Capítulo 19

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Dulce saiu do banho e apanhou a toalha fofa para se secar. Vestiu a camisola e foi para o quarto evitando confrontar seu reflexo no espelho sobre a pia.

Não queria ver a mulher desesperada e patética que se atirava nos braços de um desconhecido... Pior, de um quase desconhecido, cujos únicos atributos que conhecia eram o cavalheirismo apaixonante e o grau de insanidade mental.

Ela afastou a luxuosa colcha da cama e se enfiou sob o edredom. Sem conseguir dormir, fixou o teto, pensativa.

O que estava fazendo? Em vez de se distanciar, como deveria, estava cada vez mais envolvida com Chirstopher. Porém, tinha de ser honesta. Ele era dono de tamanho fascínio que qualquer mulher sucumbiria aos encantos daquele homem. Para piorar, ele sabia disso. Christopher tinha plena consciência de que ela o desejava.

A atração física não seria problema se não conduzisse ao caminho inevitável da paixão. Se ao menos ele não fosse tão sensível! Como resistir a um homem que compreendia com tanta profundidade os sentimentos dela com relação ao pai? Claro, a simpatia dele não aliviou a culpa, mas, ao menos, era acalentador ter alguém que a compreendia.

Dulce fechou os olhos. Estava condenada. Se permanecesse na presença de Christopher, estaria sentenciada a amá-lo.

Contudo, não podia quebrar a promessa de ficar com ele até que recuperasse a memória. E então..

Ela rezou para que os sentimentos dele não mudassem quando resgatasse as lembranças. Porque os dela, com toda certeza, seriam os mesmos.

As pálpebras pesadas cederam à exaustão, e Dulce adormeceu profundamente.

Ela acordou sobressaltada, e um suspiro escapou de seus lábios. O instinto primordial advertiu-a a se manter imóvel para se proteger do predador que espreitava na escuridã.

O mesmo sentimento de pavor que ela tinha experimentado na noite anterior a invadiu. Era como se uma energia poderosa a tragasse para o fundo de um lago gelado, oprimindo-a com a densidade de um peso insuportável.

O pânico a impediu de respirar. Não podia ser real! Tinha de ser um pesadelo.

Ela perscrutou a escuridão, tentando discernir alguma sombra que denunciasse a presença de alguém. O quarto repousava na mais absoluta escuridão, com as cortinas cerradas. Mesmo assim, ela podia jurar que não havia ninguém ali.

De súbito, a opressão que pairava no ar contaminou o corpo de Dulce. Algo pesado e frio paralisou seus músculos, dificultando a respiração.

Ela precisava sair daquele quarto!

Com esforço sobrehumano, lutou contra misteriosa força que a esmagava e se levantou. Com dedos trêmulos, alcançou a maçaneta da porta e saiu para o corredor.

A energia maléfica se intensificou ao redor dela novamente, sufocando-a. Dulce se forçou a manter a calma e recostou-se à parede, apoiando-se para seguir em frente até encontrar a maçaneta do quarto de Christopher. Assim que entrou no quarto escuro, subitamente, a sensação desapareceu.

Dessa vez, ela não se importou em acender a luz. Fechou a porta e correu para a cama, enfiando-se sob as cobertas ao lado dele.

Christopher não despertou completamente, e abraçou-a para puxá-la de encontro ao peito.

Dulce fechou os olhos com alívio, e todo o terror evaporou no mesmo instante.

* * *

Christian se materializou nas sombras do quarto deserto. Ele sorriu ao ouvir a porta ao lado se fechar. Uma porta não representaria obstáculo se ele realmente quisesse chegar a Dulce.

No entanto, a presença de Christopher no aposento definitivamente o desencorajava. O irmão a protegeria.

Christopher havia copulado com aquela mortal. Christian sentiu o fervor do sexo assim que entrou no quarto. De qualquer forma, o idiota provavelmente a protegeria mesmo sem o incentivo sensual.

Mas ele deixaria que o irmão continuasse com seu romance. Christian esperava até que desenvolvesse sentimentos por ela. Queria que o irmão compreendesse a dor de perder a mulher amada. Faria com que sentisse o mesmo que ele quando perdera Lilah.

