Theresienstadt

85 2 0
                                    

1942-43

Kinderheim L410 era um prédio largo com mais ou menos dez dormitórios. Vinte
meninas dormiam em cada quarto, em colchões de palha colocados em beliches de três andares.

Antes da guerra, cinco mil pessoas moravam na cidade. Os nazistas amontoaram três vezes esse número de prisioneiros no mesmo espaço.
Nunca tinha espaço suficiente, nunca tinha comida suficiente, não havia um momento de privacidade. Havia pessoas demais, muitas baratas e ratos, e muitos nazistas para patrulhar o campo com uma disciplina cruel.

No começo, Hana, por ser jovem demais, não era autorizada a deixar o prédio. Isso
significava não ver George. Ele vivia no Kinderheim L417, que era só para meninos, a algumas quadras dali. Hana sentia uma saudade terrível do irmão, e constantemente procurava notícias
dele por intermédio das meninas mais velhas, que podiam ir para fora. Elas acolheram Hana.

Sentiam pena dela, sozinha no mundo, sem pai nem mãe e longe do irmão.
Hana ficou amiga de uma menina mais velha, que dormia na cama ao lado. Ella era baixinha, tinha a pele escura e era muito animada. Sempre tinha uma risada pronta e estava feliz por ficar com Hana a maior parte do tempo: assim podia servir de exemplo e confortá-la em situações
difíceis.

O homem que distribuía os cupons de alimentação também gostou de Hana e se preocupava com sua saúde. Ele sabia que Hana estava sempre com fome. Ele se prontificou a “roubar” alguns cupons extras – uma tigela a mais da sopa aguada ou uma fatia a mais de pão preto. O
estômago de Hana roncava e sua boca salivava com a perspectiva de mais comida. Mas toda vez que mais comida lhe era oferecida, ela educadamente recusava. Tinha sido avisada por Ella e pelas meninas mais velhas que estaria em maus lençóis se os guardas a pegassem infringindo
uma regra.

Arrancadas de suas famílias, amontoadas em espaços pequenos, quase sem comida, as garotas estavam determinadas a tentar ver sempre o melhor lado da situação. As que tinham mais de quinze anos trabalhavam no jardim, onde frutas, vegetais e flores cresciam para os soldados
nazistas. De vez em quando, o Sr. Schwartzbart, que administrava o jardim, permitia que Hana viesse com o grupo de trabalho e aproveitasse o sol e o ar fresco. Hana adorava trabalhar no jardim com as meninas mais velhas. E ainda havia outra vantagem: uma vagem aqui, um morango ali, sempre se dava um jeito para fazer uma “boquinha”.

Mas na maior parte do tempo Hana tinha de ficar com meninas de sua idade ou mais novas e obedecer ao supervisor designado para o seu quarto. Todos os dias, elas limpavam, tiravam o pó e varriam embaixo das camas. As louças, assim como os rostos, eram lavados debaixo de uma
bomba d’água. Todos os dias, havia aulas secretas no sótão do Kinderheim L410.

Nas aulas de música, as meninas aprendiam canções. Elas cantavam baixinho, para não serem ouvidas pelos guardas. No final de cada aula, uma criança era escolhida para cantar sua canção favorita de quando estava em casa. Quando chegava a vez de Hana, ela sempre cantava “Stonozka” – a Canção da Centopeia.

Sua vida não é mole
Imagine como sofre
Quando tem que andar a pé
E cada um de seus pezinhos
Fica dolorido até
Ela tem razão em reclamar.
Quando eu quero chorar
Penso logo na centopeia:
Se tivesse que andar como ela
Ia ficar bem dolorida!
Minha vida, e não a dela,
É que é bem divertida!

Havia, também, aulas de corte e costura. Hana nunca tinha dado um ponto na vida e teve muita dificuldade em aprender a usar uma agulha. A professora sempre tinha de mandar Hana parar de rir quando errava alguma coisa. Mesmo assim, ela conseguiu acabar uma blusa azul da qual se orgulhava muito.

Mas a aula favorita de Hana era a de artes. Tintas e lápis de cor eram difíceis de conseguir.
Algumas pessoas “contrabandearam” materiais para dentro do gueto em malas. O papel tinha sido roubado, com muito risco, dos depósitos nazistas.

A Mala De Hana - Parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora