Estamos prosseguindo

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Ciro já estava ficando cada vez mais preocupado com Haddad, tanto que não aguentou mais ficar sentado olhando os prédios e avenidas através da sacada, precisou levantar-se. Quando estava indo ao encontro de Fernando, que estava no quarto mais próximo à cozinha, o moreno apareceu na entrada do quarto. Os fios do cabelo estavam desalinhados, o rosto cansado e a bochecha direita marcada pelas dobraduras da fronha da cama. 

— Eu já estava indo te chamar. Você me preocupou, homem! 

Haddad não ouviu, não encarou, e não respondeu. Passou direto por Ciro e se sentou à mesa, percebendo que havia um prato, uma colher, e uma panela centralizada em cima do suporte de madeira. Fernando, movido pela curiosidade, inclinou-se para frente e estendeu o braço para alcançar a tampa, ao retira-la sentiu-se fascinado pelo cheiro maravilhoso que invadiu suas narinas. Surpreendeu-se. 

— Eu não sei se está do seu agrado, mas eu me esforcei para que ficasse no mínimo decente.— Ciro disse meio envergonhado ao perceber a expressão de Fernando. O cearense aproveitou e se sentou em uma cadeira paralela à que o outro estava sentado, ficando de frente para ele. 

— Fernando, olha... eu não deveria ter te dito aquelas coisas, eu estava de cabeça quente. E quando você desmaiou eu me senti ainda mais culpado. 

— Tudo bem Ciro, eu não vou mentir e dizer que não me magoou, pois estou muito chateado. Mas sabe, em tudo você está certo. Eu sou o único errado nessa história. — Haddad respondeu com um sorriso fraco, forçado, tentando repassar para Ciro que não havia nenhum problema. No entanto, a fragilidade estava estampada em seus dizeres. 

— Fernando, eu não disse que só você está errado, tanto que, mais errado está o Bolsonaro. Ele sim é o responsável por tudo isso. Se alguém tem que sentir as consequências, tem que ser ele, rapaz para de se lamentar. — o de cabelos grisalhos levantou-se e foi para próximo de Haddad, depois sentou-se na cadeira que estava ao lado dele. — O que está feito, não pode mais ser corrigido. A sua melhor opção é esquecer e seguir a vida. E eu quero estar aqui para assegurar que isso aconteça...

Haddad, no mesmo instante, voltou-se para Ciro e o fitou confuso. — O que está dizendo? Por que está mudando de ideia? Pensei que não queria mais ser meu amigo. 

O Ferreira Gomes esvaziou os pulmões para puxar o ar com força.  — Eu pensei que você soubesse, mas acho que não. Imaginei, por vários anos, que você conhecia os meus sentimentos, mas preferia o Bolsonaro mesmo sabendo que poderia perder a minha companhia. 

— Sentimentos? Ciro? 

Ciro pensou por alguns minutos. Perdeu-se em sua divagação. Se Fernando não sabia, e sequer imaginava o motivo pelo qual o mais velho sempre estava com ele na juventude, demonstrando uma devoção fora do comum, uma proteção incompreensível, e um carinho ininteligível,  explicar agora mudaria alguma coisa? Certamente não. 

— Eu me exaltei. Não é nada de mais. 

Fernando Haddad percebeu que houve uma omissão, mas achou melhor não insistir. — Tudo bem... 

O ex-presidenciável do partido dos trabalhadores serviu-se, encheu o prato com a sopa que Ciro havia preparado, e que estava com uma aparência formidável. Ao experimenta-la com a primeira colherada, percebeu que o gosto estava tão bom quanto a aparência. — Hum, onde aprendeu a cozinhar assim? Não conhecia esse seu lado. — perguntou Fernando surpreso enquanto apreciava a segunda colherada. 

— Por aí. Existem muitas coisas que as pessoas não conhecem sobre mim. — o mais velho respondeu simplista elevando minimamente os ombros. 

— Imagino... — Haddad respondeu com um sorriso diminuto. O clima entre o paulista e o cearense estava nitidamente estranho. Não sabiam como continuar a conversa, nem o que dizer um ao outro. 

O meu amor não é você.Onde histórias criam vida. Descubra agora