Desenterrando sentimentos

91 6 5
                                    

— Ciro? Oh... Ciro? — Haddad estalava os dedos em frente a face de Ciro Gomes, que  encontrava-se estático olhando para um ponto qualquer. Os dois estavam sentados em um banco de concreto numa praça da universidade. Fernando estava com um violão, pois havia acabado de tocar uma musica que iria apresentar em um seminário, enquanto Ciro  estava apenas com sua mochila e livros no colo. 

O moreno, de cabelos lisos e volumosos, estava prestes a desistir  quando o cearense deu sinal de vida piscando os olhos. Ele rapidamente se desculpou pelo transtorno, sorrindo envergonhado. Fernando achou estranho, Ciro não se comportava assim, ele era sempre muito explosivo, agressivo e concentrado. — Tá tudo bem?  — 

Ciro desconversou e respondeu dizendo que estava bem, quando na verdade estava aéreo pensando no quando o outro era incrível. Ver Haddad tocar o violão trazia-lhe imensa paz, os dedos habilidosos, o balançar suave da cabeça no ritmo da musica, os lábios movendo-se silabando trechos, tudo muito perfeito. Ciro sofria todos os dias. 

— Você toca muito bem! — proferiu o cearense escondendo os enunciados que vinham em sua mente. Queria dizer: " Você é perfeito, Nando"

— Você acha? Será se assim eu vou conseguir conquistar o Jair? — o libanês mordia os lábios, nervoso. — Acho que preciso melhorar! Ele com certeza vai achar que toco mal...

— Minha opinião não vale nada?  — Ciro perguntou emburrado, detestava quando Fernando falava do Bolsonaro, para ele era motivo o suficiente para passar o dia todo com raiva. 

— É claro que vale, mas... você é meu melhor amigo! Eu posso ser um lixo, porém você sempre vai me elogiar  — Haddad  respondeu virando-se para Ciro , indignado. 

— Claro! — o mais velho fechou ainda mais a cara após ouvir a expressão "melhor amigo".  — Passar bem! — saiu, pisando fundo com a cabeça quente. 

Fernando Haddad ficou sozinho no banco sem entender o que havia acontecido. Sabia que o amigo estava agindo estranho desde o dia que revelou para ele que estava apaixonado pelo Bolsonaro. Mas, no fundo, Haddad sabia que não tinha certeza de seus sentimentos. 

Ciro Gomes já estava cansado de ouvir a mesma coisa todos os dias durante quatro anos e meio. Era sempre a mesma conversa, sempre sobre Jair Bolsonaro. O rapaz queria simplesmente poder desejar felicidades ou encorajar o "amigo" a investir no relacionamento, mas entendia que estaria sendo falso. Admirava, prezava, amava Fernando de mais.

O cearense não aguentava mais guarda o que estava sentindo, ou se afastava, ou simplesmente confessava. Preferiu se afastar mesmo sabendo que estaria esfaqueando o próprio coração, e enterrando todos os bons sentimentos que mantinha. Dirigiu-se a reitoria e pediu transferência e, sem dizer nada, partiu. Precisava de tempo para matar aquele amor. 

Não imaginou que  o fato de trabalhar com Haddad  no mandato de Lula, e ainda enfrenta-lo na disputa presidencial seria suficiente para fazer ressurgir os sentimentos que levou anos para soterrar.  Não era pra ter acontecido, mas aconteceu, ele estava apaixonado novamente. Durante as eleições, expressava o seu "amor" com ataques ao moreno e ao PT. Estava muito frustado e magoado, pois já sabia que Fernando Haddad  estava se relacionando com o Bolsonaro. 

Foi impossível enterrar o amor pela segunda vez, pois não houve terra pra isso.  

— Bom dia, meu bebê... — sussurrou Ciro enfiando o rosto na curvatura do pescoço de Haddad. 

— Bom dia, Ciro — respondeu Fernando, também em um sussurro. Ao perceber a construção do enunciado do moreno, notou as palavras que havia dito, o pronome possessivo e o adjetivo. Pensou em se corrigir, mas já era tarde. Sentiu-se um idiota pela milésima vez. 

Ficaram em silêncio por alguns minutos até Haddad virar seu corpo, com cuidado, para ficar de frente com o de Ciro. O petista estabeleceu contato visual com o cearense, estava tomando coragem para iniciar uma conversa que deveria ter inciado há muito tempo, então, enunciou com a voz levemente embargada, pois acabou com os hormônios em alta. — Ciro, agora eu sei o motivo pelo qual você pediu transferência... eu sinto muito por isso, na época eu não fazia ideia do que estava sentindo... eu sinto muito mesmo. 

O cearense não respondeu nada, embora estivesse com uma vontade imensa de falar que estava tudo bem e que agora nada mais importava. No entanto queria saber o que Haddad pretendia com essa conversa.

— Eu sei que pedir desculpas não vai resolver nada. Eu me sinto um tonto! Não consigo acreditar que fui incapaz de enxergar o seu amor por mim... — Fernando sentiu-se envergonhado, então desviou o olhar para o lado. — As suas palavras carinhosas, os seus "eu te amo", as vezes que você me defendeu dos amigos do Bolsonaro, as vezes que você brigou por mim, que você apanhou por mim, ninguém nunca fez isso por mim além de você. Eu sinto muito... Eu jurava que amava o Jair, mas me enganei. O meu amor é você. 

Ciro suspirou. Sabia que o moreno só estava falando isso porque sentia-se sozinho o tempo todo, sabia que os hormônios tinham participação nisso, mas também acreditava, mesmo que cinquenta por cento, na veracidade das palavras. 

— Você ainda me ama, né? — Fernando voltou a olhar para o grisalho, mas desta vez com receio.  Ciro não respondeu. — É... eu imaginei. Seria impossível você continuar me amando depois de tanta mancada que eu dei. — o libanês sorriu nervoso. 

O pedetista sorriu, mas, diferente de Fernando, sorriu feliz. Haddad ficou curioso, queria saber o motivo do sorriso, estava prestes a perguntar quando foi surpreendido por um beijo em seus lábios. Ficou atônito, não esperava por essa reação de Ciro. Esperava, no mínimo,  uma chuva de palavras agressivas e ofensivas. 

O grisalho separou minimamente seus lábios do de Fernando, e sussurrou com o rosto ainda próximo ao dele. — Acho que não preciso responder mais nada... 

— Mas Ciro, por que? Eu fui muito... desprezível.  

Ciro balançou a cabeça negativamente e abraçou Haddad, deixando o rosto dele encostado em seu peito. — Meu amor por você nunca foi comum. Eu tentei superar isso, consegui na época da universidade, mas depois você reapareceu, e eu não consegui evitar. Eu te amo Fernando Haddad, não importa se você está esperando um filho do Bolsonaro, ou se você ainda gosta dele, eu nunca vou deixar de amar você, nunca! Alias, estou apaixonado por você faz mais de 30 anos. 

Fernando quis chorar, pois sentia-se extremamente idiota. Desperdiçou anos da sua vida com aventuras, relacionamentos desinteressantes, mantendo um sentimento mal esclarecido sobre o Bolsonaro. Se soubesse dos sentimentos de Ciro, ou se tivesse certeza do que estava sentido, não estaria na situação que se encontrava. Ou talvez estaria, mas estaria feliz. 

Haddad sentia atração por Bolsonaro, mas não conseguia ficar longe de Ciro, acabou interpretando errado. Quanta burrada! 







O meu amor não é você.Onde histórias criam vida. Descubra agora