Capítulo 10

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Primavera e todas as flores do jardim começam a abrir. Há arbustos coloridos e árvores imensas que rodeiam a casa. A brisa se torna amena, mas ainda preciso de um casaco para andar do lado de fora.

Acordei mais cedo, porém não encontrei Gabriel. Não faço ideia de onde possa estar, nem deixou um recado. Talvez tenha acontecido alguma emergência, como em outras madrugadas. Fiquei confusa na primeira vez, e até mesmo desconfiada, dado nosso isolamento, mas me senti burra ao saber que ele tem um Pager para notificar as coisas do hospital. Nunca iria adivinhar.

Se você vê seu marido saindo de casa à noite com a desculpa de ter uma emergência sem precedentes, então dá para desconfiar. Me dê um desconto. Estamos ilhados, como eu saberia que ele tem um Pager? Quem usa isso hoje em dia?

Deixo o livro em cima da mesa no jardim. O lugar parece aqueles de filmes, que você sai andando pela floresta e encontra um mundo novo fantástico, tipo fauno ou algo assim. O pergolado de madeira repleto de flores dá um charme a mais. É tão lindo.

Sento-me no banco e levanto a cabeça para cima, sentindo o sol banhar meu corpo. Fecho meus olhos e respiro fundo. O barulho dos pássaros é bem calmante. Quero voltar aqui mais vezes, e sei que posso tirar pelo menos uma hora do meu dia para relaxar. Apenas ler e me sentir em contato comigo mesma. É uma meditação. Meu pai dizia que natureza é um remédio para tudo e, de certa forma, ele está correto. Aqui é revigorante.

Retomo o livro em mãos. Peguei da nossa pequena biblioteca. É um exemplar usado demais, até mesmo grifado. Não sei se Gabriel lê isso, ou se era meu, mas só o nome me deixa com receio. "Você" pode soar tanto uma coisa sensual quanto uma meio louca. E a julgar pela capa, talvez seja um pouco dos dois. Eu realmente prefiro não-ficção, mas posso dar uma chance aos títulos que temos.

Começo a folhear antes de parar na página certa. Gosto de sentir a textura das folhas. Livros são um limite palpável entre o trabalho de alguém e a realidade, é tipo sentir a arte nas pontas dos dedos e manusear o sonho de alguém.

Só que, ao começar a ler, minha atenção está em todos os lados, menos na loucura do personagem. Algo me deixa inquieta, e eu sei o que é. O quartinho do meu marido.

Aquela pequena construção além da estufa.

Estou querendo saber o que tem nela na mesma intensidade que quero saber onde está Gabriel.

Como alguém que está prestes a fazer arte, olho ao redor e vou até a porta de ferro que impede minha chegada ao objetivo. Na verdade, o cadeado que é o verdadeiro obstáculo, mas ele não está trancado, apenas passado. Óbvio que não estaria fechado, não tem motivo de Gabriel esconder qualquer coisa de mim. Tiro o objeto do ferrolho e giro a maçaneta, mas a porta continua imóvel. Trancada com chave. Empurro um pouco, pensando que possa estar emperrada, mas não. Está trancada mesmo. Sacudo-a sem delicadeza, e nada.

Por que ele precisaria de chaves e talvez até de um cadeado?

É tão desorganizado lá dentro que não posso ver?

Forço novamente, esperando que ela se abra feito mágica, mas, infelizmente, nem se eu fosse o Mister M.

— Sarah? — A voz de Gabriel me faz pular.

Pega em flagrante.

Desencosto-me do ferro tão rápido quanto se ele me queimasse.

— Te procurei na casa toda! — Seu tom é de advertência. — Precisa de algo? — Aponta o quartinho.

Gabriel está usando roupas de correr. Suas bochechas vermelhas e o suor indicam que acabou de chegar.

— Vim passar um tempo no quintal.

[DEGUSTAÇÃO] Todas as Noites que Nunca AconteceramOnde histórias criam vida. Descubra agora