O primeiro voo (parte II)

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Se pudéssemos saber que um dia seria tão mau, nem daríamos ao trabalho de sair da cama. Deve ser por isso que a tristeza adora surpresas!

- Grandel! Vamos! Senão chegaremos atrasados! - gritou a sua mãe do lado
de fora do quarto.

E dessa vez eu iria conhecer o seu novo mundo que tanto o tinha mudado.
Ele já não corria pela grama ou roubava vassouras da cozinha.
O Grandel já era um rapaz de 12 anos e fazia a maioria das suas tarefas
sozinho, como arrumar-se para ir a escola.

Entretanto, a sua mochila não
era como um de um miúdo qualquer. Escondia um segredo de escamas cor
de laranja: o seu pequeno Hope.

Tinha descoberto que o Hope poderia ser tão boa companhia quanto o
Bardel. Só eram diferentes e ensinavam uma forma de sentimentos
igualmente distintos, mas no final tudo era um caminho para se chegar ao
amor.

O Grandel não tinha amigos humanos, preferia estar só. Porque as pessoas
não gostavam de ideias como essa de Bardel e Hope. Achavam-na
descabida e fazia os outros rirem e afastar-se dele.

Diziam que não era normal um rapaz falar tanto de sentimentos, quem dirá mostrá-los.

Por isso, ele limitava-se a responder apenas o que lhe era perguntado. Tinha percebido que o Mundo não estava verdadeiramente pronto para aceitar as diferenças entre as pessoas como ele tinha aceitado entre o Bardel e o pequeno Hope.

E por mais que tentassem o convencer do contrário, ele provou da pior maneira....

- Devolva-me a minha mochila! - gritou o Grandel enquanto tentava
desprender dos dois rapazes que o seguravam.

- Por que Grandel? Vais chorar feito uma menina? - questionou o terceiro
num tom de deboche.

E os restantes desataram-se a rir.

Eles tinham o seguido até o banheiro ao mesmo tempo que todos regressavam as suas salas de aula.
Não tinham uma razão em especial para odiá-lo, mas magoar os outros é uma das formas de algumas pessoas sentirem mais fortes perante a sua dor.

- O que temos aqui? - questionou o terceiro rapaz ao exibir o pequeno hope em uma bolsa de água. - Acho que ele adoraria uma pequena aventura. O que acham rapazes?

Todos concordaram em coro, seguido de gargalhadas.

- Um dia vais me agradecer Grandel! - disse o rapaz novamente.

E sem pensar duas vezes, ele jogou o pequeno Hope no sanitário, apressando a sua morte com uma descarga de água.

Quando foi com o Bardel, o Grandel não sabia em quem depositar a sua revolta por terem tomado o seu único amigo. Porém, agora era diferente. Ele estava mesmo a sua frente e tinha despertado novamente aquela
sensação que os pais tinham o ensinado a se livrar o mais rapidamente possível.

No entanto, agora ele parecia maior. Tinha-se juntado à outra que ele pensou ter deixado para trás.

Ele permaneceu em silêncio assim que o soltaram e o jogaram no chão.
Aquela sensação horrível queria sair pela boca em forma de gritos, mas ele o segurava apertando os lábios e semicerrando olhos para que não escapasse por entre as lágrimas.
Tudo o que ele não queria nesse momento era parecer uma menininha.

O Mundo tinha vencido mais uma vez...

Porém, as mãos tremiam com os punhos fechados e ansiosos para colocar em prática o que tinham acabado de apreender com a dor. E sem pensar duas vezes, o Grandel bateu no rosto que a dor e a tristeza tinham usado dessa vez.

Nessa altura, os pais do Grandel já sabiam que tinham falhado em alguma coisa.
Mas já sabemos como são os humanos, tem uma enorme dificuldade em assumir seus erros em voz alta. Talvez, seja mais fácil encontrar vida fora da terra do que fazê-lo.

*

Poder, magia, missões e aventuras. Poderíamos ter usado as mesmas estratégias para vencer os obstáculos, sem nunca os deixar para trás. Caso contrário, não poderíamos avançar e ficaríamos presos sempre na mesma fase.

Bom, pelo menos isso a vida e os jogos tinham em comum.
O que não tem, é uma lista de truques que possa nos fazer alcançar o que desejamos em frações de segundos e nem um mapa que nos indica sempre o caminho certo para que nunca possamos nos perder. Muito menos,
podemos recomeçar sem as marcas do que um dia nos feriu.

Grandel tinha encontrado o seu refúgio em um mundo onde ele poderia ser o quisesse e como desejasse. Se pudesse, viveria para sempre nele, deligado de tudo o que lhe esperava aqui fora.

Finalmente, ele vivia na bolha que os pais tanto desejaram.
E mais uma vez, os desejos se mostraram traiçoeiros. Porque, no dia que
alguma tecnologia suprimir todos os anseios humanos, certamente não é uma máquina como imaginávamos que fosse.

Agora começava  uma contagem decrescente na vida do Grandel e eu não sabia o que fazer para chegar em seu coração...

A Menina que colecionava Penas (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora