Encostada na janela, Natasha observou as pessoas andando pela rua e se lembrou de um hábito da infância: ficou imaginando os nomes dos pedestres e para onde estavam indo. Com um pouco de magia, ela poderia descobrir com facilidade, mas a graça estava em brincar com as ideias. Tirar um pouco do foco nela mesma era tudo o que precisava para não ser sugada para as preocupações de sua mente – Natasha estava cansada de andar em círculos naquela floresta escura e cheia de espinhos que havia se transformado sua existência. Ela não sabia dizer se era a cidade de São Cipriano que estava diferente ou se era ela que havia mudado. A primeira vez em que pisara ali, tudo o que ela mais queria era ir embora o mais rápido possível; agora, a ideia de permanecer não parecia tão estranha.
Alguns minutos sob o sol e Natasha ficou com várias marcas vermelhas no braço. São Cipriano ficava localizada em uma região brasileira em que a camada de ozônio era mais fina e, desacostumada com aquele clima, a vampira havia se esquecido do protetor solar. Para a sorte dela, Natasha sabia como fazer uma pasta de Aloe Vera para aliviar a dor e regenerar a pele.
– Chega de televisão por hoje! Você quer dar uma volta antes de nos encontrarmos com os outros? – disse Babi.
– Se eu assistir mais um filme de vampiros hoje, eu juro que vou martelar uma estaca na minha cabeça – Natasha riu e sentiu nostalgia de uma época na qual as pessoas morriam de medo de serem enterradas vivas e a figura do vampiro era mais forte no imaginário popular.
A companhia de Babi era como um sopro de vida para Natasha. A vampira nunca imaginou que pudesse ser feliz de novo – ou era a história que a mente dela repetia dia após dia desde a morte de Lónan. A conexão entre as duas era algo que Natasha não entendia, mas não poderia negar mesmo se quisesse. "Quem sabe fomos melhores amigas, irmãs ou amantes em outra vida. Quem poderá dizer ao certo?", pensou Natasha.
– Você tem certeza de que quer relembrar seus últimos momentos com Lónan? – perguntou Babi, tentando ler os olhos de Natasha.
– Não é como se eu tivesse outra opção. Essa tal de Anna parece ser perigosa. Pelo que você falou, ela intoxicou a mente de cada um dos membros do seu círculo. Pelos deuses da noite, nesse exato momento ela deve ter mandado alguém para nos monitorar.
– Eu sei... Mas há coisas que eu já desejei nunca mais pensar e, se pudesse, apagaria da minha própria cabeça.
– Os anos não diminuem a dor, como muitas pessoas repetem, talvez porque é o que elas precisam desesperadamente acreditar para seguirem com suas vidas, mas a maturidade te dá ferramentas para lidar com as experiências ruins e apreciar os bons momentos. Tenho certeza de que os pontos vão se abrir e meu coração vai sangrar, no entanto, se há uma coisa que eu aprendi é que a verdade liberta tudo o que está bloqueado.
Natasha não percebeu o quanto suas palavras despertavam diferentes emoções em Babi, até notar os olhos da bruxa cheios de lágrimas.
– Não fique assim. Os primeiros meses de divórcio são os mais difíceis. Toda mudança exige energia. Acredite, é melhor eles seguirem jornadas diferentes do que permanecerem juntos em um relacionamento de fachada. – Natasha parou de falar, deixando Babi processar o que havia dito. A maquiagem borrada no rosto da bruxa a deixava com uma impressão melancólica, como uma arte inacabada feita com aquarela.
– Pelo menos agora sei que preciso de um rímel novo que seja à prova d'água – Babi tentou rir, mas era como se ela estivesse usando uma máscara de gesso toda fragmentada. Ela levantou os ombros e repetiu em sua mente: "Por favor, pare de chorar. Deixe isso para depois quando estiver sozinha".
– Toda mentira que contamos e colocamos no mundo, mesmo aquelas pequenas que dizemos no dia a dia, deixam rachaduras no plano espiritual. Não há nada de errado em sentir as coisas. Chore o quanto for necessário. Se você não sentir agora, um dia você vai acordar miserável, sem entender o motivo. Tristeza guardada é como uma planta venenosa que não damos a devida importância, até suas raízes, galhos e folhas se espalharem e nos intoxicarem de dentro para fora. Algumas vezes, as mágoas nos matam lentamente, em outras, o coração partido pode até matar. Em todos esses anos de vida, já presenciei muitas pessoas morrerem de tristeza.
YOU ARE READING
O Sangue - Os Bruxos de São Cipriano Livro 3
FantasyLivro 3 da série Os Bruxos de São Cipriano. Sangue derramado nunca é coisa boa. Entre a raiva e a desolação, a morte é capaz de mudar tudo. Vingança. Justiça. O poder nos cega. Julgamos os outros pelas coisas que nós secretamente faríamos ou desejáv...