Julia

— Você é viciada em café, já percebeu?

Finjo nem escutar o Dustin. Nem era para ele estar aqui hoje, mas ele conseguiu adiar a reunião com o chefe da gravadora para poder ficar e encher meu saco.

— Não sou viciada em café.

— Eu coloquei uma imagem assustadora no fundo do seu copo, mas você nem viu ela porque o copo mal esvazia e você já enche de novo. Cerca de dez vezes por dia. Considerando que o seu copo tem trezentos mililitros, são três mil mililitros só aqui no trabalho. A recomendação por dia, você sabe quanto é? Duzentos e vinte e cinco. E só.

Resmungo para fingir que entendi alguma coisa, porque agora finalmente consegui focar no trabalho. Faço anotações sobre o que leio, destacando os pontos a pesquisar mais. Viro a página do caderno, sem nem querer pensar na pilha de cadernos que preciso levar para a reciclagem. Isso é algo a pensar, não café. Estendo a mão para o copo, e levo à boca marcando uma informação importante de verde... e cuspo no chão.

— O que você fez com o meu café? — olho como a advogada de acusação que sou para o Dustin.

— É chá preto. Já que você quer morrer com o coração não aguentando doses e doses de cafeína, achei que seria interessante mudar pelo menos o sabor do seu assassino.

Encho a boca de balas de café, que fazem ele revirar os olhos. Preciso mudá-las de lugar antes que ele desapareça com elas como fez com as cápsulas de expresso da máquina da sala de espera mais cedo.

— Eu preciso ficar acordada, Dustin. Sabe quantas horas durmo por noite? Quatro. Se eu quiser fazer todo o trabalho, preciso de algo que me mantenha acordada.

Ele se inclina pra frente na cadeira, o que, considerando a altura dele, quase o traz para o lado de cá da mesa.

— Você não consegue dormir mais porque está entupida de cafeína. É um ciclo. Quanto mais você consome cafeína, menos você dorme; quanto menos você dorme, mais consome cafeína.

— Você não deveria se importar. — digo, esperando que isso o deixe calado por alguns minutos.

— Mas me importo. Ainda não entendo a sua motivação para se meter no mundo do crime, só que você mesma me fez ver que é importante para você. Não sei a razão, mas é. E morta, Julia, — ele pega o pote das balas, e leva para perto do corpo — você não pode fazer o que é importante. Isso vai comigo.

Não digo nada, deslizando a mão vagarosamente para o meu bolso do casaco, em busca das balas que levo para os julgamentos. Ele chega antes, porém, e guarda estas no bolso.

— Não, Julia. Não. Tenho que fazer a janta, não precisa levar o vinho. Não é comida para vinho.

Ele sai vitorioso, e eu fico ali, derrotada.

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Sem café, minha cabeça dói muito, enquanto a última cliente me explica o que a ex-mulher fez contra ela. Mal consigo lembrar dos artigos da lei que foram infringidos pela criminosa enquanto faço as anotações. A moça bem afeiçoada me olha com preocupação.

— Está tudo bem, Julia?

— Não muito, mas vou ficar. Você disse que ela usou uma faca?

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