XXXII - Bloqueio Mental

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Todos se juntaram em volta da mesa para jantar. Conforme comiam, Roberto e Maristela começaram a bocejar com certa frequência.

— Nossa, que sono. — Roberto apoiou os braços na mesa e o rosto nas mãos.

— Eu também estou... — Maristela comentou. — Acho que hoje foi cansativo. — Se encostou na cadeira, fechando os olhos.

— Acho que... — Roberto começou, mas parou. Sua cabeça foi para frente, indo contra o prato quase vazio.

— Pai! — Rebeca se assustou, levantando e puxou a cabeça dele para cima.

— Você não queria que eles dormissem? — Isabel questionou. — Estão dormindo.

— Mas que eles dormissem na cama ou no sofá! Olha isso, eles vão ficar com dor em tudo.

— É... bom, eu não pensei nisso. Eu coloquei a essência para funcionar imediatamente. Se você tivesse me lembrado...

— E agora? Não posso deixar eles assim.

— Eu dou um jeito. Vai se ajeitar.

— Olha o que você vai fazer com os meus pais. — Apontou o dedo para ela.

— Relaxa, vai logo.

Rebeca correu para o quarto, pegou roupas e foi tomar um banho rápido. Assim que saiu, viu que Isabel estava no quarto, também com outras roupas.

— O que você fez com eles? — perguntou desconfiada, deixando as roupas na cama.

— Eles estão na cama deles.

— Na cama...? — Deu uma olhada para fora, em direção ao último quarto, e dali viu seus pais na cama deles, deitados e cobertos. — Como você fez isso?

— Tomei uma essência de força de cinco minutos. — Sorriu e estendeu um copo com um liquido rosado. — Toma. Bloqueie seus pensamentos.

— Ah... tá. — Pegou o copo, receosa, e tomou tudo de uma vez. Tinha gosto de água. — Vamos?

— Vamos! — Isabel saiu na frente.

— Onde tem essa passagem para o Ponto Nulo? — A seguiu para fora da casa, pela porta dos fundos.

— Você consegue meio que achar um, desde que já tenha estado lá antes, mas tem que tomar alguns cuidados.

— Quais?

— Obviamente, não pode ter pessoas "normais" por perto. Depois, é sempre mais fácil você pedir um portal perto da natureza. As energias são mais intensas e te ajudam a "chamar mais alto". — Fez aspas com os dedos. Passaram próximo do celeiro e atravessaram as primeiras árvores. — A menos que você seja poderoso, por que aí você consegue chamar um portal de qualquer lugar. Ou até ir direto para outra dimensão ou para o Ponto Nulo diretamente.

— Ethan consegue ir direto.

— Não precisa humilhar também. — Parou de andar.

— Eu só comentei...

— Estou te zoando! — Deu risada. — Você já esteve no Ponto Nulo?

— Já.

— Quer tentar chamar um portal?

— E como eu vou fazer isso? Eu nem tenho poderes.

— Não precisa ter. É só imaginar o lugar e pedir um portal.

Rebeca lembrou de como o Ponto Nulo era. Cheio de gente indo para lá e para cá, vários portais diferentes ao redor. Porém, ela se sentia incapaz de chamar um.

— Eu não vou conseguir. Faz você.

— Como não consegue? — Isabel segurou os ombros dela e a fez se virar. — E o que é aquilo? — E Rebeca viu um portal entre duas árvores. Um portal simples, mas que já mostrava o outro lado. — Muito bem. — Isabel deu um tapinha na cabeça da outra e foi na frente.

Sorrindo e se sentindo orgulhosa, Rebeca seguiu sua amiga para dentro do portal. Em um piscar de olhos, estavam no Ponto Nulo, banhado em uma luz alaranjada. Olhando ao redor, procurou por Tempo no lugar mais alto, mas não o viu em lugar nenhum.

— Por qual portal vamos?

— Ali. — Apontou, já andando para a direita. A seguiu, admirando aquele lugar tão magnífico. Isabel, que estava na frente, parou na frente do portal para esperar a distraída.

— Rebeca! — Alguém a chamou, a fazendo se virar.

Um homem de cabelos castanhos e aparência jovem se aproximou, e quando chegou perto, lhe tomou as mãos e fez uma pequena reverência.

— Seja bem-vinda novamente! O que a traz aqui?

— Ah... você... é o Tempo? — questionou, confusa.

— Ah! Que cabeça a minha! — A soltou, rindo. — Eu estava com meu corpo de criança quando nos conhecemos.

— Então... aquela mulher te perdoou?

— Ah, sim! Depois de algumas cartas e flores, ela resolveu me liberar. Então, por acaso você e Ethan vão sair em mais uma aventura?

— Hm, não. Eu só... vou visitá-lo.

— Ah, é? Que gracinha! Se quiser, posso te mandar direto para a casa dele.

— Quê?

— Ele não se importa, pode ir!

— Espe...

Em um toque do Tempo, Rebeca foi parar no meio da sala da casa de Ethan. Arregalou os olhos e ficou parada, tentando perceber algum movimento. Apesar do silêncio, ela ouvia nitidamente seu coração batendo igual louco.

Desculpe, Isabel. Espero que você me encontre.

Rebeca pisou para dentro da cozinha.

Ethan? Oi...? Ah é, ele não vai me ouvir. Talvez eu poderia pegar as mochilas sem ele perceber... Mas aí eu não vou conseguir ir embora. Ai, merda.

Olhou pela cozinha, toda iluminada pela luz do pôr do sol. Deu alguns passos até a janela e observou a paisagem que nunca esqueceria. Respirou fundo e decidiu acabar logo com aquilo. Com as mãos começando a suar, se virou e foi em direção ao corredor. Subiu a escada, o mais silenciosamente possível e parou assim que chegou no segundo andar.

Parou na frente da porta do escritório e, olhando lá dentro, percebeu que ele não estava ali. Ao visualizar a porta no final do corredor, sentiu seu nervosismo aumentando. Rebeca precisava respirar fundo a cada passo lento que dava até lá e, conforme chegava perto, já olhava para dentro.

Assim que parou na porta, viu que Ethan estava lá, perto da parede de vidro do fundo, admirando a vista.

Que estranho... Ele nem me ouviu. Isso porque disse que sou barulhenta.

Analisou o quarto, primeiro vendo as prateleiras com as fotos, e logo seu olhar baixou, vendo sua mochila, a de Gabriel e seus tênis, ao lado da cômoda.

Se eu entrar de fininho, pegar e sair correndo, talvez ele nem perceba...

— Rebeca? — Ethan exclamou, surpreso.

A garota o encarou, sentindo o rosto ficar quente, e percebeu que aquilo era uma invasão de moradia e principalmente de privacidade. Ethan a olhava como se estivesse quebrando a cabeça para tentar entender como ela tinha conseguido entrar sem ser notada.

— É... — Rebeca abriu a boca. — O Tempo me colocou aqui — explicou logo, antes que pudesse levar uma bronca.

Ele considerou, ainda aparentemente confuso. Provavelmente se perguntando o porquê ele não conseguia ler seus pensamentos.

— O que ele fez com você...?

— Nada... Ele só me colocou aqui. — Tomou coragem e entrou, indo para perto da poltrona e encostando nela, deixando as mãos no encosto.

— Então por que não consigo ver seus pensamentos?

E naquele momento, Rebeca se sentiu uma idiota. Era óbvio que ele ia perguntar. E o que ia dizer? Que não queria que ele visse o que ela estava pensando? Péssima ideia.

Através do Tempo - Entre VidasOnde histórias criam vida. Descubra agora