CAPÍTULO 31

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Apesar de nós três insistirmos, mamãe se recusou terminantemente a ser examinada no hospital. No fim, para que ela não sofresse ainda mais estresse, concordamos em deixar que fosse para casa.

Nem me ocorreu questionar o direito de Gonzalo de nos acompanhar.

De alguma forma, no desenrolar dramático daquele dia, os muros que nos separavam tinham aos poucos começado a ruir. Mesmo a aguilhoada da infidelidade e das promessas quebradas teve sua importância diminuída no momento em que a tragédia que havíamos enfrentado se transformara em triunfo graças a ele. Nem mesmo pareceu estranho quando Gonzalo assumiu o controle ao chegarmos em casa, pondo a chaleira no fogo, pegando as xícaras no armário e sabendo – sem ter que perguntar – como todos preferiam o chá.

Eu o observava e dividia minha atenção entre ele e a conversa dos meus pais na sala ao lado.

Balancei a cabeça, incrédula, ao ouvir mamãe admitir que, para chegar ao despenhadeiro, pegara carona com um motorista de caminhão que passava.

– Depois de todos aqueles sermões que ela me fez na adolescência sobre não pegar carona com estranhos – disse eu a Gonzalo, atordoada, enquanto segurava a caneca fumegante que ele me entregara.

– Ela poderia ter se perdido, ter sido atropelada, alguém poderia tê-la machucado, ou ela poderia ter despencado para o fundo daquele maldito despenhadeiro – continuei, ainda sem conseguir esquecer a lista de horríveis possibilidades.

– Mas não foi assim – contrapôs Gonzalo, tranquilizador. – Nada disso aconteceu. Pode relaxar agora. Ela teve sorte desta vez. Ela deve ter tido todo um esquadrão de anjos da guarda olhando por ela.

Dirigi-lhe um sorriso grato.

– Não. Só um. Você.

Ele pareceu constrangido e feliz, em igual medida, ao ouvir minhas palavras.

– Talvez agora a gente consiga convencer seu pai de que vamos ter que encontrar uma solução melhor, daqui para a frente.

Baixei bem a cabeça sobre a caneca, efetivamente escondendo meu rosto. Seu uso do "a gente" não passou despercebido, e um pequeno alarme de preocupação começou a tocar.

O restante da tarde passou como um borrão em um incessante carrossel de visitas de policiais e de profissionais da área da saúde e de ligações recebidas a todo instante.

Ficamos felizes por saber que fisicamente mamãe parecia não ter sofrido nada mais sério que pequenos arranhões e alguns hematomas – que, em um concurso, teriam sem sombra de dúvida perdido para o meu. No aspecto emocional... bem, essa era uma questão diferente. O rosto do meu pai era um retrato da preocupação quando ele nos contou baixinho que poderíamos esperar a visita de um assistente social e do representante de uma instituição destinada a cuidar de pacientes com transtornos mentais nos próximos dias.

– Que boa notícia! – disse Gonzalo, em tom encorajador. – Isso significa que a gente vai poder conseguir mais ajuda para o senhor.

Meu pai retribuiu com um sorriso sem ânimo, ainda parecendo não estar convencido.

Eu permaneci em silêncio, incapaz de ignorar a segunda aparição daquela locução alarmante: "a gente".

Mas havia outra coisa que me preocupava ainda mais que a aparente reintegração de Gonzalo na família como membro honorário.

Macarena.

Eu não conseguira falar com ela durante toda a tarde.

Vinha tentando praticamente a cada dez minutos desde que entrara no carro, na volta para casa, e até então a única coisa que eu ouvira ao ligar para seu celular fora a irritante voz metálica na gravação: "Este número está fora da área de cobertura ou desligado."

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