Jogo de xadrez

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Os passos pesados e firmes de Ernest se fizeram ouvir. Atravessando o gabinete, foi até uma mesa com um jogo de xadrez. Se sentou e olhou para as peças.

- Sente-se, maninho... vamos jogar uma partida enquanto conversamos...- Deu um sorriso maligno e de canto de boca enquanto Connor suspirava com a cabeça enterrada nas mãos, os cotovelos apoiados na grande mesa de mogno...

- Não estou com cabeça para jogos, Ernest... - Disse ele. - Sei perfeitamente que você arquitetou essa... essa... coisa contra mim!

- Jogue comigo!

- No. - Connor se sentia cada vez mais cansado. Sua cabeça tinha começado a doer, e sua úlcera também. Sempre doíam, principalmente quando ele se estressava.

- Se  não jogar comigo, você jamais verá sua família novamente, Connor. Ficará sozinho, como quando papai morreu. Você ficou sozinho, se lembra?

Connor olhou para um retrato do pai em uma das paredes do gabinete.

- Sim... talvez melhor do que gostaria... - Disse, em um sussurro, seus olhos distantes e encobertos por uma sombra de tristeza e saudade. Suspirou e foi até a mesa com o jogo de xadrez. Escolheu as peças brancas. 

Ernest começou. 

- Você sabe, Connor... meu querido irmão, que todo o meu ódio por você começou desde a gravidez de mamãe...

Os olhos de Connor se arregalaram. Jogou. Ernest continuou a falar:

- A saúde dela era frágil, e era óbvio que ela não sobreviveria ao parto do bastardo ou da bastarda, que acabou por ser você. 

Ernest jogou e continuou a falar, examinando as jogadas de Connor ao mesmo tempo.

- Então quando nosso pai apareceu na porta do meu quarto com sua versão bebê nos braços dele, senti ódio; imediatamente soube que a minha mãezinha havia morrido por sua causa. Os anos foram passando e meu ódio por você apenas aumentava. Lembro bem que, quando você tinha poucos meses de vida, tentei te matar. Entrei no seu quarto com uma faca bem afiada e me aproximei do seu berço. Você acordou bem no momento em que eu estava prestes a enfiar a faca no seu coraçãozinho... você gritou e começou a chorar. Foi o fim da minha tentativa; Arthur chegou correndo, te pegou no colo e te levou para o quarto dele. Na semana seguinte, fui levado para outro palácio, para sua própria segurança. Então, quando Arthur ficou muito doente, eu voltei, com meu ódio por você sendo alimentado durante todos esses anos... - Fez uma pausa dramática e encarou Connor, que estava de olhos arregalados. Ernest pigarreou e continuou:

- Quando Arthur morreu, eu me senti livre, e quando me tornei rei, mais ainda; bebia com meus amigos e te maltratava, te espancando muito. Mas aquele Desmoulins... - Rangeu os dentes ao falar o nome " Desmoulins "- Sempre te protegia... reinei e te maltratei por uns bons anos; você era um rato, Connor. Um rato pronto para ser maltratado, indefeso e sozinho.

Jogaram. Ernest continuou a falar:

- Tudo ia bem, até que aqueles conselheiros me tiraram do poder! - Bateu na mesa de xadrez.- Me exilaram e te colocaram no poder! Mas, felizmente, consegui fugir do exílio e estar na sua coroação. Como te odiei naquele momento! Mas esperei. Fui paciente durante vinte e cinco anos, esperando que você fizesse algo terrível. E você fez, tirando Charles do cargo! Então ele, que já não gostava de você, uniu forças comigo.

Olhou para Connor.

- E aqui estamos nós... xeque-mate! - Sorriu ao derrotar Connor.

Connor suspirou e saiu do gabinete. Pegou seu cavalo, sua arma de fogo e foi até a casa de seu sogro. Precisava ver sua esposa e filha.

Viva La Vida: A vida de um rei exiladoOnde histórias criam vida. Descubra agora