Chega de mentiras

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Fernando ainda estava muito constrangido com o ocorrido. Ele pensou, mesmo contendo o nervosismo, por que Ciro não reagiu agressivamente? Conhecendo-o, como o conhecia, o esperado seria levar no minimo um soco na cara. 

Ao chegar no carro do mais velho, Haddad decidiu ficar esperando do lado de fora enquanto o outro trocava de camisa e guardava a suja em algum lugar. Ciro demorou alguns minutos dentro do carro, mas logo saiu completamente limpo e perfumado. 

Fernando ainda sentia seu rosto arder em vergonha. Devido ao seu nervosismo, não conseguiu dirigir sequer uma palavra a Ciro. Os dois caminharam até um restaurante e sentaram em uma mesa afastada próxima a uma janela grande de vidro. 

Haddad retirou o casaco marrom que estava usando e colocou em um cadeira que estava vazia ao lado. Ciro Gomes acompanhava atentamente todos os movimentos do homem a sua frente, sem segundas intenções, queria apenas entender por que Fernando estava tão estranho e diferente.

Ficaram, os dois, encarando-se por alguns minutos. Ciro apoiou seu cotovelo do braço esquerdo sobre a mesa e apoiou o lado esquerdo do rosto sobre a mão e por fim disse. — Estou esperando você começar a falar a verdade, Fernando. 

O moreno olhou fixamente para Ciro. Por um lado estaria se livrando de um enorme peso que era esconder o que estava acontecendo, por outro sabia que haveria uma consequência para isso, e ela não seria muito boa. 

Haddad então respondeu: — Tudo bem, mas antes peço que não me julgue... eu realmente não esperava que isso fosse acontecer. 

O mais velho acenou positivamente e pediu para que prosseguisse.

— Ano passado, eu... — Fernando parou e desviou o olhar. — Comecei a me relacionar, não politicamente, com o Jair Bolsonaro. Como você sabe, durante a universidade eu guardei alguns sentimentos bons pelo Jair, mas durante a campanha, depois de quase 20 anos, ele resolveu me corresponder.  

Fernando Haddad pôde perceber uma certa raiva estampada no rosto de Ciro. — Foi por causa dele que eu abandonei a disputa pela presidência, abandonei o Lula e a Manuela, no entanto o que acontecia entre nós não era nada do que eu imaginava. Ele não gostava de mim, só apareceu na minha vida novamente para me fazer desistir da campanha eleitoral e para... — o mais novo mordeu os lábios dolorosamente olhando para o chão.

— Para o que?— perguntou Ciro impaciente. 

Num pique de coragem, Fernando voltou novamente seus olhos para Ciro e respondeu com toda a seriedade que o momento exigia. — Para se aproveitar dos meus sentimentos. Ciro, eu estou esperando um bebê do Jair. É isso. 

O cearense ficou alguns minutos em silêncio, pois ainda não havia raciocinado completamente. Haddad já se sentia angustiado com toda aquela demora, se não conseguisse controlar todo o nervosismo e o medo acabaria vomitando novamente, ou até mesmo desmaiando. 

Quando Fernando ia falar algumas coisa a respeito, Ciro bate com o punho fechado sobre a mesa visivelmente irritado. — É o que Haddad? 

Haddad se assustou com o barulho repentino, o que chamou a atenção de outras pessoas que também estavam presentes no local. Mesmo nervoso por causa do susto tentou explicar a situação, entendia perfeitamente o lado de Ciro. — Calma, eu posso explicar. O que eu sentia pelo Bolsonaro era mais forte que a minha vontade de ganhar a eleição. Ele pediu, eu não consegui dizer não. 

— A questão não é essa Haddad! As eleições já passaram! O que tá me deixando cabra injuriado é que depois de 20 anos, com todas as humilhações que esse projetinho de Hitlerzinho tropical te fez passar, você vai e resolve dormir com ele. Francamente.

Fernando já estava com as mãos tremendo e suando frio. Tentou novamente explicar. Algumas pessoas pararam o que estavam fazendo para observar. — Ciro, me escuta, não sei por que você está assim. Você simplesmente sumiu do mapa no ultimo período da universidade, me deixou sozinho. Agora você quer dizer que se importa. Ficou contra mim nas eleições, me atacando sempre que podia. Por que disso agora?

