzeiro bem ao meu lado. Cutuco meu omelete sem fome. Quem sabe o suco seja mais tragável? Estendo a palma, tentando alcançar a jarra, só que não consigo pegar. Fito meu pai (que está a centímetros) e pigarreio. Ergue a sobrancelha esquerda e fita-me de soslaio.

- O que?

- Bom-dia, papai. Poderia pegar o suco para mim, por gentileza?

Ele bufa. Apanha com rudez e bate ao meu lado com ainda mais rispidez. Balanço a cabeça, fazendo "sim", debochando mentalmente da atitude dele. A noite não deve ter sido muito agradável, pelo visto! Com esse mal humor todo, só pode ter sido isso!

Mamãe senta-se e coloca o guardanapo no colo. Dando-me conta de que ainda não o fiz, ajeito o pano branco nas minhas coxas. Mãe sempre sorridente e recatada, dócil como um cãozinho muito bem adestrado pelo dono rígido e inflexível, de voz que soa como um rugido. Estas são boas definições pragmáticas sobre Carmelia e Christoffer Black. Talvez eu possa caracterizar como um lobo alfa que sempre subjuga os seus.

- Não está atrasada, Violett? – Meu pai rosna essas palavras de um jeito baixo e fechado, como quando o cão avisa que vai atacar.

Dou um bom gole no suco.

- Eu falei que hoje eu poderia chegar lá mais tarde. Sr. Bloomfield disse algo sobre um novo aprendiz, como eu.

Meu pai fala mais nada. Como uns pedaços do omelete e ignoro completamente os bacons fritos. Pego uma torrada e passo geleia de mirtilo.

- Quando vão contratar outra empregada? – Questiono com uma leve intolerância sobre o assunto. – Eu não aguento mais ter que ficar limpando a casa nas minhas folgas.

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