Capítulo 32

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- Dulce?

Ela ergueu a cabeça e piscou entre lágrimas ao se deparar com Christopher no centro do quarto, fitando-a com os olhos enevoados de preocupação.

- Oh, Christopher.. Eu sinto muito - Dulce balbuciou entre soluços.

Ele se sentou na beirada da cama e tomou-lhe as mãos, roçando os polegares nas palmas macias.

- Você não tem motivos para se sentir assim - assegurou com ternura.

Ela balançou a cabeça com força, sem conseguir falar. Tinha todas as razões; por amor, pela dor, pela perda, por permitir o relacionamento entre eles quando sabia que era errado...

- Querida, eu não me importo por você não estar grávida. E daí se não pode me dar um herdeiro? Quero você muito mais do que tudo.

- O... O quê? - Ela pestanejou, rapidamente.

- Se você é estéril, temos de lidar com isso.

Estéril? Herdeiro?

Ela apertou os dentes, reprimindo a irritação que cresceu em seu peito. Claro, era outra das mentiras de Sebastian! Mais uma pequena história para proteger o irmão.

Dulce inalou fundo, incapaz de descrever as emoções e pensamentos que travavam uma batalha ininterrupta em sua mente. Precisava de tempo para pensar. Tempo para decidir o que era melhor tanto para Christopher quanto para ela.

- Christopher... - Ela retirou a mão e tocou-o no peito. - Eu realmente tenho de descansar.

- Oh, é claro! Você teve um dia cansativo.

Christopher se inclinou para beijá-la e os dedos se moveram o para o zíper da calça. Mas Dulce o impediu.

- Christopher... - disse devagar, receando que a recusa ferisse os sentimentos dele.

- Amor, não sou nem uma besta selvagem - ele assegurou com um sorriso terno. - Só queria deixá-la mais confortável.

Dulce mordeu os lábios, culpada. Não havia razão para desconfiar dele. Christopher nunca pressionara. Ela era quem estava tirando vantagem da situação.

Com vagar, Christopher removeu a calça e ajeitou os travesseiros para que ela se deitasse.

- Quer que eu fique?

- Prefiro ficar sozinha.

Tê-lo tão perto embaralhava seu julgamento, e ela precisava de tempo para pensar.

Resignado, Christopher se levantou como se já soubesse da resposta. Beijou-a na testa e Dulce fechou os olhos ante a gentileza do toque. Tivera de ser forte para pedir que ele saísse. Como podia dispensar algo pelo qual ela ansiara a vida toda?

Ele desligou o interruptor e caminhou para sair do quarto.

Parou à porta, e a silhueta poderosa se destacou contra a luz do corredor.

- Dulce, tudo ficará bem.

Ela fechou os olhos. Era o que esperava.

Dulce não tinha idéia de como conseguira dormir com todas as preocupações que a agitavam. Porém, adormecera profundamente.

...

Abriu os olhos e olhou para o relógio. Onze e meia da manhã. Ela cerrou as pálpebras pesadas, sentindo-se exausta. Dentro de sua nova agenda de sono, ainda era cedo para se levantar.

Sonolenta, ela afundou a cabeça no travesseiro quando sentiu um formigamento na pele. Arregalou os olhos, completamente desperta. O formigamento se intensificou, provocando um arrepio que a percorreu da cabeça aos pés, eriçando a penugem dos braços e nuca.

- Não! De novo, não! - gemeu, petrificada de horror. Quando acabou de dizer a si mesma que era apenas imaginação, um peso sufocante a afundou na cama. Ela se obrigou a manter a calma. Era um sonho. Tinha de ser um sonho! Ainda estava dormindo, e o que quer que fosse aquilo não podia machucá-la.

O coração pulsou nos tímpanos, mas ela se forçou a não fraquejar. Tentou se erguer, com o cérebro mandando que lutasse.

No entanto, uma energia quase palpável a manteve imobilizada contra o colchão.

Vagamente, acima das batidas desenfreadas do coração, ela ouviu o som abafado de um corpo sobre a cama, pressionando-a com mais força no colchão.

Contrariando os instintos que a impeliram a lutar, Dulce permaneceu imóvel, tentando sobrepujar o terror para compreender o que a mantinha presa. Percebeu, depois de alguns momentos, que aquilo não tinha forma. Podia sentir que era um corpo. Porém, quando ergueu a mão para tocá-lo, não encontrou nada.

De repente, mãos pesadas começaram a tocá-la. A pele de Dulce se crispou quando dedos gelados deslizaram pelas pernas e subiram para os braços. Ela começou a se debater, incapaz de controlar o pânico.

Os dedos invisíveis a seguraram pelos pulsos, prendendo-os sobre o colchão. Pela primeira vez, ela ouviu a respiração, baixa e pesada.