As coisas não estavam fluindo muito bem entre os dois. Ciro Gomes estava bastante alterado, e Haddad não estava se sentindo bem. — Por que será que eu sumi e voltei para terminar meu curso no Ceará? Porque eu não estava mais aguentando ver você rebaixando-se para aquele nazifascista de merda! — o rosto do mais velho já estava visivelmente vermelho, principalmente a parte da bochecha e do queixo, e o seu tom de voz não estava nada baixo e calmo.

— Ciro, por favor, eu...— Fernando tentava a todo custo falar, mas Ciro não estava colaborando.

— Não venha querer justificar Haddad. Sabe o que você é? Você não passa de burro de carga, que é justamente o que o Bolsonaro queria. Agora veja bem, cadê ele que deveria estar aqui com você e com... com o seu filho, onde ele está? Onde esse filho da mãe está? — o cearense esperou pela resposta, mas nada. — Viu, ele se aproveitou de você porque sabia que você cederia facilmente. E tem mais, ninguém vai querer... —  Ciro, que até então só estava concentrado em jogar toda a sua raiva no ar, percebeu que Haddad havia começado a chorar. 

Só então Ciro percebeu que as palavras que usou foram pesadas de mais para alguém que estava em uma situação como a que acabara de ouvir. Pegou seu lenço que sempre carregava dentro de seu bolso e entregou a Haddad, que estava mais trêmulo. O homem de cabelos grisalhos também precisava se acalmar, então se levantou e ajudou Fernando a levantar-se. 

— Vamos aqui fora, você precisa de ar fresco. 

Foram para o lado de fora, por sorte havia uma pracinha ali perto. Ciro seguro no braço direito e Haddad e foi com ele até um banquinho de madeira onde indicou para que ele sentasse. Fernando não parava de chorar, o que já estava deixando Ciro preocupado e imensamente culpado. — Olha Fernando, eu sei que aquilo que eu falei foi meio pesado, mas você sabe que — o mais novo o interrompeu completando a frase:

— É a verdade. 

Haddad não conseguia sentir melhora alguma, tanto que já estava quase pedindo para que Ciro o levasse ao hospital, porém sentiu uma forte tontura e uma fraqueza no corpo que o fez apagar completamente. Ciro ao perceber isso o segurou com cuidado para que ele não caísse sobre o chão. 

Pensou em leva-lo para o hospital,  mas resolveu leva-lo de volta para casa e preparar alguma coisa para ele comer. Deduziu que essa era a necessidade ao carregar o moreno no colo e perceber que o peso dele estava consideravelmente baixo para alguém que está gestante. 

Com cuidado o colocou deitado dentro do carro nos bancos de trás. Dirigiu até onde era o apartamento de Fernando, e durante o percurso não parou de pensar no que havia ouvido, e muito menos conseguia acreditar.  Vinte anos foi suficiente para que ele engolisse todo o sentimento que alimentava por Fernando, ver e saber que o mesmo gostava de outra pessoa, no caso Jair Bolsonaro, era devastador. Por isso se afastou. 

Ao chegar no apartamento, Ciro pegou as chaves no bolso do casaco de Haddad e subiu com ele em seus braços até o andar onde ele estava morando, não muito alto. Saiu do elevador e foi até a porta do apartamento, destrancou, e entrou, por sorte ainda era dia. 

Fechou a porta com o pé e caminhou pela casa procurando o quarto, o que não foi muito difícil de encontrar. Colocou o mais novo deitado na cama e foi para a cozinha. Abriu a geladeira e encontrou várias coisas, poucas saudáveis, então selecionou o que era necessário para fazer uma sopa vem vitaminada e colorida. Claro que depois teria que ir ao mercado comprar frutas, legumes, verduras, raízes, sementes e peixes, e jogar os produtos industrializados fora.

Começou a preparar a comida. Seria quase que uma forma de pedir perdão pelas palavras, que já configuravam uma agressão verbal. No momento da raiva ele não conseguiu medir as palavras que ia usar, apenas falou e pouco se importou. 

Quando terminou de preparar percebeu que Fernando ainda não havia acordado, logo ficou preocupado, mas decidiu não ir chama-lo porque talvez ele estivesse cansado, o que de fato estava. 

Ciro foi para a sacada do apartamento e sentou-se em uma das cadeiras de balanço que havia por lá. Precisava pensar bastante, e como... 

Agora Haddad estava decepcionado com Bolsonaro, então não havia nada que impedisse uma aproximação. No entanto depois de tanto tempo ainda valeria a pena?





 


O meu amor não é você.Onde histórias criam vida. Descubra agora