Capítulo 31

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Dulce recuou um passo, Agora entendia por que aquele médico havia diagnosticado Chrostopher por telefone. Na certa, era como fazia a maioria dos exames de seus pacientes.

- Não acha que seria melhor se o levássemos ao hospital? Talvez ele precise de um psiquiatra...

- Ah, os psiquiatras... - Dr. Num estalou a língua com desgosto. - Eu mesmo me consultei com um, certa vez. Christopher ficará melhor com uma garrafa de uísque e uma prostituta. A bebida o deixará mais falante, e a prostituta ouvirá os problemas dele por um preço muito menor. Além do prazer que ela pode dar, é claro.

Ele sorriu, como se estivesse oferecendo uma solução brilhante.

Dulce ouviu, boquiaberta, e seguiu na direção da porta.

- Pode me dar licença um minuto?

Sem esperar resposta, ela girou a maçaneta e, naquele momento, os dois irmãos entraram na sala. Christopher parecia aborrecido, e Sebastian não escondia a tensão.

- Dulce, posso falar com você?

Deveria ser uma pergunta, mas ela percebeu nos olhos de Christopher que não havia espaço para recusa. Não que desejassem recusar. Ficou mais do que aliviada por se livrar dos comentários ofensivos do dr. Num!

Christopher tomou-a pela mão e saiu, fechando a porta atrás dele.

- Não quero que você seja examinada por esse médico - ele declarou por entre os dentes logo que ficaram a sós.

- Nem eu! - Dulce concordou prontamente, mesmo sabendo que o dr. Num não estava ali por causa dela.

- Oh, Deus! Agora...

A porta se abriu, e Sebastian espichou o pescoço pela fresta.

- Dr. Num já terminou com Dulce. Agora ele quer vê-lo, Christopher.

- Ele já examinou Dulce?

- Não. Ele só fez uma ou duas perguntas e ofereceu alguns - ela enviou olhar de censura para Sebastian. - ... conselhos profissionais.

Christopher suspirou, aliviado.

- Ele quer falar com você - Sebastian insistiu.

- Por quê? - Christopher ergueu as mãos, confuso.

- Bem, ele tem alguns conselhos para você também.

Christopher hesitou e caminhou na direção da porta. Fez uma pausa para fitar Dulce.

- Você está bem, não é?

- Sim. Estou ótima.

Sebastian fez um gesto para apressar Christopher e se afastou para lhe dar passagem.

Porém, Dulce o chamou.

- Espere, Sebastian. Quero falar com você.

Dulce podia jurar que ele havia erguido os olhos para o teto, mas o sorriso que ostentava nos lábios era da mais singela candura.

Christopher entrou na biblioteca e ele saiu para a sala de estar.

- Esse é o seu renomado médico? - ela questionou com ironia.

- Não se deixe enganar pelas aparências. Ele é o melhor.

O melhor DJ que o clube jamais tivera, Sebastian completou para si. E o mais novo, o que ele esperava pudesse prevenir Christopher de reconhecê-lo.

- Ele acha que a amnésia de Christopher é algo positivo.

- E isso não é bom? Pelo menos, ele não acha que seja nenhuma catástrofe.

Dulce balançou a cabeça, chocada.

- Sebastian, isso é loucura! Como amnésia pode ser uma coisa boa? Seu irmão precisa de ajuda, e ninguém parece se importar.

Sebastian apertou os dentes. Como se ele não se importasse!

Se fosse assim, não estaria inventando médicos, não teria feito todo o possível para manter Dulce perto dele, não se preocuparia tanto em protegê-lo...

- Eu me importo, Dulce. Mas, tenho de admitir, gosto mais de Christopher como está agora. Ele não está deprimido. Eu não agüentava mais vê-lo chorar a perda da nossa irmã, Elizabeth, que morreu muito tempo atrás! Christopher nunca conseguiu superar. Ele parou de se remoer de remorso por ter rompido relações com Christian, com quem não fala há anos...