Ela apertou os olhos e tentou girar a cabeça para não escutar, mas o espectro se moveu para mais perto. E foi então que ouviu uma voz baixa e gutural sussurrando em seu ouvido:

- Olá, Dulce!
...

Christopher acordou e saltou da cama num movimento rápido. Dulce. Ela estava em perigo. Não questionou como sabia, apenas sentiu o medo que pairava no ar como uma colônia de aroma pungente. O medo de Dulce. Mesmo sabendo que seu corpo ainda estava adormecido, era como se uma força externa o mantivesse de pé. Com movimentos rápidos, muito mais ágeis do que o habitual, ele chegou ao quarto dela. A maçaneta girou com facilidade em sua mão. Por alguma razão, esperava que o quarto estivesse trancado.

Dulce estava deitada no centro da cama, com os braços estendidos ao longo do corpo e os olhos arregalados. O terror brilhava nas profundezas das pupilas dilatadas. Ela parecia paralisada naquela posição, segura por alguma força invisível.

Christopher parou por apenas um segundo e o cheiro acre o envolveu, forte e encorpado.

Obrigou-se a ignorá-lo e correu para o lado da cama. Quando tocou Dulce, o cheiro se evaporou.

Ela o agarrou e inalou sofregamente, como se estivesse sufocada. Finalmente, a respiração voltou ao normal. Ergueu o rosto para fitá-lo e as mãos tocaram o rosto, os cabelos e o peito, como se ela não acreditasse que fosse real.

- Shh... - Christopher sussurrou, abraçando-a com força. Ele respirou, aliviado. Dulce estava bem. Ele conseguira chegar a tempo. Tempo para quê, não soube dizer. Não importava.

- Você o viu?

A voz de Dulce estremeceu, e o olhar se tornou ainda mais apavorado.

- Não. - Embora tivesse sentido, mas Christopher omitiu o comentário.

- Tentei me convencer de que era um sonho, algum pesadelo recorrente, maluco e assustador. Mas esta noite, eu soube que é real.

Christopher assentiu e ergueu o rosto, tentando captar algum vestígio do cheiro que sentira antes. Restava apenas o medo de Dulce.

- Você vai dormir comigo - declarou sem dar margem para recusa.

Christopher ajudou-a a se levantar e passou o braço ao redor da cintura. A pele fria sob seus dedos o deixou preocupado.

No quarto dele, debaixo das cobertas, Dulce se aninhou contra seu corpo.

- Você sentiu alguma coisa? - ela perguntou, aflita. - Não pressentiu uma presença naquele quarto.

Christopher abriu a boca para confirmar, e mudou de idéia. Contar a Dulce o que ele experimentara não traria nenhum benefício. Nem ele mesmo compreendia o que havia acontecido.

Ele inalou o aroma fresco dos cabelos e da pele. O que quer que fosse, havia ido embora. Era tudo o que importava.

- Acho que você teve um sonho muito vivido - disse para tranquilizá-la, esfregando as mãos nos braços gelados.

Jane suspirou, desapontada.

- Christopher, você acredita em fantasmas? As mãos pararam.

- Fantasmas?

- Sim, fantasmas - ela confirmou, sem esperar pela resposta. - Eu nunca acreditei, mesmo tendo crescido numa casa funerária. Ou, talvez exatamente por isso.

Ademais, cresci ouvindo os diálogos do meu pai com o suposto fantasma da minha mãe.

Mas agora... - Ela suspirou, desanimada. - Eu já não sei mais.

- Dulce, não foi um fantasma - Christopher assegurou, mais uma vez, sem saber de onde vinha tanta certeza.

Ela ergueu a cabeça e, mesmo sem luz no quarto, Christopher discriminou o brilho dos olhos.

- Você não acredita em nenhum tipo de existência depois da morte?

Sim, ele acreditava, Mas em vez de dizer, Christopher beijou-a, saboreando a vida daqueles lábios.

- Acho que você teve um pesadelo, Dulce. Foi só isso.

- Era real demais.

- Alguns pesadelos são muito reais. Ela ergueu ainda mais o rosto e procurou os olhos dele.

- Como você sabia que eu precisava de ajuda?

A voz estava mais calma. No entanto, a pergunta inocente o agitou. Christopher se inquietou, pouco confortável. Era outra pergunta da qual ele sabia resposta, mas não fazia sentido.

Ele era um visconde, um homem com muitas propriedades, que se dava ao luxo de ter uma fortuna razoável e de aproveitar a vida da melhor maneira possível. Era um homem normal, abençoado pelo futuro casamento com a mais adorável das esposas. Não deveria ser capaz de sentir o medo dela... Pior, era mais do que sentir. Ele experimentara na própria pele e o farejara no ar.

Memórias De Um Vampiro - Adaptada - Vondy. Onde histórias criam vida. Descubra agora