parte um

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Ela estava ansiosa. Não parava de balançar a perna esquerda por debaixo da mesa da redação. O chefe ainda falava, mas seus pensamentos estavam flutuando, em um lugar muito, muito distante. A entrevista que faria em algumas horas.

    A entrevista que -com certeza- marcaria sua vida.

   Como ela deveria se comportar? Provavelmente não conseguiria manter o profissionalismo que tanto pregava e acabaria cometendo um grande erro. Ela precisava manter a calma.

         "Ele pode ser nada daquilo que imaginamos"
         "Tenho certeza que vai dar tudo certo"
         "Não comenta nada da tatuagem, vai parecer doida"
         "Mantenha a calma"
         "Como fazemos pra manter a calma?"
         "Seja profissional"
         "É melhor comentar da tatuagem, pra ter assunto, vai que ele te chama pra sair"
         "É o nosso primeiro emprego precisamos fazer tudo certo. Nada de tatuagem"

Quando voltou a si, colocando a mão sobre a perna, para tentar acalmá-la, percebeu o editor chefe olhando para o seu rosto, por muitos segundos. Algo estava errado. E então, percebeu que todos a encaravam, esperando algo acontecer.

-Me desculpe... Pode repetir a pergunta? -Ela deu um tiro para o alto, imaginando que todos estivessem esperando por alguma resposta sua. Engoliu em seco.

-Não fiz pergunta alguma, Lola. Estava esperando você começar a dizer como vai proceder na entrevista.

    -Ah sim... Claro -Ela começou a revirar seus papéis, procurando por um específico. As mãos molhadas dificultavam a procura. A mulher tentou secá-las em sua calça jeans, rapidamente, para que as pessoas a sua volta não percebessem o caos em que se encontrava -Pois bem... Ahn... -Ela ainda procurava o papel. Agora sua visão começou a ficar mais borrada, respirou fundo e tentou continuar.

    Salva pelo gongo -ou nem tanto-, Andrew começou a falar:

    -Acredito que não esteja passando bem, quer um copo de água? -Por um momento ela ficou surpresa com a cordialidade do companheiro de profissão, mas logo entendeu o motivo -Posso fazer a entrevista no lugar dela, Lola não parece estar em condições.

    -Claro que estou... Apenas tive um contratempo essa manhã -Ela parou, desistindo por hora de procurar o maldito papel -Eu aceito um copo d'água, na verdade... O meu acabou.

Respirou fundo mais uma vez e então disse:

-Pensei em fazermos uma abordagem cronológica, com um tom de conversa passando pelos principais acontecimentos da vida dele, indo da banda, passando pela carreira solo e até a carreira de ator e tudo o mais. Acho que seria legal fazer algum quadro com algumas perguntas do público, tomei liberdade e selecionei algumas que me mandaram via twitter.

-E imagino que abordará o relacionamento dele? Visto que falam apenas disso nas redes sociais -Andrew opinou, o que fez a mulher respirar fundo para não perder a cabeça (e o emprego).

-Não vejo que isso seja, de alguma forma, relevante -Ela respondeu.

-Mas é esse tipo de assunto que nos dá audiência.

      -Estamos entrevistando Harry Styles, se você colocá-lo na frente de uma câmera sem que ele precise fazer absolutamente nada, já teremos audiência -Lola disse, se levantando e recolhendo os papéis que estavam em cima da mesa -Além do mais, quero fazer um trabalho jornalístico de qualidade, não fofocar.

       Ela saiu da sala, ainda com as pernas bambas, mas confiante, pois sabia que o chefe concordaria com ela. Andrew podia ser um bom profissional, mas pecava muitas vezes.
Saiu do estúdio para pegar um ar livre enquanto relia o roteiro de perguntas que havia feito na noite anterior, talvez esse também fosse um dos motivos pelo qual estava tão estressada e angustiada, não havia dormido muito naquela noite, e o café também não parecia estar ajudando na dor de cabeça que sentia.

       Suas dores de cabeça eram monstruosas, tinham aumentado depois que aceitou aquele novo emprego, o melhor cargo que já havia conseguido, na maior rede televisiva da Inglaterra. Era seu primeiro emprego importante.

