CAPÍTULO 11

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O bom da raiva, daquele tipo de raiva cega e sangrenta que eu sentia quando deixei a casa de Macarena, é que ela lhe dá algo tangível em que focar. E enquanto se está ocupado inflamando e alimentando essa raiva com todas as coisas inteligentes e mordazes que deveria ter dito – se as palavras ao menos tivessem vindo à mente, na ocasião –, não é preciso se preocupar em cavar mais fundo e revelar aquilo que de fato o está consumindo.

Mas, como a tempestade da noite anterior, minha raiva só podia durar o tempo que fosse necessário para que ela mesma se consumisse. E, à luz do dia, quando o nevoeiro já se havia dissipado, eu me dei conta de que minha reação ao toque de Macarena se devera em grande parte ao sentimento de culpa.

Eu permitira que ela se aproximasse de mim, confundindo a dívida que tinha para com ela com um passe livre para a amizade e a confiança. E a própria reação um tanto radical de Gonzalo só havia me deixado teimosamente determinada a provar que meu noivo estava errado. Mas, afora suas ações heroicas na noite do acidente, o que eu realmente sabia sobre Macarena?

Nada.

Estava claro que casamento e relacionamentos (dela ou meu) eram algo que ela estava preparada para negligenciar por completo, sempre que lhe fosse conveniente.

Mais tarde naquela noite, quando Gonzalo telefonou, eu menti, e não me lembrava de já ter feito aquilo antes, jamais. Culpei uma gripe pela aspereza em minha voz, e então ouvi minha desonestidade zumbir pela linha telefônica como um mosquito malévolo. Não fiz menção à visita a Macarena nem muito menos ao que tinha acontecido no final da noite. É claro que foi apenas uma falta por omissão, mas eu estava bastante atenta à diferença que isso fazia. Foi somente quando desfiei a cena que tinha acontecido na cozinha dela e a enrolei em seguida, como se faz com o fio solto de um tricô, que percebi que tudo começara a ficar fora de controle com a pergunta sobre Betty.

Fora uma pergunta insignificante, embora, ao ter sido dita, não poderia mais ser reconsiderada, de modo que continuaria a me corroer até que fosse esclarecido: o que Betty acreditava que eu tivesse perdoado?

Não me ocorria absolutamente nada que algum dia ela pudesse ter feito e que exigisse um pedido de desculpas. E a dúvida ainda mais desconcertante: por que minha boa amiga, com seu espírito generoso, seu coração aberto e seu jeito alegre de encarar a vida, julgava ter feito algo que tivesse me magoado?

Nada seria menos provável que isso.

Mas agora que Macarena havia aberto a porta para aquela lembrança, tudo o que eu via quando fechava os olhos era Betty no asfalto frio daquela estrada, agarrada à minha mão como se eu fosse um padre que a estivesse absolvendo em seus momentos finais, e o alívio em seu rosto quando eu lhe dissera que estava tudo bem.

Tentei me convencer de que não havia nenhuma intriga ou mistério oculto nas palavras de minha amiga. Era provável que ela estivesse se desculpando de ter arruinado um par de sapatos que pegara emprestado... ou outra coisa igualmente mundana.

Será mesmo?

Será que era isso que estava na mente de Betty em seus últimos momentos?

Sandálias de grife arruinadas?

Balancei a cabeça com raiva diante da voz da dúvida, que, por alguma razão, estava falando em meu pensamento com um suave sotaque americano.

Que droga, Macarena!

Por que diabo não guardara suas perguntas estúpidas para si mesma?

Havia apenas uma pessoa que conhecera Betty tão bem quanto eu; uma pessoa que talvez pudesse me dizer o que eu precisava saber.

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