XXXVI - Carta

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"Gabriel... eu sei que você está com raiva de mim, mas por favor, se eu puder fazer um último pedido, que seja esse: Leia esta carta até o fim.

Sei que você viu imagens na minha cabeça, mas não eram imagens "reais". Você viu imagens aleatórias de tudo o que eu vi enquanto estava nas Estações. Eu não consegui te explicar tudo pelo que passei e vi. E não foi pouca coisa. Talvez você nem esteja interessado em saber, então eu vou ir direto ao ponto.

O que você viu sobre Ethan e eu não aconteceu recentemente. Aquilo aconteceu há eras, séculos, milênios. Todas aquelas demonstrações de amor e carinho foram na época do nascimento da minha alma. Resumidamente, Ethan foi responsável pelo meu nascimento. Ele cuidou de mim desde o início, e por isso, nos apegamos e ficamos um tempo juntos, mas isso foi antes de eu te encontrar na terra, em nossas vidas humanas.

Antes da minha alma seguir para a terra, nos separamos, e aí, eu nasci e te encontrei. Tudo bem, nascemos em tribos "rivais" e por isso crescemos com um instinto de guerra. Bom, você viu. Porém, depois disso, começamos a nos entender e conviver, e assim, estávamos sempre nos encontrando.

Tudo bem, estou enrolando. Enfim.

Sobre a declaração de Ethan: Realmente aconteceu, justamente porque tivemos brigas feias antes de nos separarmos que nos fizeram mal durante muito tempo. Eu descobri tudo de uma vez. Tudo o que tanto ele quanto eu sentimos, veio para mim como um tapa. Por isso eu estava tão desanimada quando nos encontramos no julgamento da Mila. Eu não sabia o que fazer com tantos sentimentos. Fiquei confusa, admito. Mas quem não ficaria?

É tão difícil de explicar por uma carta. Talvez, quem sabe um dia, caso você me perdoe, eu possa te explicar ou até te mostrar tudo isso. Mas aquela declaração de Ethan não foi, digamos... romântica. Foi como... um pai que ama sua filha. Um irmão que ama sua irmã. Um amigo que ama sua amiga... E vice e versa.

Nós fomos companheiros durante muito tempo, e por isso nos amamos. Só que esse amor não se compara ao amor que eu sinto por você. É completamente diferente. Eu te amo tanto, Gabriel. Tudo o que vi, nossas vidas juntos, todos os nossos momentos, só fizeram eu ter certeza disso. Eu não consigo imaginar minha vida sem a sua.

Não sei se você vai acreditar em mim, mas... você só viu certas partes, que vistas sozinhas, podem levar a entender tudo errado. Não aconteceu assim, e espero que você acredite.

Eu não quero que você se sinta obrigado a voltar a falar comigo. Eu só queria explicar, deixas as coisas a limpo. Se quiser saber mais sobre o que aconteceu, sinta-se livre para chamar Isabel, ou mesmo Ethan. Eles vão te mostrar tudo, sem esconder nada.

Obrigada por ler até o fim.

Eu te amo.

Rebeca."

Depois de sete tentativas, finalmente Rebeca tinha escrito tudo o que queria, de uma forma resumida, é claro. Por ela, escreveria tudo o que acontecera, desde que deixara Gabriel na casinha, mas o medo de que ele não quisesse ler por ter muita coisa falou mais alto, e ela enxugou tudo o máximo que pode, e esperava mesmo que ele decidisse ler e procurar saber como tudo aconteceu, nem que fosse só por Isabel.

Agora era torcer.

Arrancou a folha no caderno, retirou as rebarbas e dobrou duas vezes. Levantou e foi até a mochila de Gabriel ali ao pé de sua cama. Abaixou, abriu o zíper principal, o maior, e encaixou as folhas da parede do tecido, de modo que ele não fosse amassado pelas roupas. Fechou, levantou e a colocou nas costas. Desceu e saiu de volta para o celeiro.

Já viu Ethan próximo da entrada, de pé e entrou, vendo Isabel deitada no sofá, com uma cara impaciente.

