Inspeciono uma fotografia na parede do meu quarto. Nela, Gabriel me abraça por trás e beija minha bochecha de uma forma carinhosa. Posso sentir o clima daquele dia, embora não consiga me lembrar de nada. Às vezes, tenho lampejos de algumas cenas ou recordo sensações aleatórias quando me deparo com algo dos últimos anos, e acho que isso é uma evolução, não é? Os remédios devem estar funcionando.
De qualquer forma, hoje é um dia importante, sairemos para jantar. Gabriel mesmo que teve a ideia, acha que já estou pronta, e não vejo a hora, para ser sincera.
É sexta-feira, e desde meu desmaio há três semanas, tenho me comportado mais do que minha sanidade pode aguentar. Juro que entendi minha condição, mas ainda é difícil de acostumar. Não é como se eu soubesse exatamente o que há de errado comigo, porque Gabriel apenas me diz que tudo vai ficar bem. Minha suspeita é que sua pesquisa, aquela que ele mencionou enquanto falava com Paulo, está na casinha de fotos. Ele tem passado mais tempo lá do que o normal, mas não tirou nenhuma foto nova. Quando pergunto, ele desconversa e fala que irá me mostrar, porém a porta continua trancada.
Tem algo lá. Eu sei que sim. E talvez possa ter algo mais grave do que imagino. Eu preciso saber o que ele esconde.
Mas isso é assunto para outra hora, porque agora meu marido está super atrasado. O que não é de todo ruim, já que ainda preciso acabar de me arrumar. Quero estar perfeita para uma ocasião especial.
Escuto o carro chegar. Gabriel nem o guarda na garagem. Com pressa, ele abre a porta da sala e corre até as escadas.
— Desculpe o atraso, amor, estarei pronto em quinze minutos — grita para mim antes de bater a porta do próprio banheiro.
Termino de calçar meus saltos e dou uma olhada no espelho. Não me sinto radiante assim há tempos. É bom estar bonita e reconhecer a garota que me olha. Faz mais de três meses desde que acordei sem memórias, e daquela época para cá, tenho tentado me encaixar em uma coisa que não parece mais adequada, mas me olhando assim... É como respirar a antiga Sarah, o eu que ainda lembro.
Dou uma voltinha e admiro o vestido tubinho preto grudado em meu corpo, costurado sob medida para esse evento. Nada fora do lugar. Meu cabelo cai em cascatas pelos meus ombros e costas.
Não há problema nenhum em se achar bonita. E, Sarah, você está linda pra caralho.
Sorrio para mim, aprovando o batom vermelho.
Pego minha bolsinha com dinheiro e documentos. É tão estranho ver meu nome ao lado do sobrenome de Gabriel. Não sou mais só Sarah Antero, agora sou Sarah Boaventura.
Marcho até o quarto ao lado e noto que Gabriel ainda está no banho. Posso ouvir o chuveiro daqui de fora. Suas coisas estão espalhadas na cama, e há muitos papéis saindo de sua bolsa. Aproximo-me, na intenção de arrumar, mas uma pasta com meu nome chama minha atenção. Pego-a e abro.
Alzheimer Precoce.
O título da pesquisa salta diante meus olhos e faz meu estômago embrulhar. O choque faz com que eu demore um pouco até ter coragem de continuar.
Logo abaixo, tem uma nota introdutória apresentando o nome dos pesquisadores e a finalidade do estudo. Depois, há uma lista enorme de sintomas, e alguns deles estão circulados. A parte importante explicativa está marcada com grifa-texto.
Irritabilidade.
Variações de humor.
Esquecimento.
Agressividade.
Confusão mental.
Angústia.
VOCÊ ESTÁ LENDO
[DEGUSTAÇÃO] Todas as Noites que Nunca Aconteceram
Mystery / ThrillerSarah é uma costureira dedicada, com a carreira em ascensão e sem tempo para relacionamentos. Focada no trabalho, ela vê sua vida mudar ao acordar em um quarto totalmente desconhecido, em outro país e com um homem que diz ser seu marido. A...