Capítulo 11

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- Christopher estava lá quando você precisou dele.

As palavras de Sebastian atingiram o alvo. Dulce não teve como argumentar. Christopher havia salvado a vida dela. Assassinos em série não se importavam em salvar uma pessoa para matá-la mais tarde. Além disso, mesmo sem saber por que, confiava nele.

- Está bem - concordou depois de um momento de hesitação.

Sebastian sorriu com evidente satisfação pela mentira bem contada. Reprimiu a ponta de remorso por ter sido forçado a usar uma pequena chantagem, mas era pelo bem do irmão. Além disso, era óbvio que Dulce também se sentia atraída por Christopher.

Tudo que ele tinha de fazer era mencionar o nome dele, e o rosto alvo se tingia de rubor.

- Eu ficarei, mas só por uma semana. Você terá tempo de procurar alguém para cuidar de Christopher, se ele precisar. Assim, também terei tempo de encontrar um apartamento e um trabalho.

Uma semana? Sebastian franziu a testa. Precisava de mais de uma semana para que ela se apaixonasse.

Ele inalou fundo, pronto para argumentar, quando farejou novamente o desejo que permeava o apartamento. Concluiu que uma semana seria tempo mais do que suficiente.

Se precisasse, pensaria em alguma coisa mais tarde. No momento, podia contar com ela.

Agora, tinha de se preocupar com outra coisa. Christopher não sabia que era um vampiro.

Poderia acabar com a própria existência com um ato simples como abrir as cortinas e deixar a luz do sol entrar. Ou então, quando a fome se tornasse urgente, tendo somente Dulce como fonte de alimento.

- Tomar conta de Christopher pode ser muito simples. Há apenas três coisas que você precisa ter cuidado.

Ela ouvia atentamente, com os olhos arregalados.

- Christopher tem alergia à luz do sol, e não pode sair de casa durante o dia. Isso geralmente não representa problema, já que trabalhamos à noite. Ele costuma dormir até o pôr do sol. - O que era basicamente verdade.

- Ele não pode sair durante o dia? - Dulce quis confirmar, admirada com a informação.

- Não. Somente o quando o sol se põe. A luz solar é venenosa para ele. Além disso, Christopher é alérgico a comida. Ele costuma se alimentar com uma bebida que contém alto teor de proteínas.

- Ele não come?! - Dulce arregalou os olhos, perplexa.

- E claro que come, mas muito raramente. Ele tenta manter a alergia sob controle. - Sebastian ergueu as mãos, consciente de que aquilo soava estranho até mesmo para ele. - Não me pergunte como ele consegue!

- E será que ele vai se lembrar disso?

- Não sei, mas temos de tomar cuidado. Christopher faz essa dieta líquida há tanto tempo que, se comer alguma coisa, o sistema digestivo sofrerá um colapso.

Ela assentiu, sem comentar a estranheza que a idéia lhe causava.

- E, repito exatamente o que o médico me disse, não podemos contrariá-lo em hipótese alguma. Qualquer contrariedade pode prejudicar as lembranças. Segundo o médico, se isso acontecer, a memória real poderá se perder para sempre.

Dulce o encarou, apavorada.

- Está bem.

- Ótimo. Então, vamos falar sobre dinheiro. Que tal cinco mil dólares?

Sebastian achou que não fosse possível, mas os olhos verdes se arregalaram ainda mais.

- É muito dinheiro!

- Eu amo meu irmão, e quero vê-lo feliz.

- Não posso aceitar. É muito.

Sebastian sorriu, impressionado pela relutância. Era óbvio que Dulce tinha ética.

- Se não quiser, não pegue o dinheiro. De qualquer forma, estará à sua disposição.

Ela hesitou mais uma vez, mas depois de um momento, estendeu a mão para selar o acordo.

...

Dulce olhou ao redor do quarto que seria dela durante sua estada no apartamento dos irmãos Uckermann. Um deles se dispunha a pagar uma fortuna para que ela cuidasse do outro, que achava estar vivendo na Inglaterra do século XIX. Ah, e o mais perturbador: achava também que estavam noivos. Ainda não podia acreditar que havia concordado com aquela proposta maluca!

Ela correu a mão pela luxuosa colcha de veludo azul que cobria o colchão.

Definitivamente, era muito melhor do que a cama que ela dormira vida toda. O luxo e o bom gosto daquele apartamento transpirava nos mínimos detalhes.

Dulce se levantou e abriu as pesadas cortinas cor de damasco. Era noite, mas ela não conseguiu ver o céu. O vidro fosco e espesso da janela impedia passagem da luz. Ela suspirou, desapontada. Esperava ver a paisagem e, quem sabe, ter alguma pista de onde estava. Então, percebeu que as janelas blindadas contra o sol serviam para proteger Christopher.