Sebastian fechou a boca. Não pretendia contar a Dulce sobre os outros irmãos.

Quando chegasse o momento de saber a verdade, Christophrr teria de contar, e não ele.

Todavia, talvez ela precisasse saber, ponderou. Dulce estava no escuro. Seria bom que compreendesse Christopher quando a memória dele voltasse.

Ela o encarava com os olhos arregalados como duas, esmeraldas brilhando.

- Eu... Eu não sabia. Elizabeth morreu?

- Sim, há muito tempo. - Sebastian ergueu os ombros. - Mas, como você poderia saber? Nem mesmo Christopher sabe.

- É mesmo. E você acha que é por isso que ele está com amnésia?

- Em parte, sim. - Sebastian balançou a cabeça de um lado para outro.

- Oh, Christopher! - A voz de Dulce soou carregada de simpatia e desespero.

Sebastian notou as lágrimas nos olhos e o pesar nas feições, e pela primeira vez, ponderou se estava fazendo a coisa certa.

- Por favor, desculpe-me - ela murmurou e seguiu pelo corredor sem esperar resposta.

Até aquele momento, o único pensamento de Sebastian fora dar a Christopher o que ele queria: Dulce. Nunca havia considerado que estava brincando com a vida dela. Ele não tinha o direito de manipular o futuro ou as emoções de ninguém. Dulce amava Christopher com tanta intensidade que a energia perfumava o ar e circulava por todos os recantos da casa.

- Droga, Christopher! Veja a que ponto você me obriga a chegar! - murmurou, tentando se convencer de que estava fazendo o melhor para ambos.

Dulce correu para o quarto. O pesar por Christopher e as lágrimas que estava tentando esconder a sufocavam. Como fora se meter naquela bagunça?

Ela caiu na cama e mergulhou o rosto no travesseiro. Agora, finalmente, compreendia o que Christopher estava reprimindo. Compreendia também o homem frio e distante que ela, conhecera no bar. Mesmo naquela ocasião, soubera que ele carregava mágoa e ressentimento. O Christopher de agora, sorridente e gentil, estava livre daquele pesar e era capaz de rir.

De repente, ela se sentiu egoísta. Preocupava-se com o que poderia acontecer com ela quando a memória de Christopher voltasse. Nunca pensara no que poderia acontecer com ele.

Contudo, não acreditava no que Sebastian sugeria. Definitivamente, a amnésia de Christopher não era saudável. Mantê-la seria o mesmo que aceitar que ele vivesse num mundo de fantasia. Mesmo que a ilusão permitisse uma vida livre de dor, ainda era ilusão. E, eventualmente, ele se lembraria.

Dulce virou o corpo e fixou o olhar no teto. Será que Christopher se lembraria mesmo?

Seu pai era um exemplo de alguém que vivera na fantasia para sempre. Não queria o mesmo para Christopher. Viver fora da realidade impunha muitos limites. O pai havia investido toda sua energia em excluir da lembrança qualquer coisa que pudesse interferir em suas crenças. Com isso, ela ficara fora da vida dele.

No entanto, mesmo distanciada, ela tivera de viver dentro dos parâmetros impostos pelo pai. Convivera com a ilusão, consciente de que não havia nada a fazer. Tentara protegê-lo e se proteger, e, com isso, ambos ficaram alienados do mundo, à parte de tudo que era real ou normal.

Não, Christopher não merecia tal destino. Não era justo. Ele tinha o direito de viver uma existência real.

Dulce apanhou uma almofada e abraçou-a, como se quisesse, buscar conforto. Sim, Christopher tinha de confrontar os velhos fantasmas. Talvez fosse a única forma de se curar, por mais que ele sofresse ao reviver a dor de perder Elizabeth e Christian mais uma vez.

Memórias De Um Vampiro - Adaptada - Vondy. Onde histórias criam vida. Descubra agora