Assim que viu Rebeca, levantou em um pulo. — Pronto?

— Sim.

— Como vamos fazer para levar a mochila? — Ela pareceu elétrica de repente.

— Eu... — Olhou para Ethan, que já andou em sua direção, estendendo as mãos. — Ethan pode deixar no quarto dele, sem ele ver. — Entregou a bolsa para ele.

— Mas e eu?!

— O que foi?

— Eu estou cansada de não fazer nada.

Suspirou. — Se você ir junto vai ficar mais feliz?

Isabel ia retrucar, mas parou por um segundo. — Sim. — E sorriu.

— Olha aqui. — Apontou o dedo para ela. — Nada de essência, ouviu?

— Tudo bem. — Levantou as mãos com as palmas para ela, em rendição.

— Tá. — Encarou Ethan.

Fica de olho nela.

Ele balançou a cabeça uma vez, afirmando, sutilmente, mas não o suficiente para Isabel não perceber.

— Ei, parem de conversar mentalmente! — exclamou, brava.

— Vão logo antes que eu mude de ideia.

Isabel foi para perto de Ethan. — Já voltamos.

Ambos desapareceram, e Rebeca suspirou, sentindo um misto de emoções, indo até o sofá e se deitou, abraçando uma das almofadas. A preferida de Gabriel. Fechou os olhos, esperando que tudo desse certo.

Ethan e Isabel apareceram no quintal dos fundos da casa de Cecília.

— Não era para estarmos no quarto dele? — Isabel questionou.

— Primeiro eu precisava saber se ele estaria dormindo ou não. E no momento, está no banho.

Novamente sumiram, e apareceram no centro do quarto de Gabriel. Isabel olhou ao redor, vendo a pequena bagunça que estava o cômodo.

— Realmente, acho que esses dois combinam — comentou, vendo a pilha de roupa que estava sobre a escrivaninha.

— Logo ele voltará — disse Ethan, deixando a mochila sobre a cama desarrumada. — Vamos.

— Espera. — Isabel viu uma garrafinha de água sobre o criado mudo e a pegou.

Ethan tomou o objeto de sua mão rapidamente. — O que está fazendo?

— Ah, por favor, né? Você realmente acha que ele vai ler a carta?

— Não tenho como saber.

— Pois é, assim teremos certeza. — Tentou pegar a garrafa de volta, mas ele não a soltou. — Ethan! — exclamou, birrenta.

— Não. Ela não quer isso. 

— E ela está sendo uma bobona! — Puxou o objeto pelo gargalo, porém, Ethan não precisava fazer esforço para impedi-la de puxar.

— Ethan, pelo amor! Pensa direito!

— Você deveria pensar direito. Quer deixá-la chateada?

— Ela não vai ficar chateada se não souber.

— Você é inacreditável.

— Você não quer que ela seja feliz? Tem noção de como ela vai ficar se ele não aceitar ler essa carta? Se nunca mandar uma resposta? — Ethan a encarou, pensando naquelas palavras. — Aliás, você lembra de como ela ficou quando descobriu que Giovanni estava comprometido com outra mulher? Chegou a ver o estado dela?

Ele desviou o olhar. Sim, ele lembrava. Lembrava de vê-la chorando, com olheiras debaixo dos olhos porque não conseguia dormir pensando em como ele estava feliz com outra mulher...

A mão dele afrouxou ao redor da garrafa e Isabel a tomou, ainda o olhando. — Seja rápida, ele já está terminando o banho.

Isabel sorriu, feliz por finalmente tê-lo convencido. Juntou as mãos ao redor do objeto e fez sua mágica.

— Mas você vai ter que fazer ele querer tomar. — Deixou a garrafa de volta no lugar.

Ethan suspirou. — Nem uma palavra para ela. 

Ela fez um sinal de zíper se fechando sobre a boca e, ao ouvirem o barulho na porta, desapareceram. 

Através do Tempo - Entre VidasOnde histórias criam vida. Descubra agora