Quando Dulce acordou, ela quase gemeu. Estava de volta na cama de Christopher.

Embora ele não a tocasse, podia senti-lo do seu lado.

Relutante, ela se virou. Com a cabeça apoiada sobre o cotovelo, Christopher a observava. Ele havia afastado as cobertas, revelando o peito musculoso e o tórax plano.

Aquele homem era absolutamente magnífico!

E ela havia decidido parar de tocar toda aquela perfeição? Decididamente, era a mais estúpida das mulheres!

Dulce arrastou o olhar para a face. O sorriso arrogante revelou que ele sabia exatamente o que ela estava pensando.

- Não sei por que insistimos em dormir em camas separadas, se nós sempre terminamos juntos ao amanhecer.

- Ou ao anoitecer - Dulce corrigiu. Ele franziu a testa e olhou para os números iluminados do despertador no criado-mudo.

- Nossos horários estão confusos.

Tudo estava confuso, ela pensou com desgosto, e deslizou para longe antes que fizesse algo estúpido.

No entanto, a mão firme em sua cintura a impediu de sair.

- Algo a amedrontou novamente? - Christopher a encarou, preocupado.

Ela interrompeu o movimento, adorando o contato da mão possessiva. Era engraçado como o toque de Christopher bloqueara tudo que ela sentira na noite anterior. Assim que se deitara, uma reconfortante sensação de segurança a invadira.

No entanto, agora não era segurança que arrepiava sua pele.

- Devo ter tido outro pesadelo - declarou.

Ali, do lado dele, as sensações da noite passada pareciam distantes e irreais.

- Eu realmente acho que você deveria considerar dormir aqui de agora em diante.

Embora ele sustentasse o sorriso de provocação, Dulce teve certeza de que não reclamaria se ela concordasse.

- Não até que tudo esteja... acertado.

- Acredite, vou procurar Sebastian imediatamente e cobrar dele a licença de casamento. Mas, primeiro, preciso de um beijo.

Christopher se inclinou e pousou um beijo doce e gentil nos lábios dela.

- E então, levarei minha noiva para conhecer a cidade.

Dulce levou um momento para que o calor do beijo se dissipasse e o sentido das palavras penetrasse em seu cérebro.

- Não! Nós não podemos fazer isso - gritou, sentando-se de um pulo.

- É claro que podemos. Eu sei que não será tão confortável, já que não tenho nenhum cocheiro disponível. Mas posso alugar um coche. Você gosta de ópera?

- Christopher, eu prefiro ficar aqui mesmo - ela insistiu. A expressão divertida desapareceu, dando lugar à expectativa.

- Por quê? Você planejou alguma coisa em particular?

Ela teria rido da fisionomia esperançosa se não estivesse tão preocupada em pensar numa forma de mantê-lo no apartamento.

- Podemos jogar cartas...

Quando ele ergueu a sobrancelha, intrigado, Dulce receou ter cometido uma gafe.

Será que mulheres decentes não jogavam cartas no século XIX?

- Ou... Ou nos encontrarmos com Sebastian - ela sugeriu, julgando que a proposta o interessaria.

- Como eu disse, pretendo falar com ele antes de sairmos.

- Certo. Vou procurá-lo - ela avisou, saltando para o chão com um movimento ágil.

- Dulce?

Ela parou à porta e olhou por sobre o ombro.

- Por favor, vista-se antes de ir ter com Sebastian. Afinal, ele é um simples mortal.

Dulcs abaixou o rosto e avaliou a camisola. Não era o que se poderia considerar uma peça sexy. No entanto, estava lidando com valores vitorianos. Concordou com um aceno e começou a abrir a porta.

- Dulce?

Ela parou novamente.

- Agasalhe-se bem. Londres é muito fria nesta época do ano.

Dulce deixou o quarto e correu para sala, ansiosa por encontrar Sebastian. Depois de uma busca minuciosa, descobriu que ele não estava no apartamento.

Memórias De Um Vampiro - Adaptada - Vondy. Onde histórias criam vida. Descubra agora