        Naquela tarde entrevistaria Harry Styles, e ela estava apavorada. A verdade, é que tinha muitos motivos para estar.

         Suas eus discutiam sem parar fazia quase um mês, como ela se portaria naquele dia? Não tinha descoberto a resposta até aquele momento, faltando apenas algumas horas para que ele chegasse no estúdio.

         "Não podemos deixar de ser profissional"
         "Mas não podemos perder essa oportunidade"
          "Não podemos deixar de ser profissional"
          "Oportunidade única"
          "Não temos mais dezesseis anos, somos profissionais agora"
          "Vamos nos arrepender para sempre"

       Foi acordada de seus devaneios com a colega a chamando para o almoço, elas tinham combinado de ir no restaurante ao lado naquele dia, não aguentavam mais a comida daquele lugar.

        -Meu deus Lola, você está suando.

        -Estou em pânico -Ela finalmente disse, esperando que não fosse reprimida pela amiga.

         -Ele é só uma pessoa... Mas acho que me sentiria da mesma forma se tivesse que entrevistar, sei lá, Scarlett Johansson -Ela disse enquanto atravessavam a rua.

         -É intimidador.

         -É só uma pessoa.

         -Mas Callie...

         -Chega disso -Ela cortou a outra, deixando Lola contrariada -Vamos almoçar.

         As duas se sentaram na mesa colada à janela para verem o movimento na rua enquanto almoçavam. Mesmo sendo distraída por Callie, ela se pegava pensando novamente em como se portar, e começava, de novo, a balançar as pernas por debaixo da mesa.

         Quando Lola viu um carro preto se aproximar do estúdio, sentiu seu coração apertar. A amiga percebeu e observou-o também.

         -Pode ser qualquer um, você sabe como essa gente se acha a última bolacha do pacote dentro dessa emissora -Ela tentou acalmar a amiga, mas, foi praticamente em vão. Lola olhou no relógio e constatou que precisava ir -Eu sou a favor de você chamá-lo pra sair

         -Callie!

         -Eu sei que você não para de pensar nisso -Lola riu com a constatação.

         -Não sei se mostro a tatuagem para ele.

         -Claro que não... Ela é ridícula! -Mais uma vez Lola riu, balançando a cabeça em discordância -Sei que você tem esperanças de que ele vai te reconhecer... Tire seu cavalinho da chuva, Lollypop.

         É claro que Lola tinha consciência plena de que ele não a reconheceria, mas não podia para de pensar em como seria se ele se lembrasse. E se pegou pensando nisso, criando histórias na sua cabeça como se fosse uma adolescente de dezesseis anos, sonhando com o príncipe encantado.

         A verdade é que quando se tratava dele, parecia que o tempo parava e voltava de forma total para 2012, ela se transportava até o auge da sua adolescência, a época onde se preocupava em saber o que Harry Styles havia comido no café da manhã.

         Às vezes, para ser sincera, ela pensava em como eram ridículos os seus pensamentos. Sentia, de certa forma, que seu cérebro era desconexo de todo o corpo, tinha vida própria, pensava o que queria. Mas, pensamentos não são ações, podemos pensar o que quiser. O paradoxo, pensamos o que queremos ou queremos o que pensamos?

         Sua mente, por muitas vezes, doida, vagava para onde queria. E então Lola voltou a si, viu-se adentrando o estúdio. Como ela podia ter chegado até ali sem sequer se lembrar? Precisava se concentrar.

         Foi então que ela o avistou, no fundo do corredor, comendo uma rosquinha, parecia totalmente vidrado nela, sem perceber nada a seu redor. "Ainda bem", pensou ela.

         A Lola de dezesseis anos tomou conta de todo o seu corpo e a mulher começou a transpirar. Precisava se trocar. Foi até sua sala, fazendo de tudo para que ele não a visse. Colocou outra roupa -não a que faria a entrevista, pois tinha medo de suar em cima dela também- e, de fininho, saiu da sala, dando de cara com ele.

All the love, H.        |h.s|Onde histórias criam vida. Descubra agora