Os dias são morosos no campo, parecem uma sequência de quadros de natureza-morta passando um após o outro e nos dando aquela impressão que o mundo, o tempo, não avança... não passa.
Angélica estava sentada próximo a trilha que levava para sua horta, era fim de tarde e ela regava suas verduras. Seus olhos viajavam pelo infinito verde que se estendia à sua frente e aproveitava aquele momento de paz para pensar, para refletir sobre algumas coisas que estavam se passando.
Aquela noite, aquele olhar, aquela troca tão ínfima e, ao mesmo tempo, tão íntima que aconteceu entre ela e a menina que ela hospeda em sua casa lhe deixou confusa.
Há anos que não se sente daquela forma... com aquela paz tão simplória, tão significativa, que lhe transpassou. Era diferente, algo que ela, mesmo fazendo um grande esforço, não conseguia explicar.
Quando Ana Clara chegou em sua casa, era uma menina arredia, confusa e atrevida, porém, como sua própria mãe, Glória, tinha lhe dito, aquilo era uma máscara que ela colocou após o Antônio as abandonarem. Na verdade, Clara era uma menina meiga, companheira, simples e tímida, que gostava de animais, que amava estudar e tinha um coração de ouro.
Obviamente que, até como uma forma de defesa, ela não iria deixar isso transparecer para a mulher. Haviam se visto em poucas ocasiões e, em todas elas, Angélica só viu ali uma menina, uma criança meiga e de sorriso encantador, isso não era nada se comparar que viveriam juntas, que a jovem tinha que mudar sua vida inteira para se "adaptar" a nova realidade. Porém, aos poucos aquele olhar meigo, aquele sorriso encantador, foi voltando a aparecer, só que, agora, não era mais o sorriso de uma criança e sim de uma adolescente, de uma menina na fase de transição para se tornar uma mulher.
Angel estava confusa... essa percepção... essa noção de que não se tratava mais de uma criança a estava deixando desorientada em seus pensamentos.
Estava quieta, olhando em volta, quando ouviu passos seguindo a trilha, vindo em sua direção. Amarelão e Buick já começaram a balançar o rabo, dando as boas vindas a "visita".
– Você tá aqui! – Clara falou, se aproximando da mulher, que lhe olhou e sorriu de maneira leve.
Naquele dia, diferente dos outros, Clara não veio direto para casa após o colégio. Ela e Simone ficaram na casa de Milena, em Córrego, para poderem fazer um trabalho para o dia seguinte.
– E aí... como foi o dia?! – Clara perguntou, se sentando ao lado da mulher e sorrindo cortesmente para esta.
– Meu dia foi... cheio de trabalho. – Angélica respondeu rindo e voltando o olhar para frente, para sua plantação.
– Eu fui no chiqueiro... os porquinhos estão muito espertos. – Clara comentou. – O Régis tá o mais lindo de todos. – Falou, fazendo Angélica rir. A menina havia nomeado um dos filhotes com o nome de seu professor de Física do colégio onde estudou em São Paulo, pois, segundo ela, ele lembrava o homem.
– Ele parece que vai crescer todo pimpão com você o mimando. – Angel respondeu, entrando na brincadeira e fazendo ambas rirem alto.
O silêncio se fez presente no ambiente. O som dos pássaros, da noite se aproximando e dos irrigadores funcionando era o único que preenchia aquele momento. Não era não algo incômodo, ao contrário, era algo bom, confortável, só a presença uma da outra, aquela paz, aquela mansidão, era o suficiente para as duas.
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– Clara... por favor, coloca esse porco de volta no lugar dele. – Angélica falou achando graça no fato da garota ter tirado Régis do cercado, dado banho no pequeno leitão e estar tratando ele como um bichinho de estimação.
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O Sol Sempre Brilha (Romance Lésbico)
RomanceEm um pequeno povoado no interior de Minas Gerais vive Angélica... uma mulher assombrada por uma tragédia no seu passado e que se afundou na vida reclusa para expurgar seu sentimento de culpa. Vivendo calmamente, como uma pequena produtora, solícit...