Ter uma rotina padronizada, no meu caso, ajudou bastante, principalmente por causa da medicação, mas depois do décimo dia, quando meu diário já tinha acabado e tudo já tinha sido revirado, caí num tédio profundo. Às vezes, durmo sem querer, e não sei se é pela falta do que fazer ou se é um dos efeitos do remédio.
— Eu não quero mais tomar isso — resmungo, virando meu rosto para o comprimido que Gabriel me estende.
— Sarah, você precisa tomar...
Reconheço que meu humor está horrível. Não sei como Gabriel ainda me suporta, mas ele tem paciência.
— Me leva para sair...
— Você quer sair? — Seus olhos se arregalam.
Desde janeiro não quero sair, segundo meu diário clandestino. O que eu fazia para não enlouquecer? Não dá para ficar enfiada nesse buraco o tempo todo.
— Eu gostaria até de ter internet de novo. — Faço um bico. — Estamos presos.
— E se pintássemos seu cabelo? — Sugere.
Nem ânimo para pintá-lo eu tive. Essa droga de remédio tem mexido muito comigo.
— Você sabe se alteração de humor é um efeito do remédio? — Pego a pílula e bebo com a água.
— É sim, anjo. — Torce a boca. — Mas acho que você está na TPM também.
Lógico que ele saberia meu ciclo.
É nessas horas que sei que ele realmente me conhece, porque quem mais saberia da minha menstruação?
— É tipo um combo de choradeira e explosão?
— Receio que sim.
Eu sou horrível na TPM. Choro por tudo. Uma vez chorei porque eu não estava conseguindo fechar um pote de rosca corretamente, a tampa saia do lugar. Teve outra, quando demorei meia hora para passar a linha no buraco da agulha, comecei a ficar nervosa, e meu olho embaçou, tudo ficou pior, e eu chorei como uma criança.
Acontece.
Não é drama. Quer dizer, pode até ser ou parecer, mas acontece sem querer. Daí quando nos damos conta do que está acontecendo, continuamos a chorar porque nos achamos dramáticas, mas também rimos porque é engraçado.
É uma desgraça ser mulher e sangrar todo mês.
— Falta muito para eu acabar de tomar o remédio?
— Mais alguns dias, mas eu vou ligar para o Paulo e ver se podemos parar. — Garante.
— Não tá fazendo efeito.
— Mas você não disse que estava se lembrando de alguns pedaços aleatórios?
— Tô, mas eu ainda não sei quem você é, e isso me quebra por dentro, porque eu tenho medo de te magoar. — As lágrimas começam mais uma vez. — E toda a noite que vou dormir, eu fico pensando nos meus pais e como nunca mais vou poder vê-los. Nem lembro de nada do incêndio ou do velório. Me dói esquecer. E tem minhas amigas que raramente mantenho contato. Eu tô decepcionando todo mundo, e não sei se tô me decepcionando também, porque não lembro quem eu era. — Limpo meus olhos, mas continuo soluçando.
Gabriel não sabe se me abraça ou se diz algo. Ele fica em pé e estende a mão para mim, pedindo que a pegue.
— Vem. Vou pintar seu cabelo, te preparar um banho e fazer brigadeiro enquanto você relaxa.
Mais lágrimas. Uma máquina de choro ambulante.
— Eu entendo porque me apaixonei por você. — Verbalizo o que penso. — É bom demais para ser verdade.
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[DEGUSTAÇÃO] Todas as Noites que Nunca Aconteceram
Mystery / ThrillerSarah é uma costureira dedicada, com a carreira em ascensão e sem tempo para relacionamentos. Focada no trabalho, ela vê sua vida mudar ao acordar em um quarto totalmente desconhecido, em outro país e com um homem que diz ser seu marido. A...