Jessica precisou ir ao supermercado pouco depois. Não tinha nada em casa e em breve as crianças chegariam. Daniel preferiu ficar descansando e ela foi sozinha. O supermercado ficava no condomínio e ainda não havia escurecido quando Jessica saiu. Ainda que houvesse bastantes pessoas na rua, ela se sentia insegura e temerosa. Tinha a impressão que poderia encontrar Madalena em cada esquina do lugar, dentro de algum carro ou nos corredores do supermercado. Dentro da loja uma vizinha bateu amistosamente no seu ombro para saber notícias de Daniel. Foi o bastante para Jessica dar um pulo de susto e deixar cair um vidro de picles no chão. No final das contas acabou comprando menos do que desejava, ansiosa para voltar, mesmo que isto não significasse segurança alguma. Mal abriu a porta e escutou a gritaria das crianças em torno de Daniel, felizes por terem o pai de volta. Ele também parecia um pouco mais animado.
Naquela noite toda a família dormiu no quarto de casal. Jessica colocou dois colchões no chão para as crianças se acomodarem. O sono de todos foi mais tranquilo, ao contrário da noite tumultuada vivida um dia antes. Daniel conseguiu dormir sem sobressaltos e no final tudo saiu bem. Durante os dias que se seguiram, Daniel ficou em repouso em casa. Como não podia dirigir, permanecia a maior parte do tempo lendo, assistindo televisão ou no computador. À tarde Júnior chegava da escola e Daniel o ajudava nos temas escolares. A vida seguia assim. Jessica estava mais calma. O fantasma de Madalena ou coisa que o valha também havia desaparecido. Daniel já se sentia bem melhor. Estava ansioso para voltar ao trabalho e a sua rotina. Para não repetir erros do passado, fechou todas as contas que tinha nas redes sociais a qual fazia parte.
*
Na véspera do seu retorno ao trabalho, Daniel acordou sobressaltado. Escutara um barulho na cozinha, algo muito leve, podia até mesmo ter passado despercebido. Ao seu lado Jessica dormia calmamente. O silêncio voltou.
Daniel olhou para o relógio. Eram três horas da manhã. Seu sono havia ido para o espaço e cansado de se revirar na cama, ele resolveu ir até a cozinha tomar um copo de água. Desceu as escadas somente de cueca, atento a qualquer som diferente na casa. Na penumbra, Daniel abriu a geladeira e pegou a jarra. Pensando nas coisas que ficaram pendentes na imobiliária, ele percebeu um movimento na janela que dava para a rua.
Uma sombra.
Ele levou um susto e deixou a jarra inteira com água cair no chão. Daniel sequer sentiu a dor do vidro cortando seus pés descalços. O coração estava acelerado quando ele correu para a sala e abriu a porta da rua. Lá fora estava tudo deserto. Afinal, quem estaria passeando às três horas da manhã?
Daniel avançou pelo jardim olhando para os lados. Sabia que não estava sozinho. Ao chegar à calçada, Madalena surgiu do outro lado da rua. Não era mais uma sombra. Era quase real. Ela lhe lançou um sorriso diabólico e estendeu uma mão para ele. Daniel recuou. As pernas ficaram fracas e lhe faltaram. Ele tentou ainda se equilibrar, mas tropeçou nos próprios pés cortados, sem nunca conseguir tirar os olhos da desgraçada. Madalena parecia rir da cara do ex-amante quando ele caiu no meio da rua, batendo a cabeça violentamente no chão.
*
Jessica acordou com o barulho estridente de algo se partindo no chão. Ela sentou bruscamente na cama e tentou cutucar o marido para ele ver o que era.
− Dani, algo está…
Mas Daniel não estava ao seu lado. Pressentindo o pior, Jessica colocou uma roupa qualquer e desceu as escadas correndo, chamando pelo marido. Não houve resposta. Seus temores foram aumentados quando percebeu a porta da rua aberta. O que Daniel estaria fazendo lá fora em plena madrugada?
Quase em pânico, Jessica saiu para o lado de fora da casa. Estava prestes a chamar pelo nome dele quando se deparou com o seu corpo estendido na calçada. Deu alguns passos em direção ao marido já berrando por socorro quando do outro lado da rua ela percebeu que uma mulher a fitava.
Era ela.
Madalena sorriu e fez menção de ir em sua direção. Jessica recuou, caiu sentada e se levantou de novo sem nunca tirar os olhos daquele espectro que se aproximava tão ameaçadoramente dela. Daniel continuava caído na calçada, a cabeça sangrava terrivelmente e ele estava pálido. Talvez estivesse morto...
Finalmente Jessica conseguiu se levantar e aos tropeções se arrastou até a porta de casa. As crianças já vinham descendo as escadas. Jessica berrou:
− Voltem para cima!
− Onde está papai?
− Se tranquem no quarto! Agora!
As crianças deram meia volta e Jessica se chaveou dentro de casa. Com as mãos trêmulas, ela pegou o celular e chamou a polícia. Lá fora as luzes das casas vizinhas começaram a acender. Jessica se sentou no chão e chorou.