Seguro firme a grande caixa que carrego e ando para fora da lojinha. O peso faz com que meus passos fiquem rápidos e curtos, o tamanho impede parcialmente minha visão.
Em uma velocidade maior do que a permitida para se trafegar em uma calçada, caminho até a caçamba logo à frente. É a receita certa para um desastre, mas ele acontece depois que me livro do lixo, quando me desequilibro e dou dois passos trás, acertando alguém que passa.
O impacto de um corpo apressado com minhas costas quase me derruba. Apoio minha mão na beirada metálica e sinto uma dor aguda que me faz encolher o braço na mesma hora, seguro um xingamento.
— Descul... — Paro na metade da frase ao ver o que fiz.
Um homem alto está com a camisa branquinha toda coberta por açaí, suponho eu. Ele leva uma bolsa lateral, e seus cabelos são penteados meticulosamente para trás. O pote com o conteúdo que o sujou se encontra no chão.
— Tudo bem? — pergunta, esquecendo sua própria desgraça e apontando a minha mão.
— Tudo, sim. — Assinto enfaticamente com minha cabeça. — Desculpa. Eu não te vi.
Arrependo-me por ter sido descuidada demais. Eu poderia prestar mais atenção. Não são nem dez da manhã, e já estou destruindo tudo.
— Também não te vi. — Ele me encara por alguns segundos e abre um sorriso. Um senhor sorriso, devo ressaltar. — Eu que devia pedir desculpa, vim correndo igual a um louco. — Olha minha mão de novo. — Você tá sangrando. Deixa eu te levar para o hospital...
— Não! — Nego rápido. Odeio hospitais. E médicos. — Eu vou ficar bem... Sério. — Tento abrir minha mão para verificar o estrago, mas o líquido vermelho atrapalha minha avaliação. Se eu fosse um pouco mais mole, desmaiaria aqui mesmo.
— Olha, me deixa ver isto, tá sangrando muito. Não aperta, pode ter caco de vidro ainda. — Se aproxima. — Eu sou médico. — Tenta me convencer com o rostinho mais lindo que já vi.
— Tá, ok, mas só porque tá ardendo muito. — Finjo-me de forte, porém, a verdade é que está doendo bastante. Latejando. Reprimo as lágrimas.
O rapaz me segue para dentro da loja, respeitando meu espaço e me esperando do lado de fora assim que entro no banheiro para buscar um kit que Eva deixa por aqui. Ela sempre acaba machucando as pontas dos dedos na máquina ou se cortando com a tesoura. Lavo minha mão e uso a toalha para secar.
— Coloque aqui. — Pede, retirando uns objetos de cima da bancada e abrindo espaço para nós. Eu obedeço sem dizer nada. Ele parece saber o que está fazendo. Não serei eu a questionar. — Sem nenhum caco. — Soa com entusiasmo quase infantil. Deve ser o tom que ele usa com pacientes.
E se tivesse algum caco, eu acho que teria sentido antes.
— Não foi fundo, mas tá saindo bastante sangue. — Pressiona a toalha, e eu mio de dor. — Desculpe. — Junta as sobrancelhas. — Mas preciso estancar. — Nem sei de onde ele tirou a luva que está usando. Provavelmente da bolsa.
— Não precisa fazer isso. É só um corte, eu mesma resolvo.
— Mas que teimosa. — Sorri. — Não custa nada me deixar fazer isso.
Não contrario mais. Ele limpa meu ferimento e passa uma coisa que arde, mas é fofo o suficiente para assoprar depois e sorrir para mim.
Sorri o tempo todo. É desconcertante.
Ok, não sou cega. Ele é lindo. Tipo muito. E está olhando para mim com esses olhos azuis. Talvez tenham um pouco de verde bem no fundinho. Seus cílios são tão compridos e curvados. Algo tão bonito... E eu estou encarando demais o homem.
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[DEGUSTAÇÃO] Todas as Noites que Nunca Aconteceram
Misterio / SuspensoSarah é uma costureira dedicada, com a carreira em ascensão e sem tempo para relacionamentos. Focada no trabalho, ela vê sua vida mudar ao acordar em um quarto totalmente desconhecido, em outro país e com um homem que diz ser seu marido. A...