Capítulo 5

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Não quero ficar sozinha, mas Gabriel precisa trabalhar. Isso é uma droga.

Essa casa é tão grande e silenciosa. Para ajudar, a chuva de ontem a noite arrancou a antena da televisão. Como se não pudéssemos ficar mais ilhados do que antes.

Sem celular, internet, televisão e até contato humano. Vou enlouquecer.

— Não vai, anjo, você vai ficar bem. — Gabriel se olha no espelho do saguão e briga com a gravata. Sua pasta está entre as pernas, e ele torce o tecido, até que desiste. — Vou sem.

— Nem pensar. Eu faço. — Me voluntario. — Posso? Se for bizarro demais...

Gabriel nega com a cabeça, desacreditado.

— Bizarro deve ser eu te chamando de apelido fofo o tempo todo e só depois pensando que eu sou um homem estranho para você.

Um homem estranho para você.

Suas palavras são tão doloridas.

Não quero esse clima entre nós. Seremos amigos, pelo menos.

— Então, vem cá. — Chamo-o com a mão. — Levanta a cabeça.

Puxo sua gola para cima e passo o tecido de cetim em volta de seu pescoço. O cheiro dele é tão bom que me faz querer tocá-lo. Demoro mais do que o necessário de propósito. Dar nós em gravatas, para mim, é como amarrar o cadarço. Mole, mole.

— Hum, obrigada. — Confere no espelho. — Você que me ajudava todo dia, e agora estou com vergonha de ter sido acomodado em vez de aprendido por conta.

É bom saber dessas pequenas coisas. Dão significado ao que sou e ao que fui.

— Eu te mimava a esse ponto, então? — Brinco.

Sorri, todo bobo.

— Eu sou o cara mais mimado da face da terra e por culpa exclusivamente sua. — Acusa.

— E o que mais eu fazia que contribuía com isto? — Coloco a mão na cintura.

Gabriel arruma o paletó, mas não deixa de me encarar. Seus olhos combinam com a camisa azul que usa. Não consigo me decidir se seu cabelo é loiro escuro ou castanho bem claro, fica nessa divisa, mas contrasta perfeitamente com tudo. É feito à medida. É o tipo de pessoa que eu encomendaria se fosse possível escolher atributos e comprar na Amazon.

— Acho melhor eu não comentar dessas coisas. — Sua alegria morre. — Não quero que se sinta na obrigação de fazê-las ou algo assim. — Pega a pasta. — Droga, já ia me esquecendo de novo.

Ele corre até nosso estúdio compartilhado e volta com um notebook, daqueles menores e na cor rosa. A parte de cima é decorada com o tema de costura e ballet.

— É seu. — Me entrega. — Até me esqueci dele, mas você costumava usar algumas vezes, acho que tem desenho de roupas. Pode ser que te faça lembrar, mas...

— Mas?

— Eu não sei a senha. — Confessa. — Acho que você pode ter anotado em algum lugar, ou pode tentar datas específicas. É com você, Sherlock.

— Por que você não sabe a senha? — Passo a mão no adesivo de uma tesoura.

Entendo o negócio de privacidade e tudo mais, mas o que eu poderia querer esconder a ponto de nem ele ter acesso?

E se eu tiver um caso?

Minha nossa.

— Sei lá. Você o levava em alguns lugares. — Nem Gabriel tem certeza do que fala.

[DEGUSTAÇÃO] Todas as Noites que Nunca AconteceramOnde histórias criam vida. Descubra agora