Capítulo 1 - Chegando em Simão das Águas

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A vida muitas vezes não é justa com as pessoas. Elas podem ser boas, direitas e viverem dentro do temor que sentem diante do Todo Poderoso, porém, mesmo experimentando uma vida de retidão, há momentos em que podemos ser cobrados por algo que nem nós mesmos sabemos o porquê.

Conviver com uma dor, com um desespero, é uma das coisas mais complicadas que nosso coração pode sentir em toda nossa existência. Você sorri, tenta continuar, mas precisa superar diariamente a dor, vencer a cada dia a vontade de desistir e chorar, de dizer "não aguento mais, por favor, me deixa parar de tentar".

Essas dores, esses desafios diários, são bem conhecidos por Angélica, uma ex professora de Geografia do Ensino Médio, que largou tudo que acreditava, tudo que amava fazer e todos que ela tinha como família, seja essa de sangue ou agregados, para tentar suplantar uma dor que, a cada dia, parece crescer mais dentro de seu peito.

Ela havia se mudado para Simão das Águas, um pequeno povoado no meio da Serra da Canastra, largando sua vida na grande cidade de São Paulo há 6 anos e, desde então, não retornou a sua cidade natal, vivendo de cuidar do pequeno pedaço de terra ali adquirida por ela, como uma produtora de hortaliças e frutas e, desde então, vive para ajudar os outros e levar uma vida simples, isolada do seu passado e de sua dor.

Sozinha, em sua chácara, levando uma vida sem luxos, voltada para si, a natureza e ajudar a todos, Angélica não esperava que, naquela quarta-feira, 10 de março, fosse receber um telegrama que pudesse mudar sua vida de alguma forma.

Sentada em sua sala, segurando o papel que acabara de abrir, seus olhos passeiam pelas palavras ali escritas e, de alguma maneira, ela não consegue assimilar tão bem o que acaba de ler.

Sua amiga de infância, uma irmã que não vê desde que deixou a cidade paulistana, lhe conta o drama que vem enfrentando após ser abandonada pelo marido, com quem viveu um casamento de 22 anos. Trocada por uma garota que tem idade para ser filha dos dois.

Angélica, de alguma forma, consegue sentir o sofrimento da amiga em suas palavras, a angústia de se ver sozinha àquela altura da vida, com duas filhas. Aliás, esse é o problema maior de Glória, as filhas, mais precisamente a mais nova, Ana Clara de 17 anos. Angélica se lembra dela, uma garota doce, muito agarrada ao pai, se viram poucas vezes, mas toda vez que isso aconteceu, sempre foi recebida com um sorriso cordial.

Era difícil para a ex-professora imaginar que a garota tenha se transformando tanto assim, como sua amiga descrevia no telegrama. Em, pouco mais de 4 meses da separação, Glória dizia que ela começou a agir de forma mais rebelde, respondona e apareceu cheia de piercings e, com certeza estava bebendo e fumando.

– Coitada da Glória. – Angélica sussurrou passando as mãos no rosto, imaginando o que a amiga estava passando naquele momento.

Continuando a leitura, recebe ali um pedido da amiga.

"Angel, sei que você está vivendo um momento de retiro, mesmo sentindo muito sua falta, falta de nossos momentos juntas, nos distrair, rir, viver nossa amizade da forma mais preciosa que poderíamos viver, sei que esse momento sabático é importante para que você renasça, volte a viver como merece.

Eu nunca lhe pediria nada se não fosse num momento de desespero. Num momento de pura angústia vivida por uma mãe. Gostaria de visitá-la ao final desse mês e, por favor, gostaria que aceitasse cuidar de minha menina. Ela não é assim. Sei que ela está enfrentando uma dor gigantesca com a atitude de seu pai, um homem que era para ela como um herói, mas, que no final, se mostrou um 'vilão'.

Por favor, receba-me em sua casa, me permita chorar um pouco em seu ombro e, te suplico, ajude minha filha, minha caçula, que está tão perdida e, infelizmente, eu não consigo guiá-la.

O Sol Sempre Brilha (Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora