VII

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"Perguntou-lhe Jesus: Judas, com um beijo entregas o Filho do homem?(Lucas 22:48)"


_Como vai meu caro Samuel? - diz padre Isaías, com sua voz simpática. Está usando a batina que já vi milhares de vezes, mas por algum motivo eu a estranho.

Na verdade eu sempre a estranho um pouco - percebo.

_Um pouco perturbado, padre. Será que atrapalho o senhor ?

_De maneira alguma. Eu já ia encerrar as portas da igreja e me retirar, mas sempre há tempo para uma conversa. Ou uma confissão - diz ele piscando para mim, acostumado as minhas confissões repentinas.

Apesar de genuinamente simpático e interessado, algo no padre Isaías sempre me diz que gosta muito de fofocas. E que tem especial interesse na minha história com Diogo. Sempre parece tão interessado...

Conto a ele tudo o que ocorreu no escritório com André, meu sub-gerente, e como me senti. O anseio de por aquilo para fora é grande e só após contar tudo percebo que o fiz sentado frente a frente com o padre.

É a primeira vez que me confesso nas cadeiras ao lado do confessionário, e não dentro. Estava ansioso e nervoso demais por desabafar. Sinto uma vergonha súbita quando me dou com seus olhos interessados em mim, mas já havíamos começado.

_ Mas então você ficou perturbado por achar que estava traindo seu companheiro, o Diogo, com seus pensamentos ? É isso? - pergunta ele, confuso.

A verdade é que nem eu sei porque me sinto tão mal com o que fiz, afinal Diogo seria um demônio que esconde isso de mim, e só isso deveria bastar para que eu não me sentisse na obrigação de nada, mas ainda assim ...

_ Na verdade eu não sei bem o que sinto. Sinto algo muito estranho em Diogo, algo sobrenatural, como um grande pecado. Mas Diogo é como algo inevitável. Já meu chefe, era um desejo que eu poderia conter e não ficar pensando nisso.

_ Inevitável?

Coloco a mão na testa, meu cotovelo apoiado no braço da cadeira.

_ É difícil explicar. Eu não sei o porquê, mas não lembro de algumas coisas do meu passado, principalmente com ele. As lembranças que tenho com ele as vezes são meio assustadoras. Mas outras vezes...

_ Outras vezes? - o sacerdote parece me incentivar a me abrir.

_ Outras vezes tudo é tudo tão... fantástico, lúdico; de até parecer errado eu me incomodar.

_ Eu acho que isso demonstra que você é uma boa pessoa, e se preocupa com ele. Por que se martiriza tanto, filho? - diz ele, tocando gentilmente em meu braço - ninguém tem controle total dos pensamentos. Está tudo certo com você. Você vem aqui fazer essas confissões tão frequentemente, como se tivesse um gigantesco pecado, como se fosse genuinamente mal. Mas a verdade é que até hoje não me disse nada tão terrível assim. Acima de tudo, eu o considero um amigo. Eu quero que você se sinta bem.

A voz do padre Isaías é forte, e ao mesmo tempo reconfortante. Uma voz realmente divina. Ele coloca suas mãos grandes em torno da minha mão gelada enquanto fala. Sinto um grande calor nelas.

Olho seu rosto bonito, a curva circular que dá formato aos seus olhos, juntamente à sobrancelha grossa. Seu rosto sempre traz uma sensação boa e reconfortante ao ser olhado, Há algo ali que faz você querer se abrir.

_ Eu as vezes me sinto controlado por meus desejos. São eles que controlam a minha vida. Eu não sou essa pessoa que o senhor pensa, padre. Se o senhor soubesse as coisas que passam pela minha cabeça...

_ Não cabe a mim julgar, Samuel, apenas ouvir. Eu sou tão humano como você, também tenho minhas falhas. Meus desejos difíceis de controlar. Isso é normal - diz ele, me olhando nos olhos com os seus, negros e brilhantes, sem recuar.

Algo na expressão "meus desejos difíceis de controlar" atiça uma malícia até então discreta, trazendo-a, de algum buraco obscuro e perdido no fundo da minha mente doente, trazendo-a para a luz. Ela já estava ali. Eu a estava sufocando ao longo da conversa, mas nessa hora... Abaixo a vista, porém acabo pondo o foco em sua boca.

É uma boca larga, cheia, de lábios abundantes, emoldurada em um maxilar pontudo e anguloso que termina em duas protuberâncias abaixo da orelha. Um ímpeto de loucura me toma e puxo seu pescoço, dando-lhe um beijo, com vontade. Com lasciva. Seus lábios são quentes e muito macios, e sinto sua língua quando a toco com a minha.

Estou condenado.

_ Mil desculpas padre, me...me perdoe. Eu... eu não me reconheço! - a fala me falha, acabo empurrando-o e saindo esbaforido, sem dar chance a ele de me repreender.

Passo correndo pelos bancos da igreja e dou uma topada forte no ajoelhador da última fileira, fazendo um barulho de madeira que se alastra na igreja vazia, e machucando minha canela. Meus olhos se enchem de lágrimas, que não são somente da dor, mas ignoro e corro até meu carro.

Dirijo feito um louco, sem entender o que diabos me fez fazer aquilo. Provavelmente O Diabo. "Você está condenado, Samuel! É sério isso? Um padre?!! Que Deus o perdoe"... Os pensamentos me atormentam a viagem toda.

Entro apressado em casa, como se pudesse fugir a mim mesmo, e abro a porta com tudo. Tomo um susto medonho, enquanto me dirigia à copa, que me faz dar um grito engasgado!

_Oi bonitão. Eu senti sua falta. Que cara é essa?

Diogo está ali, com uma de suas costumeiras bermudas curtas no meio das coxas. Usa uma velha camiseta dourada de algodão que eu sempre adorei, sem detalhes, e que fica incrível em seu corpo forte e moreno-escuro. É bem"agarrada" nos braços e sempre dá um desenho incrível a suas costas perfeitas.

Salazar, que só me observou de longe durante essas semanas, com seus olhos enormes e amarelos, dorme tranquilamente em seu colo. Estava sentado na mesa da copa, bebendo algo quando entrei, mas levantou-se, acordando o gato que pulou de cadeira, passou indiferente por mim e cruzou o portal que separa o cômodo.

_ Di.. Diogo? Como...O que faz aqui? - digo, as palavras difíceis de organizar.

Aproximou-se de mim para saudar-me com um beijo. Sinto o gosto doce do que bebia. A sua língua é para mim como leite e mel.

_ Resolvi fazer uma surpresa. Mas se soubesse que você ia fazer essa cara teria te avisado.

_ Foi de fato só a surpresa - digo, apressado - Me desculpe. É muito bom te ver. Seu pai está bem?

_ É um péssimo mentiroso Samuel. Sempre foi. - diz rindo, com seu sorriso enigmático - Por que não me conta o que houve?

***

Olá pessoal, tudo bem? O que estão achando da história até aqui? Caso estejam gostando por favor deixem seu voto ou comentário, pois isso motiva bastante. Caso achem que há coisas a serem melhoradas, sintam-se a vontade pra me dizer também. Muito obrigado!

O Diabo sobre a CarneOnde histórias criam vida. Descubra agora