Daniel ficou paralisado. Não era possível. A mulher o encarava intensamente. De repente, ela deu as costas e saiu caminhando calmamente na direção oposta. Ele esqueceu completamente da família. Largou o celular em cima da mesa, levantou-se com brusquidão quase deixando cair a cadeira e saiu correndo pelo shopping atrás dela. Jessica ainda perguntou:
− Dani, o que houve?
Mas ele não a escutou, restando a Jessica apenas dizer para as crianças que o pai tinha encontrado uma pessoa conhecida. Logo ela o perdeu de vista no meio da multidão. Desconfiada e pouco contente, Jessica terminou o suco sabendo que teria que ter uma boa conversa com o marido.
Enquanto isto, Daniel corria o mais rápido que podia através do shopping. Sim, ele tinha noção que parecia um louco fazendo aquilo, porém precisava encontrar aquela mulher. Era Madalena, ele sabia. O mesmo cabelo, a mesma roupa, talvez um pouco mais magra. Ela estava viva e queria atormentá-lo, a cretina!
Lá estava ela! A poucos metros de distância Madalena caminhava vestindo calças pretas e uma blusa lilás, da mesma cor daquele maldito robe. Daniel apertou o passo, esbarrou em algumas pessoas, temeroso de perdê-la de vista. A mulher parou em frente ao elevador. A porta estava se abrindo e ela deu um passo para frente. Foi neste momento que Daniel a alcançou, colocando a mão pesadamente sobre o ombro dela, impedindo que se mexesse.
− Madalena! Que brincadeira é esta?
Ele estava pronto para lhe despejar uma série de impropérios quando a mulher se voltou. Ela usava óculos, era bem mais nova que Madalena e o encarou sem entender nada.
− Pois não?
O elevador fechou as portas e desceu. Daniel sentiu as faces avermelharem enquanto olhava para aquela moça desconhecida e de fisionomia completamente diferente de Madalena.
− Eu… desculpe. Pensei que fosse uma amiga minha.
Ela não disse nada e voltou a chamar o elevador. Constrangido, Daniel deu meia volta e tomou o rumo da praça de alimentação. Precisava dar uma boa desculpa para Jessica. Agora que estava caindo em si percebeu o quanto o seu comportamento tinha sido ridículo. Esperava sinceramente que Jessica não fizesse tantas perguntas.
*
Depois daquele episódio toda a alegria da noite se perdeu. Daniel voltou para a mesa onde Jessica o encarava de forma inquisitiva e antes que ela falasse qualquer coisa, ele sentou casualmente e disse:
− Achei que fosse um amigo de infância.
− E era?
− Acho que não. Perdi-o de vista.
Para disfarçar, Daniel tentou se divertir com as crianças, rindo e fazendo gracinhas. Mas sentia dentro de si o nervosismo lhe assaltar. Não havia superado Madalena. Agora não era mais a culpa que lhe tomava a mente. Era a raiva. Desgraçada! Por que nem depois de morta ela não largava do seu pé?
Por fim, compraram a televisão e o notebook e deixaram para ir ao cinema em outra ocasião. Daniel levantou as mãos para o céu. O que mais desejava naquele momento era chegar em casa e assistir a um bom filme e esquecer a merda toda. Jessica se mantinha silenciosa. Ele sabia que não tinha conseguido enganá-la totalmente.
Contudo foi somente na hora em que foram dormir que Jessica criou coragem para perguntar outra vez o que havia acontecido. Depois que Daniel voltara da sua perseguição ele ficara diferente. Não estava mais tão sorridente e tudo o que falava ou fazia parecia falso e forçado. Quando o marido saiu do banho ela resolveu ir ao ataque:
− Quem você viu hoje no shopping para fazer com que saísse correndo como um louco?
Ele a encarou como se não tivesse entendido.
− Já te disse antes. Um amigo de infância.
− Precisava ter feito aquele fiasco todo? Dando um pulo e assustando as crianças? A cadeira quase caiu!
− Ei, me desculpe. Não foi minha intenção. Mas esta pessoa era muito importante para mim. Faz uns 20 anos que não o vejo.
− Ok. Era um homem mesmo?
− Como?
− Perguntei a você se era um amigo. Ou amiga.
Os dois estavam parados frente a frente. Daniel sabia que precisava ser convincente.
− Você está louca, Jessica?
− Não fui eu que me portei como uma louca.
− Vamos parar com isto, entendeu? Sei que fui um pouco impetuoso, mas isto não vai mais acontecer. Prometo.
− Você me assustou.
− Desculpe – Daniel beijou a testa da esposa. – Juro que foi a última vez.
Os dois se deitaram e Daniel tentou se concentrar para dormir. O sono custou a chegar. A imagem da sósia de Madalena não saía da sua cabeça.
*
Daniel já acordou intrigado. Perdeu o sono às cinco horas da manhã e não conseguiu dormir mais. Levantou bem devagar para não acordar Jessica e foi até o escritório. Ligou o notebook novo, acessou o Facebook e digitou o nome de Madalena. Era a primeira vez que fazia isto desde que ela morrera.
Indisponível. Conta encerrada.
Nem ele sabia o que estava pretendendo achar ali. Condolências, pêsames, frases de saudades dos amigos. Mas não. Alguém encerrara a conta da falecida. Daniel desligou tudo novamente e se levantou. Quando abriu a porta do escritório deu um pulo para trás. Jessica se encontrava ali, descabelada e de camisola, esperando por ele. Por alguns segundos enxergou Madalena a sua frente.
− Assustei você?
A voz dela saiu fria.
− E eu lhe acordei pelo visto.
− Encontrei a cama vazia e o procurei no banheiro. Como não lhe encontrei, achei que estivesse aqui. O que houve? Por que você ligou o computador às cinco e meia da manhã?
Ela exigia uma resposta.
− Me acordei com a sensação que havia encaminhado um e-mail para um cliente com um dado errado. Vim aqui conferir. Felizmente está tudo certo.
− Que ótimo. Agora volte para cama. Ainda falta um tempo para o despertador tocar.
Daniel voltou para o quarto, se jogou na cama e cobriu-se com um lençol. Por algum motivo temeu encontrar Madalena no canto do quarto.