Dentre toda estranheza daquela situação bizarra, o que mais a intrigava era o fato de Christopher se alimentar somente de líquidos. Ele não parecia ter qualquer tipo de problema físico. Aliás, era perfeito.

Dulce afastou a imagem do corpo escultural da mente. Tinha de manter aquela atração sob controle.

Pensou nas alergias dele. Não conseguia imaginar uma vida sem a luz do sol.

Então, lembrou-se de que ela também não passava muito tempo ao ar livre. A exposição aos raios solares provocava queimaduras e bolhas em sua pele. Ela também gostava mais da noite, quando podia ler até de madrugada. Não seria um grande sacrifício passar os dias enclausurada num apartamento confortável, com o homem mais bonito e atraente do planeta.

A comida, no entanto, a preocupava. Quem não gostava de um sorvete lambuzado de calda de chocolate, ou de uma pizza transbordando queijo derretido?

Com um suspiro, ela fechou as cortinas e foi explorar o banheiro da suíte, outra conveniência que ela nunca tivera o luxo de usufruir em sua vida.

Boquiaberta, ela admirou a opulência do aposento. Acariciou o mármore branco da pia e sentou-se na borda da banheira, grande o bastante para duas pessoas. Ela quase riu ao entrar no boxe do chuveiro, maior do que o banheiro de sua velha casa.

Todo aquele luxo era quase ofensivo. No entanto, sabia que não podia se acostumar com o conforto. Em breve, teria de ir embora.

Dulce voltou para o quarto e colocou a mala sobre a escrivaninha. Alguém chamado Mick, um segurança da boate, fora ao hotel apanhar sua bagagem. Ela hesitou por um momento antes de retirar as roupas para guardá-las no armário. Não havia sentido em desfazer as malas, nem em ficar tão confortável. No fundo, ela sabia que a única razão para estar ali era atração incontrolável por Christopher. E era ridículo sentir-se atraída por um homem que nem sabia quem ela era! Bem, tampouco ela sabia quem era Christopher, e mesmo assim, seu corpo queimava por ele.

Mesmo assim, guardou as roupas e separou calça jeans, suéter e roupa de baixo.

Um banho longo e relaxante a ajudaria encontrar a perspectiva e, com um pouco de sorte, a lembrar do que acontecera na noite anterior.

A única explicação possível para sua perda parcial da memória era a tequila, ou a combinação da bebida e do estresse. Quando o médico fosse visitar Christopher, pediria que a examinasse também.

Ela colocou as roupas sobre o gabinete da pia e abriu as torneiras da banheira.

Observou o movimento da água por algum tempo e procurou sabonete e xampu no gabinete da pia. Quando captou seu reflexo no espelho, ela quase gritou de susto. Ela parecia uma sobrevivente de um naufrágio, com os cabelos espetados para todos os lados e duas manchas escuras sob os olhos, deixadas pelo rimel borrado.

Como era possível que Christopher tivesse se sentido atraído por ela? Sebastian só podia estar enganado. Mas ela estivera na cama com ele, e...

As bochechas queimaram, e Dulce prendeu a respiração.

Não conseguia se lembrar da noite anterior, mas certamente a memória das mãos dele sobre ela ainda estava vivida.

Dulce se despiu rapidamente e entrou na banheira, obrigando-se a não pensar mais em Christopher. A água lépida a aqueceu, e ela fechou os olhos, fingindo que eram os beijos dele sobre a pele.

O que estava fazendo? Ela ergueu as pálpebras, assustada. Nunca tivera fantasias daquele tipo! Porém, nunca ninguém a tocara como Christopher...

O ruído discreto à porta a assustou. Christopher estava lá, observando-a.

- Desculpe. Achei que você tinha me chamado. - Ela pestanejou, embaraçada.

Bem, seu corpo todo clamava por ele, mas ela não se lembrava de ter dado voz aos sentimentos.

- E... eu... não.

- Nesse caso, vou deixá-la tomando seu banho. - Os dois se olharam por um longo momento. Christopher inclinou a cabeça num gesto discreto e saiu, fechando a porta atrás ele.

Dulce se afundou na banheira. Tivera de usar cada partícula racional da mente para não convidá-lo a se juntar a ela. O que havia de errado? Sempre fora tão prática, tão reservada... e agora, agia como uma devassa.

Memórias De Um Vampiro - Adaptada - Vondy. Onde histórias criam vida. Descubra agora