"Como É Você De Verdade"
Lance
4:23 a.m
Lance estremeceu por conta do frio e acordou.
O moreno sabia com total certeza que era ansioso e certamente a enchurrada de notícias devastadoras o atingira como uma tsunami ontem; só piorando a situação.
Ainda com sono, tirou os óculos do rosto e massageou o local dolorido atrás da orelha. Usar óculos não era algo muito fácil para Lance. Tinha que limpá-los vinte e quatro horas por dia, tomar todo o cuidado para que não quebrasse em seu rosto, aguentar o peso de 3 graus em cima de seu nariz arrebitado e por fim, a parte mais difícil, não esquecer de tirá-los para dormir depois de um dia cansativo.
- Mas logo, logo, iria se livrar das lentes fundo de garrafa e substituí-las por umas de contato maleáveis ainda esta semana. Mandara fazer mês passado na esperança de facilitar sua vida, agora só faltava busca-las na loja.Esfregou os olhos com força no intuito de enxergar melhor o quarto - em vão por sinal, e praguejou por ter uma péssima visão -, ainda atordoado, olhou para o pequeno foco de luz em todo o cômodo: a televisão. A deixara ligada a noite inteira, com medo e com esperança do telejornal dá novas notícias sobre a enchente que acontecera em Cuba.
Olhou para as mãos que ainda agarravam com força o celular, 27 chamadas não atendidas, leu na barra de ligações e sentiu seus olhos encherem de lágrimas novamente.
Tentara ligar milhões de vezes e ninguém o atendia. A cada chamada perdida aquela sensação agoniante causada pela dúvida crescia no seu peito. Só de pensar que algo poderia acontecer com sua família, que nunca mais poderia ter o abraço reconfortante de su madre ou que nunca mais ouviria o gotoso som das risadas de sus hermanitos, o desespero o consumia.
Ele afastou esses pensamentos num estalo de língua. Sou muito dramático, pensou, desligou a televisão, bloqueiou o celular e se levantou.
Lance mentira pra si mesmo e tinha plena consciência do que estava fazendo. Sim, ele é um garoto muito dramático - tanto que faz até parte do clube de teatro da escola -, mas sua preocupação com a família não era atoa. Sabia muito bem que não se mudara para o outro lado do mundo porque queria, a esperança de dar uma vida melhor para seus irmãos mais novos e para a sua mãe sempre soou mais forte.
O pior pesadelo de Lance seria ver seus irmãos passarem pela mesma coisa que ele passou. Recordava das tardes de veraneio com su padre em que lanchava yuca con mojo assistindo o pôr do sol. Porém certa noite, encontrou a sua mãe desolada no quarto, os pertences de su papi não estavam mais lá. Lance sentiu falta de uma despedida. Então aí as coisas desandaram e as dificuldades finaceiras apareceram...
Fitou a mesa de estudos logo a frente e se lembrou do motivo de estar ali. Folheou os livros de anatomia humana cuidadosamente com desgosto, sabia que ano que vem, na faculdade, não poderia cursar aquilo que sempre sonhara. Porém medicina o daria mais dinheiro, o daria a chance de melhorar as condições de vida de sua família, decidido colocar sempre a felicidade deles em primeiro lugar do que a sua.
Soltou um muxoxo obsevando as imagens feias do livro. As aulas iriam começar semana que vem e ele teria que estar preparado, garantindo sempre o seu dez maroto, principalmente em biologia. Ele sabia muito bem que tinha que estudar, estudar muito para manter a bolsa na escola e as notas razoáveis em outras matérias. Batalhar, para Lance, já era algo que fazia parte de sua rotina diária - batalhava em tudo, por tudo.
Deixou-se animar quando recordou que ganhara o certificado de melhor aluno da turma junto com Pidge, quando anunciou a empolgante notícia para sua mãe pelo telefone e como ela ficara animada, ficara esperançosa novamente...
Estavam orgulhosos, todos eles. E Lance não pode conter algumas lágrimas quando seus irmãos o parabenizou pela conquista: “Parabens hermano, usted merece!!”. Ele se lembrava como se fosse ontem, Luis, Marco e Verônica foram os únicos que conseguiram falar antes da péssima ligação cair.
O som vindo de seu celular interrompeu os seus devaneios. Num pulo, levantou-se rapidamente da cadeira. Sem perceber que segurava o livro de biologia, cambaleou meio tonto, pegou o celular quase o deixando cair pelas mãos furadas.
Desastrado.
Ele se repreendeu por ser assim, mas não deixou-se abalar - talvez só um pouquinho -, levou o dedo indicador se embaraçando na hora e atendeu a ligação.
“¡Hola! ¿Mama, es usted? ¿La señora está bien?”
O moreno se pronunciou com medo da resposta, mas logo sentiu o suspiro que o enforcara subir, deixando-o escapar.
“Gracias a Dios, mamita”
Lance ouviu cada palavra que saia da boca de sua mãe do outro lado da linha, se embolando com o inglês britânico que surgia repentinamente em sua mente, e, sua mãe como um típica cubana, desfrutava de seu rápido e embaraçado espanhol. Não podia acreditar que estava se esquecendo de sua língua natal. Pensando assim, adicionou uma nova nota mental: assistir mais daquelas novelas em espanhol que su mama via.
Lance não se conteve em deixar um fio de sorriso surgir nos lábios. Analisando pelo tom de voz de sua mãe e de como o espanhol saia atravessado, ela estava visivelmente nervosa. Apesar de toda a confusão, sua família estava bem e se hospedara na casa da vizinha, que era consequentemente mais alta. O nervosismo demonstrado por sua mãe era pelo seu bebecito Lance, que deixara 20 e poucas chamadas perdidas.
Mesmo não confessando, Lance adorava se sentir assim, adora ser o bebecito de su mamá, adorava ser mimado por ela. Lance adorava ser o centro das atenções.
Encerrou a chamada mandando um grande beso para ela e para todos os seus irmãos. Se deixou relaxar enquanto se jogava do braço do sofá sentindo as almofadas aconchegantes tocar suas costas nuas. Não poderia estar mais aliviado e motivado.
Levou a mão direita ao peito, colocando o óculos no rosto sentiu o seu coração desacelerar lentamente, ele queria ser o orgulho de su mamá e assim o fez. Apalpou o chão em busca do livro que tinha esquecido lá em meio a confusão, e, quando o achou, nunca se sentira tão bem em estudar biologia.
——————————————————
link para a música do título:
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cornerstone - Klance
FanfictionE logo a frente em Cornerstone, o balcão era dividido entre o caixa e onde se fazia o café. Então Keith o avistou, preparando algo para um cliente. O avental bege meio amassado, os cabelos bagunçados e um sorriso malandro no rosto. "I'm beginning to...