Capítulo 7

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Ter uma rotina padronizada, no meu caso, ajudou bastante, principalmente por causa da medicação, mas depois do décimo dia, quando meu diário já tinha acabado e tudo já tinha sido revirado, caí num tédio profundo. Às vezes, durmo sem querer, e não sei se é pela falta do que fazer ou se é um dos efeitos do remédio.

— Eu não quero mais tomar isso — resmungo, virando meu rosto para o comprimido que Gabriel me estende.

— Sarah, você precisa tomar...

Reconheço que meu humor está horrível. Não sei como Gabriel ainda me suporta, mas ele tem paciência.

— Me leva para sair...

— Você quer sair? — Seus olhos se arregalam.

Desde janeiro não quero sair, segundo meu diário clandestino. O que eu fazia para não enlouquecer? Não dá para ficar enfiada nesse buraco o tempo todo.

— Eu gostaria até de ter internet de novo. — Faço um bico. — Estamos presos.

— E se pintássemos seu cabelo? — Sugere.

Nem ânimo para pintá-lo eu tive. Essa droga de remédio tem mexido muito comigo.

— Você sabe se alteração de humor é um efeito do remédio? — Pego a pílula e bebo com a água.

— É sim, anjo. — Torce a boca. — Mas acho que você está na TPM também.

Lógico que ele saberia meu ciclo.

É nessas horas que sei que ele realmente me conhece, porque quem mais saberia da minha menstruação?

— É tipo um combo de choradeira e explosão?

— Receio que sim.

Eu sou horrível na TPM. Choro por tudo. Uma vez chorei porque eu não estava conseguindo fechar um pote de rosca corretamente, a tampa saia do lugar. Teve outra, quando demorei meia hora para passar a linha no buraco da agulha, comecei a ficar nervosa, e meu olho embaçou, tudo ficou pior, e eu chorei como uma criança.

Acontece.

Não é drama. Quer dizer, pode até ser ou parecer, mas acontece sem querer. Daí quando nos damos conta do que está acontecendo, continuamos a chorar porque nos achamos dramáticas, mas também rimos porque é engraçado.

É uma desgraça ser mulher e sangrar todo mês.

— Falta muito para eu acabar de tomar o remédio?

— Mais alguns dias, mas eu vou ligar para o Paulo e ver se podemos parar. — Garante.

— Não fazendo efeito.

— Mas você não disse que estava se lembrando de alguns pedaços aleatórios?

Tô, mas eu ainda não sei quem você é, e isso me quebra por dentro, porque eu tenho medo de te magoar. — As lágrimas começam mais uma vez. — E toda a noite que vou dormir, eu fico pensando nos meus pais e como nunca mais vou poder vê-los. Nem lembro de nada do incêndio ou do velório. Me dói esquecer. E tem minhas amigas que raramente mantenho contato. Eu decepcionando todo mundo, e não sei se me decepcionando também, porque não lembro quem eu era. — Limpo meus olhos, mas continuo soluçando.

Gabriel não sabe se me abraça ou se diz algo. Ele fica em pé e estende a mão para mim, pedindo que a pegue.

— Vem. Vou pintar seu cabelo, te preparar um banho e fazer brigadeiro enquanto você relaxa.

Mais lágrimas. Uma máquina de choro ambulante.

— Eu entendo porque me apaixonei por você. — Verbalizo o que penso. — É bom demais para ser verdade.

[DEGUSTAÇÃO] Todas as Noites que Nunca AconteceramOnde histórias criam vida. Descubra agora