Aprendendo a conviver

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A sala estava em total silêncio. Ouvia-se apenas os sons das buzinas e conversas que vinham da rua, de fato o local não era tão sossegado assim, para se viver por muito tempo.

Para quebrar o gelo, que havia se formado por causa das falas de Daciolo, Guilherme Boulos propõe: - Então Fernando, que tal você contar um pouco pra gente sobre a fraqueza do governo Bolsonaro, porque eu quero invadir, digo, ocupar democraticamente o palácio da alvorada.

Manuela olhou de soslaio para Boulos e soltou um sorrisinho maroto, dizendo: - Não se preocupe, companheiro, ainda vamos ter a nossa vingança.

Achei melhor não comentar nada, afinal, já me sinto muito envergonhado por ter desistido da minha candidatura por causa do Jair. Não foi fácil dizer a Manuela que eu estava desistindo de concorrer, pois assim como Lula, ela queria ganhar, mas eu a deixei na mão.

- E então Fernando, o que você pretende fazer de agora em diante?- pergunta, Marina.

- E-Eu não sei... - respondo olhando para as minhas mãos que não paravam quietas.

Dilma Rousseff parece ter se lembrando de algo, então ela olha para mim fixamente. Manuela sem entender, questiona o ato da ex-presidente. - Eu acho que o Haddad deveria contar ao Lula tudo que está acontecendo. O porquê de ele ter desistido da campanha e também por ter sumido do nada. - finalmente Dilma disse algo coerente.

- Tá, mas o que o Lula tem a ver com isso?- D'Ávila questiona curiosamente, e Dilma, como se tivesse uma visão, pois estava com um sorriso meio retardado, diz:

- Muito simples, essa pode ser a chance perfeita para enfraquecer o governo de Bolsonaro, invadir o planalto e voltar ao poder. O Lula é importante nessa história porque precisamos da ajuda do povo. Veja, suponhamos que o Lula esteja muito preocupado com o Haddad, mas é impedido de sair do presídio, então denegrimos a imagem do Bolsonaro alegando que ele maltrata o Haddad e não está nem ai para o filho deles dois.

Guilherme Boulos não se conteve, então, virando um pouco o corpo para a esquerda, intervem: - Dilma, o Bolsonaro é racista, machista, homofóbico e não se envergonha disso. Você acha mesmo que ele vai se importar em ser chamado de "pai irresponsável"?

- Deveria...- resmunga Manuela.

Antes que eles continuassem com a discussão chata sobre governo, poder, Lula e Bolsonaro, resolvi intervir para que não acabasse com a saudação à mandioca, ou Cabo Daciolo rodando no meio do apartamento às 9h da manha. -Já chega! O que eu vou fazer da minha vida de agora em diante não diz respeito a ninguém. Então por favor, parem de falar de mim como se eu não estivesse aqui!

Todos pararam imediatamente o que estavam fazendo, que era discutir, e olharam para mim surpresos.

- Tudo bem, tudo bem! Keep calm e salde a mandioca.

Resolvi ignorar a Dilma, eu gosto muito dela, mas as vezes ela extrapola o limite, principalmente quando começa a falar umas coisas sem sentido.

Passando alguns minutos, o pessoal voltou a conversar decentemente, sem falar sobre politica ou sobre Bolsonaro, o que me deixou muito mais aliviado. Então Guilherme sugeriu que pedíssemos comida e todos aceitaram menos Daciolo que estava fazendo jejum para Michel Temer deixar a maçonaria e o satanismo. Quando a comida chegou todos pararam de conversar e trataram de arrumar uma mesinha na sala para colocar os copos, pois todo mundo concordou em comer pizza e pãezinhos franceses.

Todos, menos Daciolo que saiu para orar na Torre Eiffel, estavam cansados da viagem e já queriam dormir. Arrumar o espaço para dormir não estava sendo fácil, logo porque só tínhamos duas camas disponíveis. Depois de muita discussão, e democracia, Marina aceitou dormir junto à Dilma em uma das camas, Guilherme Boulos concordou em dormir no sofá, enquanto eu sugeri que Manuela dormisse comigo. Agora já eram 4 horas da manhã e todo mundo dormindo. Todo mundo, virgula, eu.

Estava me sentindo muito enjoado, era como se tudo revirasse dento mim. Acho que o bebê não gostou dos pãezinhos, vou lembrar de anotar isso. " Nunca mais comer pãezinhos igual um condenado" , a não, pera, lembrei que o Lula não come pãezinhos franceses lá em Curitiba.

Com esse meu pensamento, senti meu estomago nausear ainda mais. Agora acho que o meu bebê não gosta do Lula. Assim, percebendo que não poderia mais segurar, levantei rapidamente e saí correndo em direção ao banheiro mais próximo.

Ao me aproximar do vaso, me abaixo e levanto a tampa começando uma série de vômitos que dura longos minutos. Ainda com a cabeça baixa, sinto alguém passar as mãos suavemente pelas minhas costas. Sorrio, mesmo estando completamente grogue.

Manuela, Dilma, Marina, Daciolo e Guilherme, depois de passarem quase um mês aqui, voltaram para o Brasil. Confesso que sem eles por perto me sinto completamente desprotegido, indefeso, ou simplesmente, sozinho. Pelo menos recebi uma noticia boa durante esse mês, fui contratado como professor da Universidade Panthéon-Assas Paris II. Se estou feliz? Mas é claro.

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Dois meses depois.

Acordei assustado com o alarme do despertador. Com certa dificuldade, visualizei os números que marcavam a hora no visor do meu celular, eu já deveria estar na sala de aula há praticamente 1 hora. Então me levantei rapidamente, logo trocando de roupa, arrumando o cabelo e escovando os dentes. Antes de sair tratei de colocar um casaco folgado para tentar esconder um pouco a minha barriga.

Peguei minha bicicleta que estava no estacionamento do prédio, e rumei para a Universidade. Ela não era muito longe do meu apartamento, mas também não era perto o suficiente para ir a pés, e para piorar ainda mais a minha situação de atraso, o transito resolve não colaborar comigo.

Continuei pedalando, atravessando carros e motos, arvores, pessoas, fazendo o possível para não chegar mais atrasado ainda, e logo quando eu estava entrando em uma avenida que ligava o bairro da Universidade ao meu, um carro surge ao meu lado e bate no pneu da bicicleta. Sem conseguir manter o equilíbrio acabo caindo em cima de uma poça d'água.

O carro para imediatamente, vejo uma pessoa descer, porém não dou importância. Me levanto e percebo que o pneu da bicicleta furou. Uma ótima maneira de começar o dia.

- Ei cabra, tudo bem aí? - conheço essa voz muito bem.

- Estaria muito melhor se você prestasse atenção na pista, Ciro.

Me viro na direção em que ele estava.

- Fernando? Que tu faz aqui, ômi?

Sorrio, constrangido com a situação. - Longa história...









O meu amor não é você.Onde histórias criam vida. Descubra agora