Asas perdidas ( parte III)

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Não há problema nenhum em oferecer o que se tem em demasia,
principalmente o amor. Porém, quando o damos a ponto de não restar nada, é a melhor forma de trazer todas as coisas erradas que possam existir no Mundo para junto de si e vendar os olhos para aesperança que abraça todos os dias o amanhecer.

-Olha pessoal! É o Grandel!- disse o rapaz que eu suponha ser o capitão do grupo dos intocáveis.

Com a alvorada, após uma noitada, eles não aparentavam assim tão perfeitos. Tinham sombras nos olhos que chegavam ao chão e lábios secos que clamavam por algo que não fosse as bebidas que seguravam nas mãos.

Era bom rever o meu humano. Finalmente ele tinha conseguido o carro.
Deve ter dedicado tanto para o ter que nem se deu conta do cansaço que pesava sobre seus ombros. Tinha conseguido também uma companhia, o Soldado A. Mas nada disso lhe importava, ele tinha chegado tão alto como os pais o imaginaram a dez anos atrás e tinha o que era necessário para ser
alguém no Mundo.

- Bem-vindo ao Grupo! - disse um dos rapazes convidando-o para juntar-se à eles.

O Grandel limitou-se a sorrir e a imitar uma pouse que vemos nesses filmes americanos quando o protagonista vem salvar o dia.

Eu me encontrava ao lado da Ellen, exatamente onde ele tinha me deixado. Ela não estava nada bem. Tinha duas noites sem dormir ou pelo menos sem dormir de verdade.

- Grandel! Chega aqui! - disse a Ellen com um tom de voz muito serio, apesar da sua aparência indicar o contrário.

Fomos para um canto qualquer em que poderiam ouvir-se um ao outro, sem os gritos constantes daqueles que já nem lembravam dos seus nomes.

- Eu gosto de ti Ellen! - começou o Grandel por dizer.

Aquelas palavras o sufocavam há meses e agora pareciam ter que sair com tamanha urgência, que eu não saberia dizer se era gostar dela ou respirar que era o mais importante em sua vida.

- Eu fiz isso tudo por ti! Para que eu pudesse estar junto de ti. -disse por fim, referindo-se ao carro, as noites sem dormir, as notas altas que ele conseguiu obter em tão pouco tempo. E apesar de, não se importar com
isso, tinha imaginado os dois caminhando felizes pela cidade de Londres.

Seria perfeito!

- Desculpa Grande! Mas eu não posso ficar contigo.- respondeu a Ellen , tentando aparentar sóbria. Porém, era evidente o seu estado lastimável.

- Por que não?-questionou o Grandel encarando-a.

Nesse momento, ele se tinha dado conta que talvez ela não estivesse tão bem quanto imaginou que seria sua vida.

- Eu posso ajudar-te! - tentou o Grandel.

Agora sabia que aquele dia, ela não precisava apenas de um livro de
matemática. Ela precisava de alguém que a entendesse, como ele tinha feito com o pequeno hope e o Bardel. Mas como iria saber, se ela andava com o mesmo tipo de rapazes que tinham o ensinado a ser " homem de verdade"?

Ela riu-se, levando igualmente as mãos à cabeça para recompor antes de puder o encarar.

- Estás tão perdido quanto eu Grandel!

- Eles também estão! E tenho tudo o que eles têm. Então qual é o problema?- perguntou o Grandel alterando um pouco o seu tom de voz.

A Ellen se virou, ficando de costas.  Apetecia-lhe chorar, mas só o fazia perante a sua solidão. Uma vez que, o cabelo já estava horrível, com olhos
inchados a sua imagem ficaria pior, pensou.

-Porque com eles posso ser quem sempre eu imaginei ser. A melhor e mais perfeita que todos acreditam, mesmo que seja por algumas horas.

- Não precisas ser assim Ellen! - lamentou o Grandel. - Não somos
perfeitos...

- Então por que desejas ser como nós? Anh?- interrompeu a Ellen, se exaltando também.

O Grandel parecia ter tocado uma bomba de emoções assim como ela tinha feito momentos antes com ele. E não sabia o que dizer porque ela tinha razão.

Ele tinha-se apaixonado pela sua aparência e jamais saberia dizer seja lá o que for sobre a sua verdadeira essência. Os tinha invejado e por momentos acreditou que seria possível substituir a sua história por essa perfeição ilusória e se sentir tão feliz quanto eles aparentavam ser.

Mas eu nunca vi na vida, em um terreno onde haja batatas, plantar cenouras e no final esperar colher apenas cenouras. Por que então os humanos insistam em fazer isso com os sentimentos no terreno das emoções?

- O Mundo funciona assim Grandel...- disse a Ellen, quebrando o silêncio de palavras falhadas e pensamentos confusos.

E não tardou a juntar-se ao seu grupo, sem ao menos olhar para trás.

A falta de amor fez com que ele desse tudo, sem ao menos ter a certeza que receberia igualmente o mesmo de volta.
Mas a vida é um jogo de apostas, em que na maior parte das vezes teremos
que perder para que possamos um dia vencer.

No entanto, Grandel não estaria mais disposto a apostar. Enquanto caminhava para o carro, seus olhos se mostravam perdidos. Sentiu novamente aquela sensação odiosa voltar e a sua maior certeza era que todas as vezes que tentasse dar um passo, ela iria voltar, tal como agora que usava o rosto da Ellen para o ferir.

A dor tinha finalmente vendado os seus olhos...

A Menina que colecionava Penas (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora