Capítulo 27 - Degustação

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— O quê? — ela me olhou espantada.

— Você é a mulher misteriosa que Lorenzo menciona toda vez que quer provocar Dominique? — perguntei mais uma vez.

No dia da festa de aniversário dela, enquanto Enzo provocava Dominique, percebi a troca de olhares entre eles e a urgência na defesa que ela fez. Na hora não me passou pela cabeça que talvez a tal mulher pudesse ser a própria Lia. Ocorreu-me que possivelmente ela conhecesse a tal moça. Mas pela forma como ela fez as indagações sobre o que eu faria caso a história fosse o contrário, passei a considerar que de repente, ela estivesse de fato se defendendo e não a Dominique. E eu não ficaria sem tirar essa história a limpo.

Ela baixou a guarda. Caminhou em direção à penteadeira onde sentou-se de costas para mim.

— Dominique nunca se tornou um mulherengo por que eu decidi não ter nada com ele. Ele sempre foi. E esse foi o motivo pelo qual eu nem comecei a me relacionar com ele — ela respondeu olhando-me através do espelho.

— Então a história toda é verdade? — cruzei os braços.

— Que história exatamente? — ela sustentou o olhar no meu.

— Essa, que é contada em tom de anedota por Enzo. Que você deixou Dom para se dedicar exclusivamente à sua carreira.

— Eu não deixei Dominique. Tudo que aconteceu entre nós foram beijos. Não sei de onde tiraram que ele se apaixonou por mim e se tornou um conquistador barato por minha causa. E eu me dediquei ao trabalho por que entendi que não tinha lugar para mim no reino dos apaixonados.

— Não houve sexo entre você e Dom? — tentei ser o mais irônico possível.

— O mais longe que chegamos foi um amasso no tapete da casa dele. Onde você pretende chegar com isso? Quem vai ser penalizado pelo código de honra de vocês?

— Código de honra? Do que você está falando?

— Eu sei que existe um código entre vocês, que proíbe que um se relacione com a ex do outro.

A situação era grave, mas não, eu não tive como segurar a gargalhada.

— Quem te contou essa história absurda?

— Quem mais? Briana. E pela sua reação, já percebi que é mais uma mentira daquela loira oxigenada dos infernos.

— Claro que é mentira. Nunca houve esse tipo de acordo entre nós. Lia, pensa comigo, que direitos eu tenho de comandar ou decidir sobre os sentimentos dos meus amigos?

— No seu mundo essas coisas fluem com uma tranquilidade...

— No seu não? É por isso que saber que eu tive um caso com alguém próximo a você, te desestabiliza? Saber que uma mulher do meu passado, com quem não troquei mais que uns beijos em uma noite de bebedeira, te deixa insegura?

Novas lágrimas começaram a rolar por sua face. Aproximei-me devagar e me coloquei atrás dela, que ainda permanecia sentada de frente para o espelho.

— Lia Elizabeth Mendes Villas Boas — soltei seu cabelo que estavam presos num coque e a fiz olhar o próprio reflexo no espelho. — Você é a mulher mais linda que eu conheço. Mesmo com todos os seus medos, anseios, inseguranças e temores, eu ainda prefiro amar você.

Peguei uma escova sobre o móvel e passei a penteá-la devagar.

— Sabe por que eu não quis Briana? Porque ela é fútil, vazia, entediante, mesquinha, arrogante, encrenqueira, mimada. E não eram essas as qualidades que eu buscava na mulher que eu apresentaria para os meus pais — soltei o ar devagar. — Se Briana nunca foi páreo para você. Muito menos Melina. Percebi que os olhos dela brilhavam, mas não somente por minha causa, mas principalmente por meu sobrenome. Ela não me ama, ama as possibilidades que eu posso proporcionar. Como todas as outras — busquei seu olhar através do espelho.

Ela voltou a olhar fixamente para mim, enquanto eu falava e penteava os seus cabelos. Aproveitei aquele momento para começar a destruir as barreiras que ela tinha construído para nos manter afastados.

Uma noite inteira longe dela. Um dia inteiro de expectativa e angustia. Não seria no momento em que eu a tinha tão perto, que continuaria ou permitiria que a distância perdurasse. Por isso continuei falando e a penteando.

— Você foi a diferença de todas elas. Você me rejeitou lembra? Meu rosto não foi reconhecido por você, como foi reconhecido por ela. Ela sempre soube quem eu era. Você só me descobriu na sala de reuniões, depois do incidente no estacionamento. Eu vi o seu nervoso, seu medo, seu desespero, enquanto você apresentava as propostas, quando você voltou para o seu lugar e quando fugiu da sala de reuniões para não falar comigo. Mas eu vi desejo, quando você me enfrentou no estacionamento, quando me desdenhou no elevador, quando fugiu de mim na praia. E eu nunca vi uma mulher tão apaixonada e tão entregue aos seus próprios desejos quanto no passeio de Iate, na viagem para Búzios e em nossa lua de mel.

Coloquei a escova de volta na penteadeira e me apoiei nos braços da cadeira, juntando nossos rostos e nos encarando através do espelho, concluí:

— Eu sei quem você é. E eu quero você com todos os seus defeitos, com todos os seus medos e limitações. Eu quero você, mesmo tendo ficado com um amigo meu no passado. Você nunca será Briana ou Melina, porque você está muito acima delas. Você me tem por inteiro. Eu sou e sempre vou ser seu. Eu te amo Lia! Não se negue mais a receber um amor que só pode ser seu, e de mais ninguém.

Ela virou o rosto e ficamos frente a frente. Minha vontade era beijá-la até arrancar todos os sentimentos negativos que ela nutria sobre si mesma. Mas não fiz. Deixei com ela a decisão sobre o que queria fazer. Mesmo correndo o risco de que ela abrisse mão de tudo.

— Eu amo você! Reconheço que às vezes não sou tão fácil, mas você também não é. Quando lhe disse que nunca me escondesse nada, foi justamente porque eu me conheço — fechou os olhos por um instante e os abriu novamente. — Sei das minhas inseguranças, dos meus medos, dos meus receios. E se chegamos ao ponto em que estamos, foi porque você também não confiou em mim.

— Sei disso. E te peço perdão.

— Só se você também me perdoar por ter me deixado cegar pelo orgulho e pelo egoísmo. Eu não quero mais ficar longe de você. E nem brigando pelos mesmos motivos. Me perdoa?

— É claro que sim, meu amor. Perdoe-me por não ter entendido e confiado em você. Por ter permitido que um assunto tão banal se tornasse maior do que a importância dos nossos sentimentos. Eu te amo!

— Eu te amo!

Ela segurou meu rosto entre suas mãos e o beijo de reconciliação aconteceu intenso, ardoroso e carregado de desejo. Encostei nossos corpos e fiz com que soubesse o quanto eu estava saudoso e sedento por ela.

— Eu acho que nós deveríamos nos comportar — olhou para mim e sorriu.

— Amor, não faz isso. Você me beija dessa maneira e quer que eu pare? Não faz esse jogo, por favor.

Ela abriu mais ainda o sorriso e mesmo com o rosto molhado, os olhos inchados de chorar, ela ainda era a coisa mais linda de se ver.

— Temos que nos comportar, porque não estamos sozinhos.

— Não vai me dizer que você adquiriu dons mediúnicos de ontem para hoje e está vendo um espírito em nosso quarto? — brinquei.

— Nossa como você é bobo Henrique. Não tem espírito nenhum no quarto, mas tem uma pessoinha aqui que pode nos ouvir — ela pegou minha mão e colocou sobre seu ventre. — Diz "Oi" para o papai!

Senti o chão abrir sob os meus pés e o ar fugir dos meus pulmões. E então ficou insuportável segurar a emoção e a felicidade que rompia dentro de mim. Abracei minha mulher com força e liberei tudo de bom que eu estava sentindo naquele momento: meu sorriso, minhas lágrimas de felicidade e a minha enorme vontade de fazer amor com ela.

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ATRAVÉS DOS SEUS OLHOSOnde histórias criam vida. Descubra agora